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É um dos nomes maiores da nova vaga da cozinha portuguesa, embora já ande há muitos anos atrás dos fogões. José Avillez levou a gastronomia nacional mais longe, mas é ele que gosta de ir para longe: Barcelona, Milão, Berlim, Londres, Nova Iorque, Hong Kong, Brasil ou EUA são alguns dos países onde esteve só no último ano. Umas viagens são de lazer, outras de trabalho. Mas todas servem de inspiração para novos pratos e texturas. Tem vinte restaurantes, duas estrelas Michelin, fez um programa de TV, teve uma rubrica de rádio, escreveu quatro livros de receitas. E tem um grupo enorme de gente a trabalhar para ele. Ou melhor, com ele, para o ajudar a gerir este verdadeiro império.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Paulo Farinha

Quando chega a casa, depois de uma viagem quer logo experimentar o que trouxe ou provou nos sítios por onde andou?
Normalmente só quero dormir só [risos]. Eu acho que a maior parte das pessoas tem o sonho de viajar para longe e conhecer mundo. Eu não sou diferente, mas nesta fase só queria poder não viajar tanto. É curioso: quando viajamos tanto, também queremos ficar mais em casa. E com família – e com filhos pequenos – é sempre muito bom voltar. Essa pequena lista de viagens que eu fiz no último ano, na verdade deve ser um terço do que eu fiz. Eu viajo em média cinco meses por ano. Faço 60, 70, 80 voos por ano. Por isso, às vezes só quero mesmo ficar em casa. Mas, e respondendo concretamente à pergunta que me fez, trago de facto muitas inspirações e quando trago ingrediente e ideias, pelo menos na semana que chego tento sempre experimentar algumas coisas. É uma maneira também de ir crescendo profissionalmente.

Com tantas viagens, já criou alguns truques para ser mais ágil no aeroporto?
Já. Eu viajo com muito poucas coisas. Normalmente tento não ter que despachar bagagem. E habituei-me a lavar a roupa no hotel, por exemplo. Como costumam ser viagens muito curtas, normalmente ando apenas com bagagem de mão e já não levo líquidos ou outras coisas proibidas. E habituei-me a ter embalagens mais pequeninas para algumas coisas que tenho mesmo de levar. E depois, claro, também é preciso ter sorte. Piora bastante a partir de meio do ano por causa do verão, quando os aeroportos ficam um caos. Por isso até maio ou junho faço se calhar 70 ou 80 por cento das viagens do ano e volto em outubro ou novembro. Viajar nos meses de verão é muito mais complicado.

Mas às vezes tem de ir um bocadinho mais carregado, não é? Tem de levar coisas para cozinhar…
Sim. Muitas vezes eu não conheço cidades, conheço hotéis e cozinhas pelo mundo fora. Quando vou cozinhar a Banguecoque, por exemplo, tenho de fazer três jantares e estou lá quatro dias, e nesse caso levo as bagagens cheias de coisas. Já levei carabineiros para todas as partes do mundo, já levei chouriços, farinheiras, morcelas…

E nunca teve problemas na Alfândega?
Já tive várias histórias. Já fiquei sem nada, numa viagem ao Brasil, em que tive de fazer tudo de novo. Já fiquei retido/detido em Paris, depois de fazer um jantar, quando acharam que as formas de pastel de nata que eu tinha dentro de uma lancheira eram… um míssil. Evacuaram o terminal inteiro do aeroporto por causa das formas de pastel de nata.

Há quanto tempo foi isso?
Foi há uns 15 anos. Evacuaram mesmo o terminal. Até saiu uma notícia disto. Eu viajava com o meu querido amigo David Lopes Ramos, que já não está entre nós, e eu tinha ido fazer um jantar ao Le Bristol. Eu tentava explicar o que era aquilo, falava em formas de pastéis de nata e dizia que aquilo estava cheio de açúcar e canela, mas acabaram por me explodir a mala num daqueles buracos que eles fazem. Fui interrogado por mais trinta pessoas e o avião atrasou uma hora e meia por causa de mim. Foi quando saí do gabinete que percebi que o terminal tinha sido todo evacuado. Estava um cordão gigante de polícia a guardar o terminal por causa de umas formas de pastéis de nata.

Falava há pouco da Tailândia e de Banguecoque. É um destino recorrente?
Sim, já lá fui algumas vezes. Fui também em férias, mas normalmente vou em trabalho. Também já juntei as duas coisas e a minha mulher já veio comigo, mas o normal é ir em trabalho. Gosto muito de Banguecoque. É uma cidade muito viva, que tem uma das melhores cozinhas de rua do mundo em mercados maravilhosos abertos 24 horas por dia. Adoro as pessoas, são muito simpáticas.

