Chiang Rai, Chiang Mai e Mae Hong Son. Três províncias, três formas de vida. Esta é a Tailândia sem praia e sem Banguecoque. Natureza, luxo, religião, gastronomia, ecoturismo e autenticidade para descobrir nesta reportagem e nos programas de televisão da Volta ao Mundo.

Texto de Ricardo Santos
Fotografia de Rafael Reigota/GMK e Ricardo Santos

Uma mulher varre lentamente o chão na Tailândia. Uma barcaça aporta de forma tranquila em Myanmar. Um homem ambicioso joga a sua fortuna na mesa de um casino no Laos. Tudo no mesmo dia, ao mesmo tempo, separados por menos de um quilómetro, com o rio Mekong a servir-lhes de pátio, de estrada e de modo de vida. É assim no Triângulo do Ouro, onde três países se juntam e se separam.

A paisagem é curiosa em Chiang Sae, cidade tailandesa da província de Chiang Rai. Esta é uma pequena parte do longo percurso de cinco mil quilómetros feito pelo Mekong entre os planaltos do Tibete e o mar da China. Tudo se conjuga neste ponto de paragem de turistas, 800 quilómetros a norte de Banguecoque. Há hotéis de luxo e elefantes, memórias de guerra e refeições de cozinha tradicional, caminhadas na selva e amanheceres com bruma. Há uma representação de Buda que parece estar a bordo de um barco. É mais um lugar para uma selfie.

Que se saiba, nunca brotou ouro destas montanhas, apesar do nome. Durante décadas foi outra a riqueza que saiu daqui para o resto do mundo: o ópio, o primeiro ouro negro. Nestas florestas cultivou-se e aprimorou-se um produto proibido que contribuiu para a economia local. Das cerca de 250 espécies de papoilas estimadas, pensa-se que apenas uma delas seja o fruto proibido. Mas da fama já a papoila não se livra, seja ela saltitante ou não.

As tribos que vivem no Norte da Tailândia nunca pensaram muito nas delimitações territoriais. Dedicaram-se à sua vida quase nómada, subindo e descendo a montanha consoante o clima e as necessidades. Nunca lhes interessou se estavam num país ou noutro, até que chegaram as fronteiras, os documentos e a burocracia. Chiang Sae acaba por ser hoje uma curiosidade geográfica, mais do que uma pequena cidade de passagem. É aqui que param as carrinhas e os autocarros com turistas. É daqui que se tiram todas as fotografias da viagem que nos traz à encruzilhada dos três países: Tailândia, Laos e Myanmar.

Três países, três momentos diferentes nas suas histórias. O primeiro está a sair de um luto sentido, após o desaparecimento da sua figura maior, o rei Bhumibol Adulyadej. O segundo tem a China como investidor e procura colar-se ao milagre asiático, tendo feito um acordo de 99 anos para a exploração desta região fronteiriça junto ao Mekong. Centros comerciais, hotéis e lojas não vão faltar e o casino já rende. O terceiro dá os primeiros passos após a ditadura militar, com uma carismática líder que o Ocidente gosta de gostar – Aung San Suu Kyi – mas ainda consegue manter a aura misteriosa que ganhou na segunda metade do século xx.

Há 67 milhões de pessoas a viver nas 77 províncias tailandesas. É do Sul e da capital que quase sempre se fala: das ilhas, dos resorts, das praias que já foram filmes, das compras, da loucura de Banguecoque, das noites que não acabam, dos tabus que deixam de fazer sentido. E depois há o Norte. Este Norte que nos surpreende.

Um rio, um afluente, três países. A região do triângulo de ouro ganhou o nome graças ao cultivo de papoilas para a produção de ópio. No fim da década de 1990 tudo mudou. A agricultura tradicional ganhou terreno ao negócio ilegal e o turismo floresceu.

