O conjunto da mata e do Palace Hotel do Bussaco foi considerado Monumento Nacional. Valem só por si, mas também pelas tabernas e lugares novos para comer no Luso, a pequena vila que vive da água.

Texto de Ana Luísa Santos
Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens

Muitas pessoas não sabem mas a Mata do Buçaco fica a dois passos da Mealhada.» A frase ouve-se um pouco por toda a região e a relíquia natural contígua à vila do Luso está a pouco mais de 15 minutos. A viagem é para lá que segue, porém é sensato almoçar antes. Os 105 hectares de vegetação guardam muito que ver e o melhor é explorá-los com tempo e energia.

O Rei dos Leitões é um dos restaurantes que pontuam as bermas da EN 1 e, apesar de o nome não enganar – a especialidade é leitão –, a aposta recai também, desde há alguns anos, no peixe fresco que chega das lotas de Olhão e de Peniche. Depois de um couvert bem recheado, chegam à mesa as criações dos dois chefs que entraram neste ano para o restaurante: Rogério Amaro e Pedro Carvalho. Vieira corada com puré de aipo e palomitas de couve-flor, goraz do Açores acompanhado de batatas, espargos, emulsão de açafrão. As sobremesas que saem das mãos da pasteleira Lídia Ribeiro, como a pera bêbeda ou o morgado do Buçaco, não devem ser puladas.

Com o estômago reconfortado, é hora de voltar ao (curto) caminho. Quando nos aproximamos da Mata do Buçaco, o ruído vai diminuindo e entra-se numa mancha verde, onde a vegetação frondosa vai criando túneis naturais. Percebe-se de imediato o que levou a Ordem dos Carmelitas Descalços, no século XVII, a ali criar um deserto espiritual para os frades viverem em reclusão. Para que estivessem bem isolados, foi construído um muro de três metros de altura, que se estende por seis quilómetros e abarca 105 hectares – o atual perímetro da mata.

Sofia Ferreira, bióloga e responsável pelas atividades educativas da Fundação da Mata do Bussaco, guia quem quer conhecer a mata. Há trilhos de duas e três horas, caminhadas alternadas ao sábado e ao domingo, e visitas que podem ser personalizadas (mín. 15 pessoas; grupos menores mediante consulta prévia). Quem preferir fazê-lo de forma independente pode comprar um mapa na fundação e aproveitar para visitar a Loja da Mata.

Para iniciar o périplo, uma das possibilidades é percorrer a mata a pé partindo-se do miradouro da Cruz Alta, um dos pontos mais elevados da serra do Buçaco. Dos quase 550 metros avista-se um enorme manto verde ondeado, onde cabem as serras do Caramulo e da Estrela e, ao fundo, o Atlântico. Após esta panorâmica, entra-se na Floresta Relíquia, que conserva as caraterísticas típicas da floresta primitiva, antes da ocupação humana. E é como se fôssemos agora personagens de uma história de fantasia, onde troncos entrelaçados, forrados a musgo, se inclinam sobre o caminho e as folhas amareladas criam um tapete natural sobre os degraus sinuosos de pedra, que Sofia vai descendo com desembaraço. Partilha histórias e conhecimento sobre a fauna e a flora. Aponta para as umbigos-de-vénus, pequenas plantas arredondadas que vão surgindo no caminho, informa que são comestíveis. O percurso continua e percorre alguns dos passos da Via Sacra, que aqui foi replicada à escala da de Jerusalém, com cerca de três quilómetros. Dela fazem parte vinte pequenas capelas que correspondem à paixão e à prisão de Cristo. À Capela de Santo Antão, Sofia recomenda uma visita pelo pôr-do-sol. E depois à Fonte Fria, por onde a água jorra no meio da uma escadaria, e ao exótico Vale dos Fetos, onde as plantas enormes, vindas da Tasmânia, ladeiam um caminho de terra, criando um ambiente quase selvático.