É um bom garfo? Como de tudo, quando viaja?
Sim. Hoje em dia tenho um pouco mais de cuidado, porque com tantas viagens e pouco descanso, às vezes rebento-me todo. Já não aguento o que aguentava quando tinha 30 anos. Agora tenho 39, não sou muito mais velho, mas já não consigo fazer as diretas que fazia, não consigo aquelas comezainas e as bebidas. Mas provo de tudo e tento sempre provar coisas diferentes.

Já alguma vez provou alguma coisa sobre a qual tinha muitas expectativas e depois não correspondeu?
Quando se viaja para destinos mais exóticos, com coisas de que ouvimos falar e que nunca comemos, acontece muito isso. E quando entramos em mundo de insetos e de larvas, então… nuns tinha mais expectativas que outros e há uns em que penso: «não quero mesmo provar aquilo» ou não quero repetir. A comida de rua em alguns sítios é de se benzer primeiro… Há coisas maravilhosas, mas os estados de salubridade nem sempre são os ideais. Hoje tenho mais cuidado e arrisco um bocadinho menos. Já vim com uma intoxicação alimentar do México num voo miserável. Não aconselho. Os nossos metabolismos não estão habituados e por isso às vezes há ali uma ou outra bactéria que nos faz pior. O picante e o sumo de lima ajudam a matar aquilo.

Outra das suas viagens de sonho é a Tanzânia. Lembre-se o que comeu por lá?
Eu acho que a comida é talvez a parte pior na Tanzânia. Há muitos anos que eu queria fazer um safari e fiz no ano passado sem a comida. Adorei. É um lado de África que eu não conhecia, com planícies a perder de vista, o Serengeti, Ngorongoro. É algo que nos faz lembrar a criação. E poder estar lá com a minha família foi muito especial. Quanto à comida, digamos que foi naqueles sítios em que disse: «Não estou aqui para comer». Foram só cinco dias.

Costuma fazer viagens pequenas, sobretudo.
Eu diria que esse é o grande problema das minhas viagens, em geral: são muito curtas e por isso um bocadinho mais cansativas. Um dia de viagem para lá e para cá e depois pouco tempo lá. A certa altura pensei: «ou não faço ou começo a organizar-me para conseguir fazer». Hoje em dia habituei-me a estar dois dias em Hong Kong, três dias em São Paulo, dois dias em Nova Iorque… E a resolver as coisas desta maneira.

Já esteve em algum país em trabalho onde quisesse depois voltar em lazer?
A Tailândia foi um deles. A primeira vez que fui, fui cozinhar e depois voltei lá em lazer. E alguns destinos da Europa também. Mas o lazer para mim, honestamente, é quando vou com a família. Como tenho tão pouco tempo, tenho de direcionar o lazer para os meus filhos e para a minha mulher.

E quando viaja em família, com a sua mulher e os seus filhos, consegue verdadeiramente desligar? E naqueles dias estar lá para eles e não tanto para os pratos.
Eu estava no meio do Serengeti a resolver problemas pelo Whatsapp. Infelizmente, são muito raras as horas em que desligo completamente. Lembro-me de estar em Machu Picchu sozinho, com um guia a tentar explicar-me coisas, e eu a fechar o negócio do Bairro [do Avillez]. A certa altura temos de pensar que aquela é a única maneira que temos de fazer as coisas. Ou não faço essas viagens e fico cá ou faço e tenho esse handicap. Vou ter sempre que estar ligado, conectado. Às vezes costumo dizer que só descanso mesmo quando dou um mergulho e estou aqueles segundos debaixo de água, quando não ouço nada.

Quando não ouve o telefone…
E hoje em dia já há Internet nos aviões. A maior parte dos voos de longo curso que eu faço já tem wi-fi. E era nesses momentos que eu conseguia descansar. Mas já acabou o descanso.

Qual é a viagem de sonho que ainda está por realizar? E porquê?
Tenho duas em cima da mesa que queria muito fazer: Irão e Índia. Pela cultura, que me fascina, e pela diversidade. O Irão porque pouca gente conhece verdadeiramente. E a Índia pela diversidade e pela relação de algumas zonas com Portugal. Já tive as duas viagens marcadas e tive de as cancelar, por isso espero conseguir fazê-las nos próximos dois anos.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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