«Onde há água há trabalho. Onde há trabalho vive a melhor gente, os agricultores», diz Lah, a guia tailandesa de 46 anos que, fazendo jus à anatomia asiática, aparenta ter pouco mais de 30. Fala sem grandes oscilações no tom, num castelhano com sotaque argentino. Está habituada a acompanhar grupos e famosos das Américas do Sul e Central. Portugueses nem tanto. Há 30 anos, os turistas não viajavam até esta região. Simplesmente, não era possível. Em 1988, tudo mudou. Foi nesse ano que a mãe do rei, a princesa Srinagarindra (nascida Sangwan Talapat), tomou uma atitude radical. Implementou um programa de troca de cultivos, favorecendo a agricultura tradicional e procurando erradicar o cultivo de papoilas na região do Triângulo de Ouro. Não foi fácil o processo, mas quase três décadas depois são o tabaco e o café que fazem movimentar a economia local. Claro que um controlo rígido dos infratores também terá ajudado à mudança de mentalidades. Em mais nenhum local desta área em redor de Chiang Rai essa transformação está tão presente como no Doi Tung, a montanha da grande bandeira.

Passamos por campos de arroz até chegar a esse jardim especial. Um enorme chalé suíço está lá no alto – a residência real. Na encosta, flores coloridas dispostas de forma geométrica. Há caminhos cuidados por onde circulam os turistas, na grande maioria nacionais. No centro do jardim está uma estátua, dedicada à continuidade. É o exemplo de como o trabalho leva tempo, como se passaram três décadas do ópio à agricultura tradicional. Entre as árvores foi montado um circuito de arvorismo, com pontes suspensas, passadeiras e escadas. Há momentos em que estamos a mais de 30 metros do chão. Lá em baixo, a vegetação é densa. Ao fundo, os cumes das montanhas esbatem-se no nevoeiro criado pelas queimadas. Não se percebe onde acaba a Tailândia e começa o país vizinho. Nem que país vizinho será esse. Essa incógnita faz parte do encanto e a dúvida instala-se até à manhã seguinte, quando acordamos no Anantara Golden Triangle Resort.

Da janela do quarto, vê-se a bruma que sobe dos campos e fica a pairar até à copa das árvores de médio porte. São seis e pouco da manhã e o Sol ainda não ultrapassou a linha das montanhas. Já falta pouco para descobrir outro «metal» precioso neste triângulo agora de bons costumes. São os elefantes que se tornaram atração turística. Mas não no terrível sentido dos paquidermes acorrentados, com selas de madeira no lombo onde turistas ocidentais com excesso de peso passeiam alegremente sem pensar nas consequências.

Aqui a filosofia é diferente, como nos explica Nissa Matutanont, a veterinária deste Campo de Elefantes do Anantara: «Nenhum elefante é propriedade do hotel, mas sim do mahut, o tratador. Cada um precisa de comer diariamente cerca de dez por cento do seu peso, por isso trazemo-los a passear todas as manhãs até ao rio, onde tomam banho.» Os hóspedes podem acompanhar o percurso a pé ou em cima do elefante, mas sem direito a sela nem correntes. Fazemo-lo a pé, conversando enquanto os gigantes se alimentam e nos olham com aquela imponência inteligente de quem anda cá há décadas e merece o nosso respeito. Todos os dias, ao pequeno-almoço, uma das crias aproxima-se das mesas. É impossível resistir-lhe.

Os turistas chegam pela curiosidade geográfica, mas também pelo peso histórico da região. O norte da Tailândia e as zonas de fronteira com Myanmar e Laos foram palco de batalhas épicas durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, o clima é de amizade.

A caminho da capital da Província, Chiang Mai, está programada uma paragem no Templo Branco, Wat Rong Khun. É um complexo privado de 23 edifícios projetados por um dos mais conhecidos artistas interdisciplinares da Tailândia, Chalermchai Kositpipat. Em criança, viveu e estudou com monges budistas, como tantos outros miúdos. Teve as mesmas regras de acordar às cinco da manhã, rezar, receber doações de comida, estudar, meditar. Aprendeu as cinco regras básicas de não matar, não roubar, não mentir, não cometer adultério e não beber álcool. Não chegou a passar a noviço, senão teria de acrescentar não comer sólidos depois das 12h00, não dormir numa cama e não se divertir. E se tivesse chegado a monge, além de só poder possuir oito peças de roupas, o total de normas chegaria às 227.