Dormir no coração da mata

O passeio chega ao fim, o corpo pede algum descanso e não é necessário ir mais longe, pois há duas opções na mata: pernoitar nas Casas do Bussaco, antigas casas de guardas-florestais que foram reabilitadas, ou no Palace Hotel do Bussaco, a funcionar desde 1917. Está nas mãos da mesma família há três gerações e, apesar da visível passagem do tempo, é um lugar belo, carregado de história. Foi mandado construir para os últimos reis de Portugal, ao estilo neomanuelino, e está recheado com sumptuosos frescos, quadros e painéis de azulejos que evocam a epopeia dos Descobrimentos portugueses e a batalha do Buçaco. No restaurante Mesa Real, o chef Miguel Silva apresenta uma carta bem portuguesa, com pratos como barriga de leitão, uma «interpretação do leitão da Bairrada», bife de marinhoa e imperador dos Açores servido com feijoada, acompanhados pelos premiados vinhos do Buçaco. A decoração do restaurante, assim como a dos quartos, remete para a elegância de outras épocas. Ao todo, contam-se sessenta quartos e quatro suites, sendo que alguns têm uma varanda ou um terraço privativo para os jardins do hotel.

A água leve que trata

Explorada a parte superior da serra, sugere-se descer até à pitoresca vila do Luso, no sopé, salpicada por coloridas casas apalaçadas. É com este cenário que dezenas de pessoas enchem todos os dias garrafões com a água que nasce mesmo ali e brota das onze bicas da Fonte de São João. Durante a semana não há grande movimento, mas «ao domingo é uma romaria», contam Sílvia Silvestre e Diogo Ribeiro, do Rosa Biscoito, ali ao lado. O casal pegou, há cerca de três anos, num espaço grande que funcionava como o café de apoio ao Casino do Luso, e deu-lhe uma nova vida, juntando ali salão de chá, restaurante de petiscos e mercearia gourmet. E, já que estamos no mesmo edifício das Termas do Luso, vale a pena ir conhecê-las e – quem sabe? – usufruir do spa termal que, a par do termalismo clássico e do centro médico, compõe a oferta. Os serviços de bem-estar incluem massagens, duches, tratamentos faciais, e os de termalismo, mais focados em patologias específicas, agregam várias terapias, entre elas a hidropinia, que consiste em beber esta água com baixa mineralização várias vezes ao dia.

Se as termas dão vida à vila durante o dia, à noite Mário Penetra sentia que faltava algo. Foi para colmatar essa lacuna que abriu a Taberna do Burriqueiro, em 2016, para servir petiscos e «refeições ligeiras até de madrugada». Na carta leem-se opções tradicionais como bifanas e bitoques, mas há sugestões inesperadas – a sanduíche reuben, com pastrami, e a poutine, prato canadiano à base de batatas fritas cobertas com três queijos e molho de carne. Estes pratos foram trazidos por Mário, do Canadá, onde viveu durante 12 anos. De resto, há vinho, cerveja e café. Café expresso, sem leite nem desenhos, porque, como Mário faz questão de lembrar, «isto é uma taberna».


Guia de viagem

Dormir

Casas do Bussaco
Mata Nacional do Bussaco, Luso (Mealhada)
Tel.: 231937000
Preço: alojamento local a partir de 80 euros por noite; casa de turismo rural a partir de 90 euros por noite (com pequeno-almoço incluído)
fmb.pt

Palace Hotel do Bussaco
Mata Nacional do Bussaco, Luso (Mealhada)
Tel.: 231937970
Quarto duplo a partir de 105 euros por noite (inclui pequeno-almoço)
almeidahotels.pt

Comer

Rei dos Leitões
Avenida da Restauração, 17, Mealhada
Tel.: 968123084
Das 12h00 às 22h00. Encerra à terça ao jantar e à quarta.
Preço médio: 28 euros
facebook.com/restaurantereidosleitoes

Rosa Biscoito
Alameda do Casino, Luso (Mealhada)
Tel.: 936585386
Das 10h00 às 22h00; sexta e sábado até às 00h00. Encerra à terça.
Preço médio: 10 euros
facebook.com/rosabiscoitoluso

Taberna do Burriqueiro
Rua Emídio Navarro, 162, Luso (Mealhada)
Tel.: 231930249
Das 12h00 às 02h00; sexta e sábado até às 04h00. Encerra ao domingo e à segunda.
Preço médio: 10 euros
facebook.com/tabernadoburriqueiro

Mesa Real
Palace Hotel do Bussaco
Tel.: 231937970
Das 13h00 às 15h00 e das 20h00 às 22h00. Não encerra.
Preço médio: 30 euros

Ir

Termas do Luso
Rua Álvaro Castelões, Luso (Mealhada)
Tel.: 231937910
Preço: tratamentos a partir de 16 euros
termasdeluso.pt


Apoiado por revista Evasões


Reportagem publicada na edição de maio de 2019 da revista Volta ao Mundo (número 295)

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