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Nasceu em Vila Nova de Gaia, vive em Lisboa, formou-se em Nova Iorque. Já foi Florbela Espanca no cinema, Olímpia, Verónica, Vitória ou, recentemente, Júlia na televisão. Alice, Lúcia e tantas outras personagens no palco. Faz da representação a sua vida mas, além de atriz, Dalila Carmo é sobretudo viajante. Já esteve mais de setenta países, uns sozinha, outros acompanhada, uns em trabalho, muitos para passear. Os amigos pedem-lhe dicas sobre destinos e já foi várias vezes aliciada para escrever um livro sobre os sítios por onde andou. E garante que é mais fácil decidir os destinos que adia, do que decidir a próxima viagem.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Paulo Farinha

Essa próxima viagem, já está decidida?
Eu acabei de aterrar. Há três dias. Depois de três meses e meio fora. Às vezes a escolha é um pouco aleatória. Tenho um mapa grande em casa, fecho os olhos, aponto… Outras vezes é por exclusão de partes. Gosto de tentar uma espécie de lotaria na escolha da próxima viagem. Mas gostava de preparar uma viagem um pouco mais consequente no continente africano, que é o que conheço menos bem – apesar de já ter passado, ao todo, um ano em Moçambique (em diferentes momentos). Calhou fazer quatro trabalhos diferentes lá. Primeiro foram seis meses em 2002 a fazer uma série, depois mais quatro meses em 2009. E já passei por lá mais duas vezes. Acabei por conhecer bastante bem Moçambique e a África do Sul, mas gostava de explorar outras zonas de África, que é aquele continente onde tu tenho um grande “buraco” no meu mapa.

Disse que esteve três meses e meio fora. De onde vem?
Foram três meses e meio repartidos entre Londres e o Irão. Londres é uma questão prática – estive lá a ter aulas e tenho lá a minha pessoa, por isso passo lá grandes temporadas por motivos pessoais. No irão estive três semanas em fevereiro. Ainda fiz uma viagem breve à Irlanda do Norte.

Quando escolhe o próximo destino, planeia a viagem e planifica tudo ou depois logo se vê?
Depende de quanto tempo tenho. Se as viagens são curtas e tenho uma semana ou dez dias de férias, eu organizo tudo, dos voos ao alojamento. Mesmo para países onde ainda não fui, tenho uma base de dados bastante grande porque estou sempre à procura de coisas e sabores novos. E montanhas novas e rios novos. Eu estou sempre à procura de lugares novos. É uma coisa bastante compulsiva, esta insaciedade de mundo, que eu não sei de onde vem. Mas, por exemplo, se acabar um trabalho que teve uma duração intensa e eu sei que não vou ser chamada para outra coisa nos próximos tempos – ou sabendo que vou, mas impondo a mim própria essas pausas –, muitas vezes vou só com bilhete de ida e vou desenhando o percurso à medida que o vou fazendo.

Já fez isso muitas vezes?
Em 2014, por exemplo, saí em meados de outubro só com um bilhete de ida para Santiago do Chile e voltei no fim de abril. Foi a mesma estratégia que usei para uma viagem que fiz na Ásia há três anos. Houve coisas que decidi lá. Na viagem pela América do Sul, fui desenhando à medida que avançava. Tinha uma ideia de alguns lugares onde queria estar e que queria visitar, fiz um desenho do possível percurso, mas depois fui-me adaptando. Aquela parte do continente americano tem lugares muito dispares, muito diferentes. Por isso conciliei naqueles seis meses todas as estações, todo o tipo de gente, todo o tipo de landscapes, de sabores, de cheiros… É uma parte do mundo muito intensa, com lugares muito dramáticos. Às vezes dizia para mim: “agora estou farta de deserto” e escolhia um lago gelado. Mas não há uma regra. Depende do tempo que eu estiver e do quão aventureira eu me sentir nesse momento.

Viaja mais sozinha ou acompanhada?
Sozinha.

