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Alentejano de Beja, António Zambujo gosta de acordar cedo e de fazer discos. Cresceu a ouvir o cante alentejano, apaixonou-se pelo fado, mas a música que faz não está presa a estilos ou géneros. Aprendeu clarinete e guitarra, desde 2002 lançou nove discos, incluindo um em que apenas cantava Chico Buarque – e é o único em que não aparece na capa, embora já tenha dito que não gosta de tirar fotografias. A música já o levou a muitos cantos do mundo, mas há pelo menos um país onde nunca deu um concerto.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Ricardo Santos

Olá António Zambujo. Nunca cantou em Itália. Porquê?
Na verdade, eu já cantei em Itália, mas na ilha da Sardenha. Em Cagliari, num concerto assim meio inesperado. Era um festival de homenagem a um músico local muito conhecido (que depois deu nome a uma fundação). Pelos vistos as pessoas lá conheciam-me e gostavam de me ouvir cantar e o presidente da fundação convidou-me.

Li algures que [em Itália] a ideia de um fadista homem faz alguma confusão…
A ideia de um fadista homem, em qualquer parte do mundo, faz alguma confusão. Cada vez menos, felizmente. Mas é natural que faça, porque, fora de Portugal, a palavra fado está associada, essencialmente, a Amália Rodrigues. Depois da Amália tivemos Ana Moura, Carminho, Mariza… Mas é essencialmente por causa da Amália. Por isso fora do país as pessoas associam mais o género a uma voz feminina do que a uma voz masculina. Estamos a tentar mudar um bocadinho isso…

Em Cagliari teve oportunidade de conhecer a cidade? Li que houve um momento na sua carreira que tinha uma média de 120 concertos por ano. Há tempo para conhecer os destinos?
Depende. Nós normalmente viajamos de véspera e eu gosto sempre de dar uma voltinha pela cidade no dia do concerto, pela manhã. Pelo menos para conhecer o centro, ou a zona à volta do hotel. Nem que seja para caminhar um bocadinho e para me perder – que é a coisa que eu mais gosto de fazer nas cidades, principalmente as que visito pela primeira vez. Então, há sempre um tempo. Por muito curto que seja.

E em todos os locais em que já esteve, houve alguma sala de espetáculos especial?
Sim, algumas. Já toquei no Carnegie Hall, em Nova Iorque, uma das salas de espetáculo mais emblemáticas do mundo, mas há outras que eu recordo. Lembro-me por exemplo de uma sala em Copenhaga, que tinha sido construída há pouco tempo e que era conhecida por ser de um arquiteto japonês que tinha feito um estudo acústico super inovador. Mais tarde, em Hamburgo – terá sido no ano passado ou há dois anos? – toquei numa sala também conhecida por isso, chamada Elbphilharmonie. As pessoas compram bilhetes para os concertos quase tanto para conhecer a sala como para ver o artista. Já toquei algumas vezes na Alemanha, mas não sou conhecido lá como sou conhecido em França ou no Brasil. Por isso, tocar numa sala dessas, ainda por cima com dois mil lugares, e chegar lá e perceber que estava esgotada… achei aquilo um bocado estranho. Depois percebi que era por isso. Não era por mim. Era pela sala em si, que é inacreditável. É uma sala preparada para concertos de música clássica, com orquestras sinfónicas, e a acústica é inacreditável.

Estiveram cerca de vinte anos à espera que essa sala, a Elbphilharmonie, estivesse concluída.
Sim, e teve uma derrapagem gigante, mas depois de construído vê-se que é incrível.

De Hamburgo para o outro lado do oceano: já perdeu a conta às vezes que esteve no Brasil?
Ia falar precisamente disso. De duas salas no Brasil incríveis: o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que é maravilhoso, e a Sala São Paulo, que é uma antiga estação de caminho-de-ferro convertida em sala de teatro e é linda. E o concerto nessa sala – que tem 1500 lugares – foi a solo, só voz e guitarra, quase acústico. Desde 2008, a primeira vez, já fizemos muitos concertos no Brasil.

Um pouco por todo o Brasil.
Sim. Mais no sul do que no norte, mas um pouco por todo o Brasil. Já tocámos em Natal, tivemos agora um convite para tocar em Belém, no Pará, mas somos mais convidados para São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador. Também já toquei uma série de vezes em Brasília. Curiosamente, o meu primeiro concerto no Brasil não foi em nenhum desses grandes centros. Foi numa cidade pequenina, muito mística, perto de Brasília, chamada Pirenópolis. Toquei num teatro de madeira muito bonito, pequeno, talvez parecido com o Teatro Garcia de Resende, em Évora. Ou com o São Carlos, em Lisboa.

E já que estamos no Brasil: quando esta conversa for para o ar [11 de junho, TSF] estará a fazer uma tour pela América Latina…
… incluindo o Brasil.

… incluindo o Brasil. Era uma viagem de sonho?
Era uma viagem de sonho, sim, mas não será totalmente concretizada. Será apenas parcialmente realizado, esse sonho. Vamos ter concertos em Bogotá, em Santiago do Chile, em Buenos Aires, Rio de Janeiro e São Paulo. Fica a faltar Montevideu [Uruguai] que será provavelmente na próxima digressão, ainda este ano, a propósito da apresentação deste novo disco. E fica a faltar Lima, no Peru, que também tenho alguma curiosidade em conhecer, e que se irá concretizar em breve. E depois [espero fazer] uma grande digressão no México, que é um país que eu já conheci mas onde estive pouco tempo e que me deixou muita vontade de lá regressar.

