É o continente que nos está mais próximo, mas para mim África sempre esteve muito longe. Talvez porque nunca tenha tido aquela ligação familiar que muitos outros portugueses têm, nem mesmo com as ex-colónias. A verdade é que nunca senti o chamamento. Até há um par de anos.

Já tinha passado por Cabo Verde (que recomendo vivamente) e pelos países do norte, de uma cultura predominantemente islâmica, mas foi só recentemente, quando tive de ir a Moçambique em trabalho, que deixei o meu coração em África. Percebi finalmente o significado da cor e do cheiro da terra que muitos já me tinham descrito, mesmo que aquela terra nunca tenha sido minha. Sempre tive mais o fascínio das grandes cidades e estava longe de imaginar que era isso que ia encontrar em Maputo. Em dimensão é, de facto, uma das maiores cidades que visitei, com tudo de bom e de mau que uma grande cidade pode ter. A pobreza não cativa, mas a simplicidade das pessoas sim, que, naquele lugar, pelo menos aquelas com quem me cruzei, têm sempre um sorriso no rosto e uma felicidade de quem, aparentemente, precisa de pouco mais. Na realidade precisa, e muito, mas a forma como nos recebe não o denuncia.

Há depois um lado moderno, dos grandes edifícios, das grandes companhias, onde quase esquecemos de que estamos em África, mas o que a um português que ali vai pela primeira vez prende é ver o que resta de nós, para além da língua. Ao princípio é difícil abstrairmo-nos da quantidade de referências que surgem na parte mais moderna da cidade, de empresas a nomes de ruas, Pequim vai tomando conta dos negócios da cidade, que, assim, será das poucas do mundo onde se misturam a raiz africana, a herança europeia e o atual poderio económico asiático.

«Nunca imaginei o que teria sido viver na África portuguesa antes da descolonização e acredito que só quem o vivenciou sabe como foi.»

Nunca imaginei o que teria sido viver na África portuguesa antes da descolonização e acredito que só quem o vivenciou sabe como foi. Mas ao passar por ali percebe-se o encanto, a qualidade de vida e o quão feliz pode ser-se em frente às águas do Índico. Essa zona da antiga Lourenço Marques, centrada na Marginal da cidade, e que é muito extensa, quase que nos remete para uma Riviera francesa, que já o terá sido para alguns, e que tem potencial para o voltar a ser para todos.

As referências ao antigo colonizador são muitas e ainda estão ao virar de cada esquina. No coração da cidade há um edifício que, para mim, é um dos marcos maiores da presença portuguesa: a estação central de Maputo. Está muito bem conservada, provavelmente em melhor estado do que a maioria das grandes estações ferroviárias em Portugal que mantêm os edifícios originais.

Apesar de não ter saído muito de Maputo e dos arredores, rapidamente percebi que há dois momentos sagrados que, provavelmente, não conseguirá experienciar da mesma forma em qualquer outro lugar do mundo. É o sol, ali mais vermelho do que nunca, que dá cor à terra e que nos faz sentir aquele cheiro de que sempre ouvimos falar. O seu nascer, longe do rebuliço urbano, é um momento único. Para viver em silêncio. Pelo contrário, quando ele se põe é altura para nos rodearmos de amigos, num qualquer ponto estratégico da cidade. Eu fi-lo no Dhow, como me tinham aconselhado, e não me arrependi. É muito fácil criar em Moçambique rotinas, das boas, e perceber que há ainda tanto para descobrir nesta cidade e neste país, que é imenso, tal como a vontade de voltar. Afinal África tem muito mais que ver comigo do que alguma vez imaginei.


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