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Nasceu em Buenos Aires em 1972. Cresceu a ver a mãe a cozinhar, serviu às mesas do restaurante da família e aos 18 anos dedicou-se ao jornalismo. Durante sete anos, foi essa a sua vida, até partir para África num todo o terreno e começar a descobrir o mundo. Já esteve em 120 países, é estrela de televisão em Portugal, na Alemanha e na China e faz o que gosta: cozinha e comunica.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Ricardo Santos

Boa tarde, Chakall.
Boa tarde.

E viaja.
Não te esqueças dessa parte, que gosto imenso também.

De onde trouxe esse turbante, que já é a sua imagem de marca?
Este… em particular, acho que comprei na Turquia. Estou a pensar, foi em Istambul há dois ou três anos, no Grande Bazar. Estava lá a passear e vi uns turbantes bonitos. Este, em particular, é da Turquia.

Quantos tem?
Pfff… muitos, não sei. Trezentos ou 400, 500…

Para quem nos está a ouvir, este é um azul-turquesa.
Azul, a pensar no programa de rádio e nas pessoas que não vão conseguir ver, mas que imaginam.

No mercado, no Bazar de Istambul, há muito mais do que turbantes. Os mercados são aqueles locais que gosta de visitar?
Gosto imenso, particularmente o Grande Bazar de Istambul, que tem várias partes. A maior parte das pessoas vão ao Grande Bazar em si, mas tens um bazar específico de comida cá fora. Este ano estive a trabalhar no Suisse Hotel e tenho uns amigos chef lá e levaram-me a passear por lugares que ainda não tinha conhecido na Turquia. Descobri restaurantes e espaços fantásticos. Acho que gosto de ir onde há pessoas e obviamente um bazar é onde tens muitas pessoas.

Além de turbantes, o que é que costuma trazer consigo dessas viagens?
Cuecas. (risos) Não. Costumo trazer… antigamente trazia muita comida, especiarias, muitas. Quando fiz a viagem a África, cheguei com duas caixas gigantes de especiarias. Lembro-me de estar na fronteira com a Hungria, e primeiro na Turquia também, e estarem a abrir as coisas para ver se trazia droga. Eu dizia que eram cominhos e olhavam para mim a pensar que os estava a enganar. Depois percebiam que era comida. Hoje em dia podes comprar quase tudo em qualquer lugar, portanto, trazer óleos ou coisas específicas é mais esquisito.

E não compensa o risco, se calhar. São só chatices.
E hoje, sinceramente, já não compro nada. Sou o pior viajante, não tenho interesse em comprar coisas. Sabes o que compro sempre? Agora lembrei-me de uma coisa: ímanes para o frigorífico, que coleciono com a minha esposa. Então temos ímanes do mundo inteiro. De cada vez que fazemos uma viagem juntos, compramos um íman.

Mas já visitou mais de 120 países. O frigorífico já não deve ter muito espaço.
Isso foi, estamos a falar… eu estou casado há cinco, seis anos, por isso não visitei 120 países nos últimos cinco, seis anos. Se calhar estive em 20 ou 30, não sei. Antigamente, como jornalista e sem ter filhos… quando tens filhos mudas. Muitas vezes tens tempo livre, mas o tempo livre é para os filhos. Imagina: tenho uma semana livre. Posso escolher estar com os meus filhos ou ir de férias uma semana. Normalmente escolho estar com os meus filhos.

Nessa viagem que fez por África, em todo o terreno, foi aí que esteve no Sudão e ficou com marcas positivas desse país?
É verdade. É o país mais bonito de África, para mim. As pessoas são fantásticas. Curiosamente, na semana passada, estive com uns senhores das Nações Unidas, como não tenho muitas pessoas com quem falar do Sudão, poucas pessoas conhecem o Sudão. De facto, quando lá estive não vi turistas, não vês brancos, nunca.

Estamos a falar de que ano?
1999/2000. Sem turistas encontravas expedições de paleontologia no meio do deserto, uma vez encontrámos três alemães, que estavam a trabalhar, mas turismo, zero. Toda a gente perguntava: «mas você vai de turista ao Sudão?» Mas tínhamos que atravessar, vínhamos da Etiópia, em direção ao Egito, portanto era obrigatório passar pelo Sudão. E estava com estes senhores das Nações Unidas e eles tinham estado lá seis meses a trabalhar num projeto no Mar Vermelho, no deserto do Mar Vermelho, e dizia que era o país favorito dele. Estava com a sua esposa e eu: «também para mim». E eu explicava como eram as pessoas e ele dizia à mulher: «Tás a ver, ’tás a ver que não sou maluco e que realmente as pessoas são diferentes?» E são realmente diferentes. Sudão é um diamante. Sempre digo que é o lugar privado mais público do mundo. Estás num lugar, olhas – estamos a falar de desertos a sério, não de desertos de chegar aí à entrada de Marrocos e isso. Desertos quando sabes que, três horas para qualquer lado e não há nada, não há casas. Ou cinco horas, ou dez horas – e a paisagem no deserto muda muito. É o meu espaço favorito. Não sei se iam fazer esta pergunta, mas vou dizer: o deserto é o meu espaço favorito no mundo.

