Magníficos Dias Atlânticos

Descoberta há seiscentos anos e com tanto ainda por conhecer, a ilha de Porto Santo é destino para todo o ano. O clima é ameno, as praias têm areias terapêuticas, a gastronomia é de qualidade e as paisagens são surpreendentes. Em família, a dois ou com amigos, o que importa é ir.

Texto de André Rosa
Fotografias de Diana Quintela/Global Imagens


Reportagem publicada originalmente na edição de novembro de 2018 da revista Volta ao Mundo, número 289.

«O barco abranda à medida que se aproxima da vertente oeste do ilhéu de Cima e Jorge Jacinto aponta logo para os tubos de lava que, se não fossem de origem natural, dir-se-ia terem sido esculpidos na rocha pelo homem. A formação vulcânica – localmente conhecida por Pedra do Sol, pela estrutura raiada – formou-se a partir de correntes de lava expelida a alta temperatura que solidificou em contacto com o ar e é um dos geossítios do ilhéu, formado há cerca de 18 milhões de anos, em tempos unido à ilha de Porto Santo.

Jorge Jacinto, o guia da visita, identifica-a com o mesmo fascínio da primeira vez, apesar de já ter perdido a conta ao número de visitantes que levou ali com a empresa marítimo-turística Mar Dourado. E ainda bem que o faz: é que para subir os 713 degraus de pedra até ao topo do ilhéu são precisas doses reforçadas de entusiasmo. E de humor. «Temos aqui o primeiro descanso dos burros», graceja, apontando para uma marca no muro onde se amarravam os animais que antigamente transportavam mercadorias até ao farol, instalado no ilhéu em 1901. Por essa razão, a pequena ilha também é conhecida por ilhéu do Farol. Para lá chegar é preciso percorrer sinuosos trilhos marcados com pedras, e de vez em quando vale a pena parar para conhecer várias espécies de fauna e flora, tais como a cagarra, o garajau-rosado ou a cenoura- da-rocha (plantas endémicas das ilhas da Macaronésia).

A zona integra a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo e a Rede Natura 2000, pelo que «não se pode pescar nem de cana nem de mergulho», alerta o ex-capitão-mor da Capitania de Porto Santo, mafrense, de 61 anos e com 39 ao serviço da Marinha. «Como vinha cá acima muitas vezes em serviço, despertou-me interesse em conhecer alguma história.» De chaves na mão, momentos antes de abrir a porta do farol, garante «duas coisas lá em cima: uma vista abrangente de Porto Santo, que não se tem em mais lado nenhum, do ilhéu da Cal ao ilhéu de Fora, e sauna de graça», ri-se.

A zona do ilhéu do Farol integra a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo e a Rede Natura 2000. Não faltam espécies endémicas.

As promessas confirmam-se. E à medida que se admira a paisagem através da torre de vidro, Jorge Jacinto conta a história do farol, construído há 117 anos, o segundo mais antigo da Região Autónoma da Madeira, 124 metros acima do nível do mar. Até 1982 teve faroleiros em permanência, altura em que passou a receber energia de geradores. Hoje é autónomo, alimentado por painéis solares, e funciona 24 horas por dia, emitindo três relâmpagos seguidos a cada quinze segundos, visíveis a quase quarenta quilómetros.

Artesanato, gelado e petiscos

O regresso ao porto de abrigo faz-se cómoda e rapidamente no semirrígido da Mar Dourado, empresa que leva os turistas a ver golfinhos, baleias e os ilhéus da costa sul, mas as travessias marítimas na ilha nem sempre foram assim. Os chamados carreireiros – embarcações de madeira que asseguravam a travessia de pessoas e mercadorias entre o Funchal e Porto Santo até meados da década de 1970 – não eram seguros com o mar revolto e foram abandonados em favor de outros barcos mais modernos.

O casal porto-santense Vera Menezes e Francisco Velosa, dono de uma pequena gráfica no centro de Vila Baleira (capital de Porto Santo), inspirou-se no carreireiro e noutros ícones para criar uma coleção de postais, canecas e T-shirts e abriu a Loja do Profeta, com artesanato próprio e de outros artesãos convidados. O nome do espaço remete para uma das formas como são também conhecidos os porto-santeneses e para uma lenda do século XVI – um eremita, supostamente guiado pelo Espírito Santo, assustou a população religiosa, foi preso e enviado para Évora, ganhando o título de «O Profeta».

O projeto da loja nasceu sem qualquer mistério ou ciência: «Criámo-lo para colmatar a falta de artesanato local genuíno e que identificasse os porto-santenses e a própria ilha como um todo», explica a designer gráfica de 38 anos. Na coleção surgem o barco carreireiro, o burro, que até aos anos 1980 era um meio de tração animal comum na cidade, o tabaibo (figo-da-índia) ou o «Pau de Sabão», como localmente é referido o Padrão dos Descobrimentos de Porto Santo, e as Lambecas, os gelados mais populares da ilha. Para os provar, basta andar três minutos a pé até ao Largo do Pelourinho.

Lapas. Viajar a Porto Santo é descobrir a gastronomia do arquipélago. E elas não podem faltar.

Foi aí que João Reis abriu o quiosque de gelados, há 57 anos. O nome Lambecas foi atribuído espontaneamente por um cliente, e no princípio ele não gostou. Mas caiu nas boas graças da população e consagrou-se até no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa como um termo informal do verbo lamber. Afinal, a que se deve tanto sucesso? João Reis, de 81 anos e poucas palavras, é modesto e prefere destacar apenas a cremosidade dos seus gelados de máquina e a enorme paleta de sabores, mais de 27. Chocolate e banana, groselha e baunilha, laranja, limão, coco, nata, ananás, morango, maracujá ou canela estão entre as opções, em copo ou cone, mas como estas mudam a cada hora, a experiência é sempre imprevisível e origina longas filas, sobretudo ao final da tarde.