Chalermchai queria que a sua terra tivesse o mais importante dos templos, e o projeto continua em movimento. Chegam turistas de todo o mundo para ver a imponente e trabalhosa obra. Tudo tem um significado, desde a vala a fazer lembrar o purgatório às figuras assustadoras que estão espalhadas pelo complexo, às vezes apenas imitações de cabeças penduradas das árvores. No entanto, é no edifício principal que mais se sente o rasgo de criatividade do artista. Há a representação de Buda, há a figura de um monge em posição de meditação, estão lá todos os elementos do budismo e há um respeito solene pelos mesmos. E nas paredes estão pintadas personagens e objetos que, segundo o artista, têm deixado marca na história da humanidade – Yoda da Guerra das Estrelas, Freddie Krueger do Pesadelo em Elm Street, Michael Jackson, um Angry Bird ou um telemóvel. E é entre a surpresa e a inquietação (não será esse o objetivo principal da arte?) que partimos para Chiang Mai, a segunda maior cidade da Tailândia.

À beira do rio Ping encontramos mais de trinta templos, entre eles o Wat Chedi Luang, no centro histórico. Foi finalizado em 1481, destruído parcialmente em 1545 e tem 98 metros de altura por 54 de largura. É bem mais impressionante ao vivo do que com base em estatísticas. Lah, a guia, leva-nos à capela principal, explica-nos como nos devemos comportar, como devemos sentar-nos frente à representação de Buda sem lhe apontar – nem às pessoas que nos rodeiam – as solas dos pés, como nos devemos curvar três vezes e tocar com a cabeça no chão quando estamos sentados. A flexibilidade já não é o que era e não permite tal aventura, mas Buda com certeza não levará a mal. Afinal é um deus de amor, não de castigo.

À saída, os visitantes têm a possibilidade de se sentar à conversa com os monges, em inglês ou com um tradutor. Podem ficar a saber mais sobre esta religião, sobre a vida, sobre a Tailândia. É uma boa forma de começar a mergulhar em Chiang Mai, tratando do espírito. Depois, vem a Nimanhémin Road, Niman Road para os habitantes locais e para os condutores de tuk-tuk. E aí é tudo bem mais físico. A começar pelas bancas de comida ao final do dia: espetadas, peixe frito, vegetais, legumes. Servem de complemento aos muitos bares, restaurantes e esplanadas que existem ao longo da rua. E não há qualquer mal em comprar petiscos nas bancas e comer à mesa, faz parte da rotina e todos ganham com o negócio. Pela noite dentro há por ali clubes e discotecas onde ir dançar, mas não convém deixar o passaporte no hotel. Ninguém entra sem identificação. Junto à Niman Road floresceram também outros negócios da moda, como hotéis boutique, lojas de roupa e acessórios ou cafés ao jeito ocidental. Sim, por aqui os preços são mais altos do que nos mercados tradicionais, mas a oferta é diferenciada.

O campo de elefantes do Hotel Antara no Triângulo de Ouro é um dos cinco da região. Todos os dias, animais percorrem os campos até ao rio, acompanhados pelos Mahut, os tratadores. Cada visitante pode interagir sem provocar maus-tratos e sem contribuir para a exploração dos imponentes seres.

Tradição tailandesa que está na moda é o muay thai. Não confundir com Mai Tai, o cocktail que se apresenta como uma boa opção nos bares tailandeses, além da sempre procurada cerveja local: Chang, Leo ou Singha. Muay thai é uma luta tradicional da Tailândia, imortalizada por filmes e campeonatos míticos, copiada em ginásios de todo o mundo. Fazer férias de luta é uma realidade e é fácil encontrar turistas ocidentais que tiram uma temporada para treinar e aprender com os melhores.

Não resistimos e acabamos uma tarde no Muay Thai Training Camp de Chiang Mai. A flexibilidade volta a ser posta à prova no aquecimento. O mestre explica-se num inglês básico, gritando as ordens do tipo de golpe que deve ser dado: esquerda, direita, gancho, soco, cotovelada, joelhada. Vale quase tudo, desde que cumprindo os preceitos da modalidade. Ao lado, dois ou três ocidentais saltam à corda de forma exemplar. Fazem-no durante mais tempo do que dura o treino especial preparado para a Volta ao Mundo. Mérito deles, demérito nosso. A experiência acaba por deixar marcas – psicológicas, porque sabe bem deitar para fora a pressão instalada; físicas, porque durante os restantes dias os braços vão parecer mais pesados. Chega finalmente a hora do duche. E depois a massagem, essa outra grande instituição tailandesa.

