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É jornalista desde os 19 anos e começou o percurso na publicação Vida Rural. Passou pelas direções do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, esteve no Expresso e no Público e foi editora de cultura na Agência LUSA. Atualmente assina o programa de entrevistas Começo de Conversa na TSF mas já passou também pela Antena 1 e Rádio Clube Português. Um caminho que a levou também à televisão: na RTP 2, com o programa Por Outro Lado tornou-se uma cara familiar e tem agora um programa de entrevistas no canal S+, dedicado à área da saúde. No currículo conta ainda com o Grande Prémio Gazeta 2003, atribuído pelo Clube de Jornalistas.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Paulo Farinha

Olá Ana Sousa Dias. Viaja mais em trabalho ou em lazer?
Até hoje tenho viajado mais em trabalho do que em lazer, porque o meu trabalho como jornalista implicou bastantes viagens – bastantes é uma palavra errada porque nunca são bastantes.

Nunca são as suficientes.
Nunca são as suficientes. Mas, de de facto, se fosse fazer uma estatística, naturalmente viajei mais em trabalho do que em lazer.

E já foi a algum sítio em trabalho onde depois tenha voltado em lazer porque gostou tanto?
Paris, por exemplo. Já lá fui em trabalho e em lazer. Se pudesse – em termos de dinheiro e de disponibilidade – iria todos os anos a Paris. Também gosto muito de Londres, mas na verdade, todos os sítios a que já fui por trabalho gostava de ir depois por lazer. Acho sempre que volto lá.

Falou de Londres e Paris. Há algum local em particular ou algum ritual que tenha nessas duas cidades e que goste sempre de repetir?
Sim. Paris há sempre os museus. Eu gosto muito do Museu Quai Branly, que é um museu de “artes primitivas” – não sei qual é o nome que lhe dão agora – e que provavelmente será despejado, porque muitas peças daquele museu vão ser devolvidas, porque são provenientes de países que naturalmente vão reivindicá-las são reivindicadas. Mas em Paris tenho uma coisa que é bizarra: gosto de ir ao cinema porque há sempre filmes que nós não vemos cá. Em Londres gosto de fazer uma coisa um bocadinho frívola: gosto de ir à Tiffany. Para ver, porque as coisas são não são baratas. Tenho poucas coisas compradas lá, mas gosto de lá ir.

Sabemos que Maputo é um dos destinos onde já foi e onde gostaria de voltar. Porquê?
Eu tinha o sonho de ir a Moçambique, onde nasceu o meu pai. O meu avô era médico e foi lá colocado. Na verdade ofereceu-se. É uma história muito romântica: a minha avó ia casar-se com um senhor e foi a banhos para a Figueira da Foz, onde conheceu o meu avô. Ela era de Lisboa, ele era médico no Porto. Quando voltou a Lisboa, ela disse: “eu não vou casar com aquele senhor. Vou-me casar com outro.” Já tinha a casa posta e tudo. O meu avô era médico, republicano, todo voltado para a frente. Basicamente, eu acho que de alguma forma eles fugiram. Eles não se casaram pela igreja. Casaram em 1920 ou coisa assim. E pouco tempo depois foram para Moçambique. Mas foram mesmo para o mato. Literalmente para o mato, porque ele foi colocado num plano grande de combate à doença do sono que foi feito no princípio dos anos 20. Portanto, os meus tios e o meu pai nasceram lá. O meu pai literalmente no meio do mato.