Quem quiser petiscar depois da praia encontra, a curta distância, o restaurante-bar Mercado Velho, opção certeira se forem para a mesa o bolo do caco com manteiga de alho, as lapas grelhadas e a poncha feita por Énio Costa com os ingredientes originais (aguardente de cana, sumo de limão, laranja e mel). Em noites animadas, quem tocar a sineta (que antes anunciava a chegada de peixe fresco) paga uma rodada, brinca o proprietário.

Praia que o vento fez

A praia de Porto Santo estende-se ao longo de nove quilómetros de areias finas e douradas e tem a água do mar azul-turquesa a 24 graus. Graças ao baixo relevo da ilha o que não lhe falta também é vento. Incómodo para uns, mais-valia para outros, certo é que o vento sempre foi uma das forças motrizes de Porto Santo, conforme testemunham os três moinhos do Miradouro da Portela, antigamente utilizados para fazer farinha exportada em navios para a América. Terão surgido pela primeira vez em 1794 e, uma vez recuperados, tornaram-se um dos cartões-postais da ilha.

A praia de Porto Santo estende-se ao longo de nove quilómetros de areias finas e douradas e tem a água do mar azul-turquesa a 24 graus.

Atraído pelas condições naturais e focado em combater a sazonalidade do turismo, João Palhas decidiu trocar as ondas de Portimão pelas da praia do Cabeço e abriu a On Water Academy. Já lá vão oito anos e não para um segundo, entre as aulas de stand up paddle, surf, kitesurf e windsurf e o pequeno bar onde serve imperiais ao fim do dia.

Foi graças ao vento que os nove quilómetros de praia se formaram na costa sul da ilha há 15 mil anos, com areias produzidas a partir de uma paleoduna de trinta mil anos no lado norte. Na Fonte da Areia, um geossítio na Camacha, encontram-se acumulações de arenitos, responsáveis pelas caraterísticas terapêuticas reconhecidas das suas areias, únicas no mundo, e que tornaram Porto Santo uma procurada estância de saúde a céu aberto.

No spa do Porto Santo Hotel & Spa o tratamento de areias quentes é levado a sério. Quem o faz deixa-se cobrir por areia quente – que sai de uma mangueira entre os 40 e os 42 graus – dentro de uma espécie de banheira, durante meia hora. O objetivo é que o ácido da transpiração do corpo dissolva as partículas da areia, permitindo que o cálcio, o magnésio e o estrôncio (anti-inflamatório natural) que a compõem penetrem na pele, tratando doenças de ossos e de pele. Estes benefícios estão validados por estudos das universidades de Oslo, nos EUA, e Aveiro.

A provar que o geoturismo é um trunfo da ilha está a guia Sofia Santos, da Lazermar. Além de passar pela Fonte da Areia e de ajudar a identificar organismos fossilizados, dá a conhecer o pico Ana Ferreira, formação rochosa a 285 metros de altura com colunas hexagonais formadas pela lava numa conduta vulcânica, há milhares de anos, e que só existe no Havai e em Marte. Dali vê- -se Vila Baleira, o ilhéu de Fora e os picos do Facho e do Castelo. E percebe-se como esta ilha tem ainda tanto por descobrir.


Guia de viagem

Ficar

Pestana Ilha Dourada
RUA PONTA DOS ZAMBUJEIROS, 207
Tel.: 218442001
Web: pestana.com
Quarto duplo desde 60 euros por noite (inclui pequeno-almoço).

Comer

Ponta da Calheta
Das 10h00 às 23h30. Não encerra.
Tel.: 291985322
Web: facebook.com/pontadacalheta
Preço médio: 25 euros

Mercado Velho
RUA JOÃO GONÇALVES ZARCO, 9 (VILA BALEIRA)
De segunda a quinta, das 09h00 às 00h00 (bar) e das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 22h00 (restaurante). Sexta e sábado, das 09h00 às 02h00. Encerra ao domingo.
Tel.: 291984205
Web: facebook.com/omercadovelho
Preço Médio: 15 euros (almoço)

Lambecas
RUA DR. NUNO SÃO TEIXEIRA (VILA BALEIRA)
Das 10h00 às 01h30. Não encerra.
Web: facebook.com/lambecas.doportosanto
Preço: 1,60 euros

Comprar

Loja do Profeta
RUA BRIGADEIRO COUCEIRO (VILA BALEIRA)
Das 10h00 às 13h00 e das 15h00 às 18h00; sábado só abre de manhã. Encerra ao domingo.
Tel.: 962770300
Web: facebook.com/lojadoprofeta

Fazer

On Water Academy
SÍTIO DA PONTA DO CABEÇO
Das 10h00 às 18h00.
Tel.: 964838535
Web: facebook.com/onwateracademy
Preço: 30 euros (aula SUP/2 horas; aula surf/01h30)

Mar Dourado
Tel.: 963970789
Web: facebook.com/mardourado
Visitas aos ilhéus: 35 euros (adultos) e 20 euros (crianças dos 4 aos 11 anos); observação de golfinhos: 45 euros (adultos) e 25 euros (crianças) – inclui degustação de produtos regionais.

Lazemar
Tel.: 963501488
Web: lazemar.com
Passeios pela ilha a partir de 20 euros (adulto) e 10 euros (crianças dos 6 aos 12 anos). Gratuito até aos 5 anos.

Porto Santo Hotel & Spa
CAMPO DE BAIXO
Tel.: 291980140
Web: hotelportosanto.com
Tratamento de areias a partir de 90 euros.

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.