Vamos por um bairro residencial, longe do centro turístico. Lah explica-nos que é ali que costuma ir, que não passa sem uma massagem total e fala-nos do bem que lhe faz. «Uma hora sabe a pouco», diz, mas é sempre melhor do que nada. Começamos com a suave lavagem dos pés. Depois, troca-se de roupa para uma espécie de calções e camisa de tecido leve. As mãos da massagista estão cheias de óleo e deslizam pelos pés e pelas pernas, depois chegam às costas e aos ombros. Há um breve momento de inconsciência, deitados de barriga para baixo no colchão colocado no solo. É aquela altura em que pomos o nosso corpo nas mãos de uma desconhecida por qualquer coisa entre os 300 e os 500 baht (pouco menos e pouco mais de dez euros). E tudo estala: nós dos dedos, articulações, pescoço. Há um joelho da massagista que quase perfura uma virilha, há um pé da senhora que se instala na coluna, há uma entrega total do corpo. E risos de cada vez que uma articulação se parece desconjuntar. Uma hora sabe a pouco.

Chiang Mai não fica completa sem a expêncieria gastronómica. No mercado de Mae Hia não parece haver um produto fora do sítio. Cheiros, só os da comida exposta. É preciso preparar o jantar e conhecer os ingredientes. O chef Kantaphon Sriwiset (Gun para os amigos), da escola de cozinha Pantawan, mostra-nos o que iremos utilizar mais tarde, dá-nos a provar os enchidos, elucida-nos sobre os ovos de formiga e que estão expostos – «Sim, podes comê-los assim, crus.» A explosão do pequeno casulo branco na boca não é desagradável. Só o lado psicológico dificulta a tarefa. Também lá estão entranhas e cabeças de animais, rãs vivas, malaguetas, frutos que não se identificam à primeira e o famoso durian. Amado e odiado, é provavelmente o fruto menos consensual da Ásia. Criticado a ponto de alguns hotéis não permitirem que os clientes o levem para o quarto, tal a intensidade do cheiro.

Meia hora depois estamos no carro de Gun, em direção à escola de cozinha que é uma casa. As bancadas estão devidamente preparadas, os utensílios alinhados. Primeiro, ele explica e faz o prato. Depois provamos e confecionamos. É simples e rápido. Quatro pratos depois estamos sentados à mesa a comer as criações. A cerveja gelada não falta, nem as várias doses de picante. No Norte da Tailândia, os sabores são menos intensos do que no Sul no que toca ao picante, mas nem por isso mais fáceis para quem não esteja habituado. Há alguma transpiração pelo meio, mas o peixe em folha de bananeira, o caril verde, o picadinho de porco e a salada de frango estão aprovadas.

O dia chega ao fim no hotel Four Seasons Chiang Mai. Luxo asiático? Pois, é isto. Tem campos de arroz na propriedade, quartos que são villas, casas que são mansões, serviço de mordomo, spa que é um mimo ao ego. Imagine-se uma piscina onde o empregado não deixa o copo de sumo ficar vazio, entrega protetor solar à chegada ou limpa as lentes dos óculos de sol quando necessário. Mas tudo isto sem ser intrusivo. Às vezes parece demasiado. E é. O que não cansa é a varanda de cada quarto, ligada à divisão principal por uma ponte de madeira. O sofá que lá está é um baloiço, parece de movimento perpétuo tal a vontade de ali ficar. Apetece dormir a noite com os sons dos pássaros e de outros animais como banda sonora. Porque não? É só passar o repelente.

A estrada que liga Chiang Mai a Mae Hong Son tem 1864 curvas. Nem uma a menos nem uma a mais, dizem os especialistas, os guias turísticos e as T-shirts à venda à beira da estrada. Selva e montanha, subidas e descidas que levam cerca de cinco horas a percorrer. Há motards que programam esta viagem para tirar o prazer de cada inclinação. Vamos de carrinha, com várias paragens pelo caminho. Há opções para encostar, ver a paisagem ou comer qualquer coisa nesta remota área da Tailândia.