E não tem receio de o fazer, em alguns dos destinos para onde viaja?
Tenho. As primeiras viagens que fazemos são sempre aquelas em que eventualmente estamos mais inseguros. Eu vim do Porto com 18 anos em 1993. Em 1996 fui viver para Nova Iorque. Nunca tinha estado na cidade nem conhecia lá ninguém. De repente, quando sinto que aterro em lugares de maneira tão vertiginosa, acho que isso nos dá uma retaguarda de confiança para podermos explorar e confiar no nosso instinto. É óbvio que também temos de desenvolver o nosso instinto de sobrevivência em viagem, sobretudo as mulheres. Não vou negar que pode ser um problema, que me leve inclusive a adiar alguns destinos. Consoante o lugar para onde eu vou, preparo melhor, ou não, a viagem. Se é um sítio que eu sei, à partida, que vai exigir um bocadinho mais de cautela… O ano passado, por exemplo, eu estive na Nicarágua em abril e apanhei confrontos porque começou uma guerra civil. Eu achava que aquilo estava tranquilo, fui numa altura em que estava numa paz podre e de repente tudo aconteceu. Obviamente nós não conseguimos lutar contra imprevistos, mas há vários tipos de preparação. E eu acho que é fundamental para uma mulher que viaja sozinha ter essa consciência. Eu não sou propriamente uma viajante da noite, não sou consumidora de drogas ou exoterismos, por exemplo, não gosto de ficar refém ou à mercê de pessoas que me são estranhas em lugares que me são estranhos. E, portanto, essa vulnerabilidade tem de ser evitada quando estamos em viagem. Uma coisa é estarmos disponíveis para observar e conversar. Outra é colocarmo-nos em perigo. Eu conheço sempre imensas pessoas e gosto imenso disso. Quem me conhece bem diz que eu faço amizade com o guardanapo, se for preciso. Mas é fundamental termos essa capacidade de avaliação – que pode falhar, claro, e nada nos diz que é infalível – e sermos obrigados a questionar permanentemente o rumo da nossa vida e da forma como estabelecemos comunicação num lugar que não é o nosso.

E apesar dessa preparação, já teve algum susto?
Na Nicarágua não foi bonito. É um país extraordinário, mas lembro-me de muita gente me dizer para pular Manágua. E eu acho que a capital pode não ser uma cidade bonita mas é fundamental para compreender o contexto social e político do país. Há lá um teatro muito bonito, o Teatro Nacional Rubén Darío, onde eu tinha ido ver um espetáculo numa mostra de teatro da América Central. Era uma companhia de marionetas da Costa Rica. E nesse dia fui apanhada no meio de confrontos e tiros. Por um lado dá-nos uma contextualização, que eu acho que é fundamental para percebermos para onde vamos – e turismo não é só o hotel e o resort e a praia e a água de colo – mas obviamente que temos de ter sempre… um capacete.

Sabemos que a Islândia foi um dos locais que mais gostou de conhecer. Porquê?
Eu senti-me realmente no fim do mundo. Não foi na Patagónia ou na China. Senti-me no fim do mundo na Islândia. Em 2008 tinha apenas trezentos mil habitantes, 250 mil dos quais estavam em Reiquejavique. É a África da Escandinávia. É um país com condições muito agrestes, por causa do tempo. Cheguei a fazer uma estrada, a estrada dos Westfjords, onde durante sete horas não vi uma única pessoa e não me cruzei com um único carro. Esta sensação de deserto…

É boa?
É. Eu amo isso. Dá uma comichão na barriga muito grande.

Em contraponto, outra das suas viagens de sonho é o Japão, onde gente não falta.
Aí eu gosto precisamente do contrário. Da intervenção do homem. Claro que é também um país cheio de contra-sensos. É um verdadeiro paradoxo, aquele país e aquela cultura, mas a combinação entre passado e futuro, entre tradição e visão, é assombrosa. E como eu gosto muito de arquitetura, de design, de arte contemporânea e de gastronomia, o Japão conseguiu reunir lugares de sonho.

Como tem esse bichinho de viajar, tem muitos países para riscar no mapa-mundo. Mas qual é aquele especial que está aí a ser adiado mas ao qual tem mesmo de ir, qualquer dia?
No Médio Oriente já fiz várias viagens: Turquia, Jordânia. Israel, Irão… Isto tudo com passaportes diferentes, claro, porque há uns carimbos que me impedem de ir a outros. Mas o Egito ainda não fiz. Ainda não desci o Nilo até Assuão. Quero muito fazer essa viagem. Tenho aquele imaginário dos livros da Agatha Christie e imagino-a a escrever no hotel Old Cataract. Gostava imenso de ir ao Egito.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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