Foram à Índia e vieram empresárias

Filipa Castanhinha e Rafaela Fortunato saíram de Portugal sem emprego certo para concretizar um projeto: três meses na Índia de mochila às costas. Voltaram com uma mala cheia de tecidos, que serviu de bilhete para as viagens – e trabalhos – que se seguiram.

Texto de Bárbara Cruz

Quem abrir a página no Facebook da Oficina Shanti ‑ Made in Travelling vai encontrar mais do que as habituais imagens de moda da última coleção ou os modelos disponíveis. Há, sim, muitas fotografias de viagens, relatos na primeira pessoa, vídeos em locais distantes que mostram tecidos a serem tingidos de forma artesanal. Porque as fundadoras da marca não se limitam a comprar em feiras de vestuário e a gerir stocks por trás do ecrã do computador.

Na Shanti, há uma viagem por cada coleção que é lançada e os têxteis vêm sempre na mala de Filipa Castanhinha, 33 anos, e Rafaela Fortunato, 31, as viajantes que decidiram trazer para Portugal uma amostra das técnicas artesanais e dos tecidos que encontraram a Oriente, usando os padrões étnicos no vestuário ocidental.

A aventura da Shanti começou há cerca de três anos, a meio de uma outra aventura – uma viagem à Índia de mochila às costas. Quando decidiram partir, tinham deixado os empregos: Filipa chegara do Brasil há meses e Rafaela aterrara em Lisboa vinda de Londres há poucas semanas. Ambas psicólogas, conheceram‑se através de amigos em comum ainda na faculdade e foram mantendo contacto ao longo dos anos e das viagens que foram fazendo. Uma como a outra tinham já no currículo várias experiências internacionais, correram a Europa de InterRail, foram às Américas, trabalharam pelo mundo fora.

Por coincidência, regressaram a Portugal na mesma altura e perceberam que queriam muito viajar para a Índia antes de se dedicarem a procurar novas ocupações. Fizeram orelhas moucas aos avisos dos familiares, de estômago às voltas por verem duas raparigas embarcar sozinhas, e voaram para Nova Deli, senhoras de si, com bilhete de regresso para dali a três meses.

Da Índia e do Nepal voltaram quase vegetarianas e com grande apetência por pratos picantes.

Mas «ninguém se prepara para a Índia», garante Filipa. O primeiro embate com a realidade local foi no aeroporto de Deli, onde chegaram às três da manhã. Mais uma vez, decidiram ignorar avisos: «Tinham‑nos dito para não sairmos do aeroporto de madrugada», conta Rafaela, «mas estávamos com pressa, só tínhamos três meses», diz a rir‑se.

Meteram‑se num táxi e ouviram, fascinadas, que a cidade estava bloqueada por causa de um festival, os hotéis esgotados, ruas cortadas, mas o senhor, «tão simpático», ofereceu‑se para avisar no hotel que tinham reservado que não iam comparecer e garantiu que lhes arranjava alternativa. Na realidade, o festival não existia. Deixaram‑se ir e foram dormir a uma pensão que ainda hoje não sabem onde fica. Pagaram. «E demos gorjeta!», dizem em uníssono. No dia seguinte, o mesmo indiano quis levá‑las a um posto de turismo oficial e ainda compraram bilhetes de comboio para todo o país dez vezes mais caros quando finalmente perceberam que estavam a ser enganadas.

De Deli seguiram para o Rajastão, viram o Taj Mahal em Agra, «a cidade que cheira mal», encantaram‑se com Varanasi, ainda deram um pulo ao Nepal para fazer caminhadas e conhecer o Parque Natural de Chitwan – o autocarro deixou‑as às dez da noite a oito quilómetros da entrada do parque, mas desenrascaram‑se com uma boleia de uns americanos. Depois, foram para o Sul e acabaram em Goa, a fazer voluntariado num centro holístico.

«Chegámos com uma grande mala, cheia de tecidos por explorar. Deu a primeira coleção de almofadas que tivemos», explica Rafaela.

No regresso a Portugal, vinham quase vegetarianas, a comer tudo com picante e com a certeza de que não iam suportar mais um trabalho das nove às cinco. A resposta para o futuro estava nas malas, cheias de tecidos indianos que tinham comprado em Varkala. Foi ali que nasceu a Shanti, admitem, quando viram artesãos usar a técnica do block print para estampar tecidos: os têxteis são carimbados com blocos de madeira talhados manualmente, mergulhados em tintas naturais feitas de sementes.

Por impulso, compraram alguns tecidos e mostraram aos amigos nas redes sociais. Receberam tantas encomendas que acabaram por voltar para levar mais. «Chegámos com uma grande mala, cheia de tecidos por explorar. Deu a primeira coleção de almofadas que tivemos», explica Rafaela, sentada na loja do Bairro Alto, em Lisboa, que a Shanti hoje partilha com mais duas marcas. «O nome foi o mais fácil. É o que mais se ouve na Índia», diz Filipa. «Significa calma, paz, plenitude, tranquilidade», acrescenta Rafaela. «Eles dizem isso muito aos ocidentais.»

Em 2014, o projeto arrancou devagarinho e não parou mais: ainda a meio desse ano regressaram à Índia, trouxeram mais tecidos com padrões étnicos e começaram a desenhar peças de roupa. No início eram só as duas, agora já contam com a ajuda de uma designer, mas continuam a ser elas quem decide quais os tecidos e as técnicas a utilizar.

Procuram‑nos nas viagens que fazem e que vão documentando nas redes sociais. Na Tailândia, por exemplo, encontraram o indigo tie dye, uma tinta natural usada para tingir têxteis, e o batique, uma técnica de estampagem com cera derretida. Do Nepal, trouxeram lã de iaque dos Himalaias para a coleção de inverno. «O segredo do nosso negócio é esta descoberta que vamos fazendo durante as viagens. Temos muitos clientes que nos seguem e ficam sempre expectantes com o que vamos trazer, o que vamos descobrir», explica Filipa.

«O nosso conceito será sempre o made in travelling, vamos viajando e fazendo em colaboração», garante Rafaela. «As nossas parceiras de loja já sabem: pelo menos uma vez por ano, desaparecemos.» E já têm bilhete para a nova coleção: a rota passa pela Tailândia e pelo Laos.

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Imagem de destaque: Direitos Reservados

Artigo publicado originalmente na edição de março de 2017 da revista Volta ao Mundo, número 269.

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