Das nove às cinco é agente de viagens, nas horas vagas é escritor e viajante profissional. Mas as viagens que lhe dão mais gozo, admite, são as que faz sozinho, de mochila às costas.
Texto de Bárbara Cruz
O toque da chamada prolonga-se, mas ninguém atende. Até que, de repente, uma voz ao fundo. «Estou em Marraquexe», diz António Barroso Cruz. Combina-se uma conversa para o regresso, na semana seguinte. Entre viagens. Depois, há de ir para Espanha. Mas agora, comenta, «precisava mesmo de ir a Marraquexe». A razão? «Fui para voltar a sentir o que tinha sentido há nove anos, quando lá estive pela primeira vez. Na altura, a liberdade não tinha sido grande.» Apesar de fugir à repetição de destinos, confessa, por vezes é preciso voltar, por gosto ou por necessidade de atualização. Afinal, trabalha na área do turismo e há questões que só podem ser resolvidas com uma ou duas deslocações. Não lhe custa, garante. «Sou viciado em viajar». E conta como tudo começou.
Nasceu em Lisboa, em 1962, mas já há cerca de 15 anos que vive na Madeira, onde o dia tem mais horas. «Tem um ambiente turístico, faz-me sentir em férias. É o meu porto seguro após mais uma viagem.» Licenciou-se em Turismo e, explica, «90 por cento da minha ocupação tem sido o turismo nas suas várias vertentes». Começou a trabalhar em agências de viagens a partir de 1996 ou 1997 «Estava na altura em Lisboa, numa empresa em que tinha de acompanhar grupos. Foi aí que o bichinho das viagens acordou de forma agressiva.»
Hoje, viaja de todas as maneiras possíveis, garante a rir. Vai acompanhar grupos, fazer contactos, vender produtos. Vai com a família, com amigos, para destinos que já conhece ou que quer muito conhecer. Mas as viagens que lhe dão mais gozo, admite, são as que faz sozinho, de mochila às costas. Ir para o estrangeiro sem companhia não era novidade e já o fazia há muito, em contexto profissional. Mas deixar o ambiente controlado dos resorts e dos hotéis para adotar uma postura mais livre é uma fase mais recente. «Dura há cerca de uma década.»
As viagens que lhe dão mais gozo são as de mochila às costas.
A primeira vez que partiu sozinho foi para ir à ilha do Príncipe, em São Tomé. «Tinha um projeto que se encaixava com outra das minhas atividades, a escrita. Fui desafiado para ir à ilha apresentar livros infantis e andei por lá em aventura durante dez dias.» A estreia bastou-lhe para perceber que a necessidade de lidar com o improviso, que vem tantas vezes associada à viagem, o fazia amadurecer, crescer como pessoa. Desde então, desabafa, «trabalho para viajar». A escrita, que tanto prazer lhe dá – já tem 25 livros publicados, dos quais cinco são dedicados às viagens –, não chega para ser meio de subsistência, lamenta, por isso vai trabalhando a planear as viagens dos outros como forma de garantir as suas.
Quando tem liberdade de movimentos, gosta de sair dos roteiros comerciais. Fazendo as contas, já passou por mais de 70 países. Entre os mais «exóticos e extraordinários» conta Irão, Birmânia, Senegal, Usbequistão, Nicarágua, Colômbia, Chile…, a lista é infindável. «São tantos!», admira-se. Se tivesse de fazer um top 3, o de Embarque e o Escapadinhas, em 2007 e 2008. «Ambos podem considerar-se pioneiros neste género em Portugal», realça.
O Peru é o sonho de viagem mais antigo, que tem ficado adiado nos últimos trinta anos. Vai ser cumprido, se tudo correr como previsto, já em dezembro de 2015, tal como a Bolívia. Vai fazer ambos de mochila às costas. Já esteve no Oriente – e até escreve haiku, mesmo que tenha começado a dedicar-se a esta forma de poesia nipónica depois de já ter estado no Japão – e anda à procura de companhia para visitar a Etiópia. «É um país lindíssimo e muito interessante do ponto de vista cultural, mas sozinho não me sinto seguro.» Porém, garante, não há de ficar com a viagem por fazer se não tiver ninguém para levar consigo.
António fez programas de viagens para a TV – RTP Madeira e Internacional.
Durante as viagens, além da escrita, também gosta de ir fotografando, mas sem qualquer pretensão de profissionalismo, assinala. «Gosto de retratos.» Mas há uma particularidade nos rostos que vai captando com a sua lente: nenhum deles é europeu. «Somos todos humanos, mas há formas de estar diferentes.» E nos olhares dos povos africanos, do Oriente e da América do Sul, garante, há mais vivências, mais histórias e uma profundidade sincera que não encontra ao olhar nos olhos dos naturais do velho continente: a Europa.
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Artigo publicado na edição de novembro de 2015 da revista Volta ao Mundo (número 253).