Daniela Matinho nunca escondeu que queria viver fora do país e bastou-lhe fazer Erasmus em França para perceber que, tão cedo, não iria voltar. Ficou por Paris, viajou pela Europa e depois partiu para a América Latina e para a Austrália. Fixou-se neste ano em Chicago, numa viagem que ainda não sabe como vai acabar.
Texto de Bárbara Cruz
Desde os 15 anos que Daniela Matinho falava em viver fora. Foi precisamente com essa idade que fez o primeiro intercâmbio – passou uma semana na Grécia – e a ideia nunca mais a largou. Os pais nunca a incentivaram a viajar, mas também não a proibiam, e foi assim que a jovem natural de Pombal, hoje com 27 anos, começou a desbravar mundo.
A primeira grande viagem foi em 2010: estava no primeiro ano da faculdade, a tirar Ciências da Comunicação na Universidade de Lisboa, e decidiu passar um mês inteiro nos Estados Unidos para melhorar o inglês. «Naquele momento, percebi que a descoberta de outras culturas e o contacto com pessoas de todos os cantos do mundo era algo que realmente me fascinava», recorda. No ano seguinte, em 2011, fez as malas para passar quatro meses em Paris, ao abrigo do programa Erasmus. Tinha estado apenas um mês na capital francesa quando decidiu que não queria voltar para Portugal. Terminou o curso em França e dedicou-se à «saga de procurar trabalhou noutro país».
Foi bem-sucedida: arranjou emprego na área de marketing digital e fez uma pós-graduação em Digital Business, que lhe proporcionou estabilidade no mercado de trabalho. Se antes de se mudar para Paris tentava ao máximo explorar Portugal, viver na Cidade Luz abriu-lhe as portas da Europa. «Conheço quase todos os recantos de França e uns 20 países europeus. Era muito fácil viajar todos os fins de semana para locais diferentes», conta.
Viveu durante cinco anos em Paris, «cinco anos de muito crescimento», frisa. «Costumo dizer que viver fora faz-nos renascer. Temos de voltar a aprender tudo como se tivéssemos 10 anos, sem a ajuda dos nossos pais: aprender a língua, o código cultural, social, e no meio disso tudo ainda fazer amigos, conseguir trabalho, casa. Não é fácil», admite.
Despediu-se quando a vida que levava já não a desafiava. Aos 24 anos, tinha uma rotina monótona entre trabalho, casa e ginásio.
Working Holiday Visa, o visto que permite trabalhar e viajar na Austrália durante um ano.
Alguns anos antes, tinha feito um estágio numa organização de eventos internacionais e teve contacto com muitos latino-americanos. «A forma descontraída que têm de ver a vida fascinou-me.» Desde essa altura que tinha o bichinho de viajar pela América Latina e, depois de apresentar a demissão, teve a oportunidade perfeita: andou por lá oito meses, com uma sensação de liberdade que não esquece. «Fazia o que me ia na alma sem muitas questões nem preocupações. » Adora viajar sozinha, por isso relativiza os medos. «Há sempre, mas o segredo é não pensar neles e fazer as coisas.» Dá um exemplo contundente: «Tenho um medo desgraçado de animais, qualquer um. Ver baratas dá-me náuseas. Mas tudo se faz.»
No coração trouxe sobretudo dois países: a Argentina, por ser um país onde se imagina a viver um dia se a economia melhorar – «Buenos Aires é uma mistura de Madrid e Paris com as temperaturas da América Latina, a música e o ritmo do sul» –, e também a Bolívia, que lhe «conquistou os olhos». «É um dos países mais bonitos onde já estive e onde quero muito regressar.» Diz que foi uma viagem de descoberta, exterior mas também interior: ouviu-se mais, percebeu os limites e o que a faz realmente feliz. Já o regresso foi mais doloroso: custava-lhe a falta de compreensão dos outros, que lhe perguntavam constantemente o que iria fazer a seguir, quando ia arranjar trabalho, casa ou namorado. «Só quem viaja sem destino e por um longo período pode entender a sensação de liberdade que sentimos. Creio que o que mais me incomodava era perguntarem-me o que ia fazer a seguir quando eu própria não sabia», desabafa.
Resolveu o problema com nova viagem: antes de começar o périplo pela América Latina já sabia que tinha conseguido o Working Holiday Visa, o visto que permite trabalhar e viajar na Austrália durante um ano. Foi para lá que seguiu. Trabalhou numa universidade como analista de mercados e conseguiu viajar por toda a costa este do país e ainda ir à Indonésia. «Não viajei tanto como queria, mas mais oportunidades virão», reflete. Diz que um ano apenas para conhecer a cultura australiana não foi suficiente, mas sobre a Austrália destaca a qualidade de vida e as oportunidades de trabalho. «No entanto, é um país muito isolado do mundo.» Regressou à Europa depois de um acidente de moto em Bali, porque a recuperação levou mais tempo do que previra. Voltou a Paris, o porto seguro, conta.
Decidiu que 2019 seria um ano de mudança, entre as mudanças a que estava habituada. «É a adrenalina do desconhecido que me mantém viva.»
Decidiu que 2019 seria um ano de mudança, entre as mudanças a que estava habituada. Se antes trocara a rotina pela aventura, decidiu inverter a marcha e voltar a uma vida mais rotineira. Mas, mais uma vez, quis assentar num país que não conhecia. «É a adrenalina do desconhecido que me mantém viva», assegura. Porém, sentiu que o corpo e a conta bancária precisavam de um período de mais estabilidade. Em 2018 candidatou-se a várias universidades dos EUA e foi aceite num mestrado em Data Science na Universidade de Chicago. É lá que vive desde o passado mês de março.
Começar de novo, admite, nunca é fácil. «As temperaturas são baixas e Chicago não é a cidade mais segura do mundo», ironiza. Mas a integração não foi difícil: os colegas de todo o mundo que encontrou na faculdade dão uma ajuda preciosa. A parte pior é ir ao supermercado, porque é «praticamente impossível encontrar marcas europeias ou coisas que estava habituada a comer», lamenta. «Em França, adoramos comer e passamos horas à mesa, inclusive por questões de trabalho. Aqui não existe hora de almoço, trabalhamos e estudamos em frente ao computador.»
Daniela não sabe ainda o que o futuro lhe reserva. Por agora, é estudante e trabalha também na universidade para equilibrar as contas, dedicando o tempo que sobra a escrever um blogue de viagens. «Não gosto de dizer que Portugal está fora de questão, mas voltar seria também começar tudo do zero. Vivo fora há oito anos, nunca trabalhei em Portugal e os amigos que me restam são poucos», conclui.
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Viajante publicado na edição de maio de 2019 da revista Volta ao Mundo (número 295).