Estima-se que pelo menos um milhão dos habitantes do país pertençam a tribos. E a maioria está nesta região. Cada uma tem o seu dialeto, umas vêm originariamente da China, outras da Birmânia ou do Laos. São as tais que nunca se preocuparam com delimitações geográficas, mas que hoje fazem parte do reino da Tailândia. Estão divididas pelas atividades que praticam: nos campos como agricultores, mas também auxiliando os visitantes que chegam em busca de rotas de trekking; no turismo, fabricando e vendendo produtos tradicionais; na montanha, vivendo nas zonas de fronteira e mantendo um estilo rural; ou num projeto real de asilo a refugiados políticos.

Passamos por Pai, a mais turística cidade desta região que aposta o seu futuro no turismo de aventura e de natureza – caminhadas e rafting, por exemplo. A malha urbana é de casas baixas que albergam restaurantes, lojas de roupa, bares ou estúdios de tatuagem. A população estrangeira desloca-se em motorizada pelos diversos pontos de interesse: rios, grutas, miradouros. Há uma atmosfera hippie chic em Pai. Apetece ficar mais tempo, mas outros recantos nos esperam, como a aldeia Lisu, onde uma tribo tibeto-birmanesa se dedica à agricultura. Cultivam arroz e milho, vendem fruta, legumes secos e especiarias. É sexta-feira e as crianças saem da escola. Trazem vestidos trajes tradicionais. Param na pequena venda à beira da estrada e compram guloseimas. Alguns ainda terão vários quilómetros a pé pela frente até chegar a casa.

A nossa caminhada é outra e leva 30 a 45 minutos. Começa em campo aberto, entra na floresta e precipita-se para uma gruta de galerias impressionantes. As estalactites e as estalagmites ultrapassam em muito a altura de duas ou três pessoas. Somos guiados por duas mulheres. Uma vai à frente do grupo, abrindo caminho com o seu candeeiro a gás. Outra vai no fim da fila, para assegurar que ninguém se perde. Chegamos à beira de um rio subterrâneo onde duas jangadas de bambu nos esperam. Na escuridão seguimos rio abaixo, sem noção de onde estará o fim. Há peixes dentro de água, seguem-nos até à luz. Esta é verdadeiramente a Tailândia profunda.

Na aldeia seguinte, Banmaelana,visitamos o templo e ouvimos Thong, o guia de quarenta e muitos anos, a contar-nos como é a vida por ali. Leva-nos a uma recente aposta do turismo na região, as guest houses. Por cinco euros, o viajante pode ali dormir, num colchão no chão. É a casa de uma das 170 famílias da aldeia. Por mais dois ou três euros, terá as refeições. Há almôndegas de porco no wok e um caril verde que cheira divinalmente. Ainda não são onze da manhã, mas o cheiro a bergamota, salsa, cebola, gengibre e pasta de camarão abre o apetite. Sentamo-nos a comer e a conversar, entre o português, o tailandês, o inglês e o espanhol. Tudo regado com chá e sorrisos – é a terra deles, certo?

Mais uma curta viagem, mais uma aldeia. Desta vez, Jabo. São 63 casas, cerca de 240 pessoas e hoje festejam o Ano Novo, quatro noites e cinco dias de animação. As mulheres andam pela rua com as suas vestes típicas. Os homens estão recolhidos, dizem-nos que a noite foi dura. No centro da aldeia, a casa do xamã, o homem-santo, o feiticeiro de Jabo. É um homem que já passou os 50 anos, de pele escura e olhos negros. Está sentado de pernas cruzadas em frente ao lume, onde uma panela ferve água e ervas. Uma taça de cerâmica repousa com um chá de tom acastanhado. As pessoas da aldeia procuram-no para aconselhamento, previsão do futuro, afastamento de demónios ou cura para maleitas diversas. Como não temos nenhuma queixa, agradecemos a hospitalidade e despedimo-nos. Ele sorri com os poucos dentes que tem na boca.

E chegamos a Mae Hong Son. Está calor nesta estação seca. Vamos diretos ao templo de Wat Chong Klang, bem no centro da cidade, junto a um lago. Ao lado há outro edifício religioso, o Wat Chong Kham. É por aqui que, ao fim do dia, se vai instalar um mercado ambulante de roupas e de comidas – sim, de insetos fritos também e acompanham muito bem com uma cerveja fresca. Com a noite, tudo vai ficar iluminado com gambiarras. Numa das margens do lago haverá cinema ao ar livre e, dos bares em redor, vai haver música até perto da meia-noite.