O que gostou mais no México?
Tirando a cidade do México (Distrito Federal), que é provavelmente das cidades mais caóticas do mundo, mas com a sua graça, consegui identificar-me com muitas coisas no país. É difícil de explicar. Deve ser aquela coisa da latinidade. Lembro-me de um amigo músico, o Pedro da Silva Martins, que quando chegou à Índia, a coisa que mais o fascinou, no meio daquela vegetação toda, foram as igrejas construídas pelos portugueses. E eu sinto isso e vejo isso, mas não só com Portugal. Em todos os países da América Latina, a ligação com Portugal e Espanha… Eu já sentia isso quando lia os livros do Gabriel Garcia Marquez. Uma das coisas que me deixou com mais vontade de conhecer a América Latina foram os livros dele. E depois de estar lá, dá para perceber isso. A forma como as pessoas vivem, principalmente nas cidades pequenas… identifiquei-me muito com isso.

Sente-se em casa?
Completamente. É isso que eu gosto de sentir também, quando viajo. Gosto das duas coisas: gosto de me sentir em casa e gosto de me sentir completamente perdido. Como no Japão ou na Escandinávia, que se identificam muito com a minha forma de pensar o mundo. Com coisas muito organizadas. Eu sou obsessivo-compulsivo com a organização. E o Japão é isso, onde as pessoas andam na rua de maneira muito civilizada.

E é um país com uma ligação especial a Portugal, nomeadamente ao fado. Há até quem aprenda português para poder perceber o fado e cantar.
A primeira vez que eu toquei no Japão foi num festival de música clássica. Era um festival que começou em Nantes, na França, e antes disso já tinha sido feita uma experiência no CCB, em Lisboa, com os Dias da Música. Era uma coisa do género: vários concertos ao mesmo tempo num centro de congressos gigante, com uma série de auditórios. Depois de termos tocado nesse em Nantes, quando o espetáculo se internacionalizou convidaram-nos para ir ao Japão. Ficámos umas três semanas Em Tóquio, a tocar quase todos os dias. Na segunda tournée já visitámos outras cidades, andámos no comboio mais rápido do mundo e fizemos uma série de coisas – como experimentar a gastronomia, que é incrível.

Gosta de experimentar?
Tudo. Só ainda não experimentei insectos. De resto, gosto de experimentar tudo.

Já andámos aqui um pouco por todo o lado: Escandinávia, Japão, América Latina… E regressar a casa, a Beja? Ainda é uma viagem de sonho?
É o melhor. Principalmente quando as digressões são grandes. A Beja não diria, porque eu já vivo em Lisboa há muitos anos.

A Porto Covo…
Sim, a Porto Covo também. Agora estou nessa fase. Chegar a Lisboa já é bom, mas chegar e pegar no carro e fugir – porque Lisboa está assim um pouco caótica – é o melhor. É quando me sinto realmente bem, em casa.

Diz que não gosta que lhe tirem fotografias nas entrevistas…
Quando tem de ser, tem de ser. Mas o que me cansa, às vezes, é aquela coisa de ter de terminar o concerto e depois… Acho até injusto para o artista, aquele hábito que se criou agora e que eu já aboli dos meus concertos: parece que quase faz parte do contrato o artista acabar de cantar e, dez minutos depois de sair do palco, onde esteve a dar tudo para a plateia, ter que ir tirar fotografias e dar autógrafos. Eu percebo que as pessoas queiram isso, mas eu pessoalmente acho muito injusto para o artista ter de o fazer.

… Mas, e nas viagens? Nas viagens gosta de tirar fotografias?
Não gosto nunca de tirar fotografias.

Não traz recordações?
As recordações estão todas na minha cabeça.

Mas não em forma de fotografias.
Não sou aquele turista que anda a tirar fotografias aos monumentos e a essas coisas todas. Vou dar um exemplo concreto: no Rio de Janeiro, que tem aqueles pontos turísticos quase obrigatórios, só numa das últimas viagens que fiz é que fui ao Cristo [Redentor]. Mas não entrei. Passei de carro. O que me encanta nos sítios é andar na rua, passear, ver como estão as pessoas. Os monumentos são giros de ver, mas não para ir lá de propósito. Só houve um monumento que me surpreendeu e que eu pensei: «Fogo, fascinante!». Foi o Alhambra [Granada]. Fui de propósito para o visitar. Estava no Algarve e, no dia do meu aniversário, fui lá com a minha mulher. Cheguei e fiquei impressionado. O resto é chegar e ver… Quem é que nunca viu a Estátua da Liberdade? Ou o Empire State Building? Toda a gente já viu. É chegar lá e… «ah, afinal é isto».

E qual é a viagem de sonho que ainda está por realizar?
Eu gostava de ir à Nova Zelândia. Nunca fui. Pelo que vejo, principalmente em alguns filmes, gostava muito de conhecer. Pelo rugby também, que eu gosto muito. E porque fica lá do outro lado. Para ver como é que eles vivem lá do outro lado.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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