Hoje é organizador de expedições, mas antes coordenava projetos humanitários no estrangeiro. João Oliveira deu a volta ao mundo em dois anos e continua a desbravar percursos nos – poucos – países que ainda não conhece.
Texto de Bárbara Cruz
O dia 1 de janeiro de 2015 marcou o início de uma etapa na vida de João Oliveira. No mesmo ano em que completou 40 anos de vida e assinalou 20 desde que começou a viajar assumiu as circunstâncias da «evolução natural» do seu percurso e tornou-se organizador de expedições. Abriu a agência Portugueses em Viagem – o nome vinha de trás, mas já lá iremos – e deixou definitivamente o papel de coordenador de projetos de assistência humanitária, que o fez sair de Portugal para trabalhar em Cuba, Holanda, Guatemala, Moçambique ou Guiné-Bissau. Entre missões, conseguiu dar uma volta ao mundo. A primeira, diz sempre, porque há de regressar para visitar os amigos que deixou pelo caminho.
A próxima ainda não tem data mas vai fazê-la ao contrário, para recuperar o dia que perdeu algures no Pacífico com a mudança dos fusos horários, explica a rir. Ou seja, em vez de sair da Europa em direção à Ásia, para terminar no continente americano, quer seguir na direção inversa, trocando as voltas ao ponteiro do relógio. Apanhamo-lo em Lisboa, chegado da Índia há poucos dias, a horas de partir para o deserto marroquino. Se lhe perguntamos de onde vem esta tendência nómada, apressa-se a responder que é da sua natureza, como é da natureza de toda a gente: «somos todos nómadas, mas há alguns que se esquecem disso», sublinha.
Viajar sempre o entusiasmou: anda não tinha 20 anos quando fez um InterRail pela Europa, numa altura em que saltar de país em país de comboio era visto como uma excentricidade e exigia uma logística, literalmente, do século passado, desde trocar moeda a usar telefones públicos. Uma espécie de preâmbulo para a grande aventura em que embarcou sozinho no ano de 2008: foi de Portugal direto para o Irão e trilhou o globo até terminar a viagem no Rio de Janeiro, quase dois anos depois. A diferença entre a primeira grande viagem que fez – o célebre InterRail – e as que se seguiram foi sobretudo no ritmo: «com a maturidade começamos a perceber que viajar não é somar monumentos ou fotografias. São as experiências. E para as experiências é preciso tempo, por isso viajo cada vez mais devagar, cada vez concedo mais tempo para aquilo que ainda não sei que vai acontecer, mas que certamente acontecerá», resume.
Não quer arvorar-se no viajante perfeito e, por isso, a todo o momento se interrompe para realçar que não é melhor que ninguém por ter dado a volta ao mundo – a vitória foi «pessoal e intransmissível» – e que não tem a fórmula exata para viagens inesquecíveis. No fundo, defende, passa por uma questão de autenticidade: viajar para fazer o que se quer e não aquilo que os guias de viagens dizem que tem de ser feito.
«Portugueses em Viagem» é o grupo que criou em 2011. João Oliveira lidera expedições por todo o mundo. Uma forma diferente de viajar, garante.
Foi para partilhar as experiências de quem passa o tempo a descobrir rotas e a desbravar percursos pelos cinco continentes que, em 2011, decidiu criar os Portugueses em Viagem, um grupo que reunia para explorar interesses comuns. «Ser viajante é como ser leitor, é uma dimensão cultural que a pessoa tem, algo que nos acrescenta.» Foi esta parte da sua vida que evoluiu e que agora se tornou profissão, um trabalho de responsabilidade – uma vez que lidera pequenas expedições por todo mundo e tem a seu cargo as pessoas que leva consigo – mas que faz com prazer e sem grandes dificuldades: só viaja para os sítios que conhece bem. Tem muitos locais que lhe são familiares, que conhece como a palma da mão. Vantagens de quem passou dois anos consecutivos sem pôr um pé no país natal, além das várias missões em trabalho no estrangeiro.
Na Guiné-Bissau é sempre o «menino João» e na Índia até conseguiu entrevistar, por brincadeira, um marajá, depois de dizer a um funcionário do próprio que era jornalista – na altura, escrevia crónicas de viagens para o extinto jornal de Alcochete. Durante a sua grande viagem, a mãe aliviava-lhe o peso da saudade e repetia-lhe ao telefone que distância não é ausência. «A frase é muito bonita e inteiramente verdade. Não perdi um único amigo no tempo que estive fora, só somei. Estamos sempre a ser desafiados, sempre em movimento, sempre a construir.»
Para dar a volta ao mundo, não complicou: anteviu a oportunidade, despediu-se do emprego que tinha e traçou «objetivos», os locais por onde não queria deixar de passar, do Taj Mahal a Machu Picchu. O percurso é demasiado extenso para caber neste texto, tal como as memórias que trouxe. Algumas, em forma de objeto, pendurou-as nas paredes de casa, que é onde gosta de manter visíveis os pedaços das viagens que faz. Nunca conta quilómetros, muito menos países, porque não gosta de «contar carimbos». Não é por aí que afere a qualidade do percurso.
Da volta ao mundo – a primeira, não esqueçamos – gosta de recordar como passou a noite do fim de ano de 2008 em Timor-Leste, «um país nos antípodas e que mexe tanto connosco». Fez a festa com os militares da GNR que lá estavam destacados, que logo que o descobriram sozinho e em viagem, o convidaram a juntar-se a eles no quartel. Já do México traz a única história triste mas, ainda assim, memorável: foi assaltado na praia, enquanto tomava banho despido numa praia deserta. O ladrão, esse, foi de «extrema elegância», recorda às gargalhadas. Levou-lhe tudo menos os óculos e os calções, para o salvar de uma situação ainda mais complicada.
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Viajante publicado na edição de julho de 2015 da revista Volta ao Mundo (número 249).
Daniela só precisou de fazer Erasmus para perceber que não iria voltar