No alto da cidade está o templo Wat Phra Tat e a pagoda Doi Kongmu. Tocamos com uma peça de madeira os sinos cerimoniais. Lah diz-nos que dá sorte e que nos permitirá aqui voltar um dia. Lá em baixo está o tal lago. Ao fundo estão as montanhas e a pista do aeroporto de onde iremos partir no dia seguinte. Há uma neblina de fumo no ar devido às queimadas e aos incêndios nesta altura do ano. Este é o Norte da Tailândia no ano 2560 do seu calendário, o nosso 2017. Os dias começaram a ser contados no momento em que Buda morreu, aos 80 anos. Foi em 543 a.C., daí a diferença. Parece estranho, mas é só uma forma diferente de ver as coisas. Assim é a Tailândia, cheia de estereotipos antes de lá chegarmos, repleta de histórias e surpresas depois de regressarmos a casa. O fumo acaba por não se dissipar no dia seguinte. Os voos estão cancelados. Sim, são mais 1864 curvas até Chiang Mai. Mas ninguém se queixou.


O Cônsul Honorário

Nuno Caldeira da Silva

O ponto de encontro para uma conversa com Nuno Caldeira da Silva foi o mercado de rua ao domingo em Chiang Mai, o local mais concorrido da cidade. Jantámos num restaurante da zona e passeámos pelo mercado depois de o cônsul honorário de Portugal na cidade nos ter iluminado sobre alguns dos pratos sobre a mesa. Nuno está há 13 anos na Tailândia, primeiro a trabalhar na embaixada portuguesa e agora como professor universitário de Política Internacional, lecionando as cadeiras de Governação e Política na Ásia ou Diplomacia no Sudoeste Asiático.

Pede uma cerveja local com gelo, um costume que ganhou por cá. Acompanhamo-lo, sem gelo. Fala-nos dos 516 anos de ligação entre Portugal e a Tailândia, dos 40 mil cidadãos nacionais que todos os anos visitam o antigo reino do Sião e dos cinco mil que optam por conhecer anualmente Chiang Mai. A entrevista, para ver e ouvir no programa de televisão da Volta ao Mundo na RTP (aos fins de semana) acontece no meio de centenas de pessoas que andam às compras. Os transeuntes param para filmar e fotografar. Nuno sente-se em casa, vê a cidade como uma pequena Banguecoque, com mais simpatia e menos stress. Das semelhanças entre os dois povos, destaca o prazer de comer. É normal uma conversa começar pela pergunta «já comeste?». E depois continua. Também os tailandeses têm os três F que, noutros tempos, foram imagem de um Portugal mais negro. No caso dos asiáticos, os três F são em inglês: family, friends and food. Família, amigos e comida. Bem que poderiam ser portugueses.


Guia de Viagem

Moeda: Baht
Fuso horário: GMT +7
Idioma: Tailandês (língua oficial)

Quando ir: A região Norte da Tailândia, na zona de fronteira com o Laos e Myanmar, tem um clima tropical quente e húmido com uma estação seca e muito quente entre março e maio. A estação das chuvas concentra-se entre junho e outubro. Nas montanhas as noites podem ser bastante frescas (com temperaturas inferiores a 15 graus) e os dias com mais de 30 graus. De novembro a janeiro as temperaturas são mais amenas durante o dia.

Ir
A Air France (airfrance.pt) voa diariamente, com escala em Paris, para Banguecoque, com preços a partir de 568 euros. De Banguecoque existem várias ligações para Chinag Mai e Chiang Rai (entre hora e hora e meia) nomeadamente com a companhia Bangkok Airlines. Os preços rondam os 170 euros. Em Portugal existem vários pacotes de viagem para a Tailândia, em especial para as praias, mas é sempre possível pedir uma extensão para o Norte ou um programa à sua medida.