Para uma pessoa que comunica tanto, gosta desse isolamento?
Sou Gémeos, gosto de comunicar, gosto muito de estar com pessoas, mas também gosto de estar sozinho. E estou muito bem sozinho, nunca na minha vida fiquei aborrecido. As pessoas dizem: «Ah, está aborrecido?» Como é que vou estar aborrecido? Tenho o mundo no meu cérebro, que viaja, que vê coisas, que pensa coisas e o deserto é isso, acho que é maravilhoso.

Em África também destaca a Etiópia e Marrocos, que já referiu. África ainda é um continente por descobrir?
Acho que é um mundo, um mundo por descobrir. Cada país tem os seus cantinhos, cada país tem os seus segredos. Não podemos ir com olhos de chegar e ver museus. E isso é interessante, mas basicamente não vejo muitos museus, cada vez menos. Quando era mais jovem ia muito a museus e fazia os passeios turísticos, mas hoje em dia não me interessa absolutamente nada. Interessa-me comer bem, mas comer bem não significa ir a um restaurante Michelin, encontrar o lugar onde vão as pessoas de lá. E é difícil porque, geralmente, quando estão as guias já é tarde. É preciso descobrir, falar com as pessoas e tentar perceber. Acho que a comida e com os restaurantes é a mesma coisa. As pessoas têm uma expetativa, um poder económico, há muitas coisas que são variáveis, digamos.

E a Índia? É daqueles países que se ama e que se odeia, ao mesmo tempo, no mesmo dia?
Eu amo a Índia. A Índia mudou a minha vida, foi a minha primeira grande viagem. A primeira em que tive um choque térmico foi Marrocos, tinha 20 anos, por aí. Mas a segunda viagem que, realmente, deu… eh pá! Há outro mundo além do nosso mundo, foi a Índia, no ano de 1993, tinha 21 anos e a vida muito endireitada. Tinha namorada, estava muito encaminhado para casar, estava a acabar o curso de Jornalismo, estava a trabalhar em simultâneo no jornal e fui à Índia para três semanas de férias. Fiquei três meses. Foi uma coisa inacreditável. Na minha cabeça, era um miúdo sul-americano que tinha viajado para a Europa, aos Estados Unidos e, de repente, ver um mundo… não tem a ver com a pobreza, porque as pessoas falam sempre da pobreza na Índia. Na Argentina há pobreza, no mundo inteiro há pobreza, no Brasil há pobreza, em Portugal há pobreza. É uma pobreza diferente, obviamente, mas não foi a pobreza que me impressionou, porque cresci com pobreza, a ver gente pobre e tudo, mas foi a cultura. Como conseguem? São como formigas às vezes, e como conseguem conviver todas estas pessoas sem se bater todos os dias. E na altura foi um grande choque.

É um país que nos ensina a relativizar os nossos problemas?
Pff… Completamente! Esse ou África. Sempre digo que, depois de África, tudo é pequenino. Quando estás duas vezes com uma Kalashnikov encostada ao pescoço, o negócio, o dinheiro, as coisas pequeninas fica tudo relativo, realmente relativo.

E Portugal, ainda se lembra do primeiro impacto que teve quando chegou?
O primeiro impacto, eu diria que não foi o melhor. Eu escrevi sobre o primeiro dia em
Portugal. Estava a aterrar em Portugal em 97, antes da Expo, portanto a cidade estava
destruída, em obras completas e lembro-me que tive o feeling que estava a chegar a
Guayaquil [Equador], que não tem nada a ver, é tropical e tudo, mas a ideia que tive é que era Guayaquil, assim um pouco, tudo, pobre, a saída do aeroporto… Vinha de Buenos Aires e perguntava: «para onde venho?» Não vinha viver, vinha organizar a minha viagem a África. Depois atravessámos toda a zona da Expo, o primeiro taxista enganou-me, a segunda pessoa tratou-me mal, mas a terceira foi fantástica. E fiquei com a terceira.

À terceira é de vez.
À terceira é de vez e são meus amigos até hoje, fiquei na casa deles. Tinha saído de um país, tinha 70 quilos de malas para viajar e eles abriram-me as portas. Ia de viagem para o norte da Europa e eles disseram que podia deixar as coisas ali e aqui estou ainda.

Já tem mais anos de Portugal do que de Argentina?
Ainda não. Estamos em… 98, temos que contar até hoje, são 21 anos. E da Argentina fui embora com 26.

Está quase…
Está quase, num instante estamos lá.

E regressa?
Pouco, cada vez menos. Não tenho muito tempo, lamentavelmente. Viajo muito, trabalho muito em viagem. Cheguei na sexta, estive oito dias em São Tomé e Príncipe, e estou sempre nos aviões, mas quando regresso a casa é a Portugal, já há muito tempo.

Era isso que lhe ia perguntar: muita gente fala dos regressos. É aqui?
Portugal. É o bacalhau, é tudo o que é português. Sou «portuga» de coração, não «tuga» de interesse. Adoro viver aqui.

Que viagem lhe falta fazer?
Sabes que descobri na semana passada a viagem que me falta fazer? Não sabia que se podia ir de viagem à Antártida e descobri que há uma empresa. Estive a trabalhar em São Tomé e um dos clientes que tinha lá organiza viagens à Antártida. E eu digo: «Percebi mal, à Antártida?» Sim, vamos de Cape Town em jato privado, um dia ou oito dias, e explicaram-me que tem restaurante, hotel e fiquei maravilhado. E disse que era ali que quero ir, só que a viagem é um bocadinho cara. Custa 94 mil dólares, dez dias.

Um bocadinho…
Sim. Nem que seja de barco vou lá.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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