Há aí uma carga emocional muito grande. Nessa história e nesse destino.
Sim. Eu nunca fui a Tete. Esse é o sonho, porque é o sítio onde o meu pai nasceu. Quero ir, sobretudo pelas histórias que ouvi contar desde pequena. O meu avô, além de ter estado em Tete, esteve também em Inhaca, era uma espécie de delegado de saúde. Para mim Inhaca era uma espécie de paraíso na terra, mas aí já fui. Era mais perto de Maputo. E portanto havia essa vontade de ir conhecer estes sítios. Depois de eu ter voltado, voltei a ler também as memórias que o meu avô escreveu e que contemplam todo esse percurso. É extraordinário, porque ele conta a viagem de barco de Lisboa para Lourenço Marques. Como podem imaginar, não só era muito demorada como era bastante recambolesca. E depois, ainda mais do que isso, a viagem de Lourenço Marques até Tete – até à Angónia, que é uma coisa louca. E às vezes penso como é que foi possível a minha avó, uma menina brasonada, de Lisboa…

… De casamento marcado…
… como é que ela viveu aqueles tempos? E tenho muita pena de não a ter agora para lhe perguntar como é que foi possível. Ela adaptou-se a ter de fazer tudo. Foi para o mato e tinha de fazer tudo. E teve três filhos lá.

Sente que herdou algum desse lado aventureiro da sua avó?
O lado de decidir e fazer. Ir para a frente e não aturar coisas que acho que não devo aturar. Isso sim, é da minha avó.

E voltando um bocadinho a Moçambique, lembra-se o que sentiu quando pisou pela primeira vez aquela terra?
Lembro-me bem, mas o principal momento foi outro. Eu estava lá de férias em casa de um amigo que era o delegado da agência Lusa em Moçambique nessa altura, o Luís Sá. E estava lá uma amiga da mulher dele que é investigadora. Eu contei-lhe a história dos meus avós e ela disse-me: “um dia destes vem comigo ao arquivo histórico, porque podes encontrar documentos sobre o teu avô. E eu fui e encontrei imensas coisas sobre ele. Encontrei relatórios escritos por ele. Foi comovente.

Outra viagem que a marcou foi Budapeste. Porquê?
Talvez porque foi a última grande viagem que fiz. A mais recente. Fui em reportagem para a Volta ao Mundo e para o Diário de Notícias. Fui cobrir a apresentação do Festival Terras sem Sombra em Budapeste. E fazia parte da comitiva um coral alentejano. Eram de Serpa e eram as figuras principais da viagem. E desde que chegámos ao aeroporto de Lisboa até que voltámos, sempre que havia um momento de pausa eles desatavam a cantar. Mas cantavam tão bem se estivessem no aeroporto de Lisboa à espera do check in, como se estivessem na Academia Liszt, que tem umas condições acústicas extraordinárias. Para eles o cantar é um modo de estar. E foi delirante estar no aeroporto ou dentro do avião e eles não conseguirem parar de cantar. Havia uns húngaros que não estavam a achar muita graça, outros que estavam a gostar muito. E em todos os sítios onde estivemos eles sempre cantaram. Portanto essa viagem teve esse lado maravilhoso.

Aproveitando que estamos a falar de música: quando viaja gosta de ouvir música desse sítio? E eventualmente comprar e trazer?
Vou ser sincera: nunca pensei nisso.

E livros?
Livros sim. E tento sempre conter-me porque os livros pesam. Não me habituei ainda a ter e-books. Os livros pesam na mala e, portanto, tenho sempre de evitar o excesso de bagagem. Tento conter-me, mas as livrarias são um ponto obrigatório de visita, sim.

E gosta de regressar?
Gosto muito de regressar. O regresso é sempre uma mistura de saudades de casa e saudades do sítio onde se veio. Saudades da viagem. E sempre a pensar: “vou voltar”. Acho que nunca houve nenhum sítio em que eu não pensasse, quando estava lá: “eu tenho de cá voltar”. O que uma pessoa tenta sempre é pensar na próxima viagem.

E onde é que nunca foi mas gostava de ir?
Eu acho que isso é mais ou menos o resto do mundo (risos). Tenho muita curiosidade em relação à sítios absurdos, como os fiordes da Noruega, que é uma coisa mesmo aqui ao pé e era fácil. Gostava de visitar Buenos Aires, que nunca visitei. Ou Santiago do Chile. Há alguns sítios da América do Sul que eu gostaria de visitar. Ainda irei.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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