Dormir
Anantara Golden Triangle Elephant Camp & Resort
Das varandas, dos 68 quartos, e da piscina é possível ver Myanmar e Laos, do outro
lado das margens dos rios Ruak e Mekong. Um das razões mais fortes para escolher este hotel é o Campo de Elefantes e as muitas atividades que os hóspedes podem fazer para conhecer de perto estes gigantes. Além da tradicional cozinha do Norte, há um restaurante italiano e é possível escolher um local escondido na vasta propriedade para um jantar especial debaixo das estrelas.
Triângulo Dourado Chiang Rai
Quarto duplo a partir de 858 euros por noite.
goldentriangle.anantara.com

Anantara Anantara Serviced Suites
Chiang Mai
Com uma execelente localização, no centro da cidade, este moderno e prático hotel tem o melhor de dois mundos: suites familiares com um, dois ou três quartos, com sala e cozinha e, ligação ao resort irmão Anantara Chiang Mai Resort, à beira do rio Pim e onde fica a sala de pequenos-almoços e o spa.
Preço: auarto duplo a partir de 359 euros por noite
bahia-principe.com

The Rock Resort
Nas montanhas entre a Tailândia e Myanmar e a poucos quilómetros da concorrida Pai,
este pequeno resort de cabanas, fica junto a um rio e está bem disfarçado entre as árvores. Os quartos são simples e em comunhão com a natureza.
215 Moo 1, Pai-Mae Hong son Rd.
Soppong Pangmapha
Mae Hong Son

The Imperial Resort
Às portas da cidade de Mae Hong Son este hotel com cerca de cem quartos fica entre as árvores e o rio num ambiente de total tranquilidade. O pequeno-almoço é servido na grande esplanada junto ao pequeno rio. Tem piscina para recuperar energias depois de uma visita às grutas da região. Um shuttle leva os hóspedes até ao centro da cidade.
Quarto duplo a partir de 50 euros por noite com pequeno-almoço
imperialmaehongson.com

Four Seasons Chiang Mai
A cerca de meia hora de carro do centro da cidade, o resort tem o seu próprio campo de arroz onde os hóspedes podem conhecer de perto (e até plantar) o ingrediente que está na base de muita da cozinha local. A propriedade é muito grande com villas, residências e quartos com varandas privativas.
Mae Rim-Samoeng Old Road
Quarto duplo a partir de 550 euros por noite

Shangri-La Chiang Mai
No centro da cidade o alto edifício esconde um jardim tranquilo com uma piscina e um bar para recuperar das compras nos mercados da cidade. A não perder o restarante China Kitchen com especialidade de cozinha de chinesa de Sichuan.
Chang Klan Road, 89, Muang
Quarto duplo a partir de 150 euros por noite
shangri-la.com

O que fazer
Há atividades que levam cada vez mais estrangeiros a visitar, de forma mais prolongada, a Tailândia, como o muay thai, a arte da massagem e a cozinha tailandesa. Há quem fiquemeses a aperfeiçoar técnicas e conhecimentos. Mas claro que também é possível incluir estas atividades numas férias, mais ou menos ativas.

Pantawan Cooking School
A escola do chef Kantaphon Sriwiset, que gosta de se apresentar com chef Gun, organiza cursos de cozinha tailandesa com a particulariedade de se concentar em pratos da região de Chiang Mai. Numa sala aberta as bancadas fazem lembrar uma sessão do MasterChef. Antes de lá chegar o chef leva os alunos ao mercado de Mae Hia para que se conheçam os ingredientes. Na sala e depois de ouvir a explicação (prato a prato), cada um regressa à sua bancada para tentar reproduzir, o melhor que souber, o que acabou de aprender. No final juntam-se todos à mesa para jantar, melhor ou pior.
201 Moo. 2, Mae Hia,
Muang, Chiang Mai
pantawancooking.com

Lanna Muay Thai
Esta escola bem familiar está aberta, todos os dias das quatro às sete da tarde, para treinos e aulas que pode combinar com o professor Daene. Leve roupa confortável e teste a sua condição física antes de lá ir. É que aqui não se brinca às lutas.
E-mail: [email protected]
tel: +66894309324

Saber mais
Autoridade Turismo da Tailândia em Portugal
turismotailandes.org.pt


Reportagem publicada na Volta ao Mundo (nr. 270) de abril de 2017

 

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