Texto de Helena Tecedeiro

Os canadianos costumam dizer que só têm duas estações: o inverno e as obras. E são estas últimas que enchem as ruas de Toronto quando a temperatura sobe. Chegada ao final da noite no voo da TAP que desde junho voltou a ligar Lisboa à maior cidade canadiana, o primeiro dia em Toronto só podia começar num sítio: entre os arranha‑céus do Distrito Financeiro. É ali que se tomam as grandes decisões económicas, numa zona da cidade a fazer lembrar Nova Iorque, mas com uma dimensão mais humana.

A ajudar ao caos no trânsito, apesar de ser domingo de manhã, várias ruas estão cortadas por causa de uma corrida solidária – uma das muitas que neste ano assinalam o 150º aniversário do Canadá. Esta termina na Praça Nathan Phillips, onde o moderno edifício da câmara municipal se destaca com o seu «olho» – a parte circular onde fica o gabinete de Ana Bailão. O nome não engana, a vereadora responsável pela Habitação nasceu em Portugal, mais precisamente em Vila Franca de Xira, mas só «porque Alenquer não tinha hospital».

Sentada à secretária, Ana recorda a chegada ao Canadá, com 15 anos, e a adaptação a uma cidade e a amigos novos. Até a uma língua nova, uma vez que não falava inglês. A política chegou por acaso, quando andava na universidade, mas desde muito cedo se envolveu nas atividades da comunidade. Depois de uma derrota em 2003, quando tinha apenas 27 anos (e 12 de Canadá), e de uma passagem pela banca, em 2010 Ana foi eleita vereadora e reeleita quatro anos depois. Hoje não esconde o quanto gosta de representar uma cidade em que «mais de metade da população não nasceu no Canadá».

Esta diversidade pode ver‑se nas ruas por entre a azáfama de segunda‑feira. A começar pela praça onde fica a câmara e onde os turistas vão tirando fotos com as letras gigantes de Toronto ou selfies com o espelho de água. Ali ouve‑se uma verdadeira babel de línguas: inglês, claro, mas também espanhol, italiano, português, hindi, árabe, chinês e muitas outras, mais difíceis de identificar. Francês, esse, língua oficial a par do inglês e dominante em partes do Canadá como o Quebeque, é que raramente se ouve.

Para conhecer a cidade, nada melhor do que a experiência de Javier Martinez Gonzalez. É num português espanholado que vai mostrando as zonas de maior interesse – do desfile de bancos do Distrito Financeiro ao edifício em forma de caiaque da Ontario Gallery of Art, obra do arquiteto Frank Gehry, nascido e criado em Toronto. Da Casa Loma, um castelo mandado construir por um milionário e agora transformado em museu, à CN Tower, uma referência no skyline da cidade. E o sítio ideal para um jantar que traz com ele a experiência de ver a cidade a 360 graus. Dali tem‑se uma vista privilegiada sobre o lago Ontário, com os seus 19 mil quilómetros quadrados de água a lembrar‑nos que o Canadá tem vinte por cento das reservas de água doce do planeta. Num dia de sol e calor, as famílias aproveitam para ir até às ilhas fazer piqueniques. Nas margens são vários os barcos ancorados. Mas também há quem escolha as ilhas para viver, sendo estas servidas pelo ferry que todos os dias traz os habitantes até terra.

O Canadá pode estar a celebrar um século e meio mas «a história da ocupação territorial europeia na região tem mais uns mil anos», como explica Henry Vivian Nelles. O historiador e autor de A Little History of Canada recorda «as viagens dos vikings e mais tarde as expedições dos portugueses e espanhóis para a pesca e a caça à baleia».

Foi João Fernandes Lavrador o primeiro português a chegar à costa do atual Canadá em 1499‑1500, dando nome à região. Um ano depois chegaram os irmãos Gaspar e Miguel Corte‑Real, tendo ambos desaparecido naquela terra. Para Nelles, o Canadá é «uma história de transição e negociação». Rejeitando definir o país como um «mosaico de culturas» por oposição ao melting pot americano, admite: «Não conheço uma metáfora adequada para um país onde as minorias se tornaram a maioria.»

Chinatown, Little Korea, Greektown ou Little Portugal, basta caminhar pelas ruas para perceber a diversidade de Toronto.

Basta caminhar pelas ruas de Toronto para perceber que Nelles tem razão. Asiáticos de fato e gravata, sikhs de turbante, negros com rastas ou famílias a passear com os bebés loirinhos passam por nós, cruzando‑se com lojas de nomes vindos eles próprios de todo o mundo. Como a Timbuk2, que vende malas e acessórios. Junto ao velho edifício da câmara municipal, o senhor Lu e a senhora Cooper estão parados ao lado do expositor com material sobre as Testemunhas de Jeová. Ela, assistente social, nasceu aqui, filha de jamaicanos chegados há 35 anos, e garante que este «é um bom sítio para se viver». Já ele, chapéu de palha na cabeça para se proteger de um calor raro por estas bandas, chegou há 41 anos, vindo de Taiwan. «Senti‑me bem-vindo», afirma, antes de explicar que hoje «é cada vez mais difícil criar uma família neste país», sobretudo por causa do preço das casas.

Quem olha para o mapa desta cidade com quase três milhões de habitantes fica logo com uma ideia da diversidade que a compõe: Little Italy, Greektown, Little Korea, Chinatown ou Little Portugal são os nomes de alguns dos bairros. Percorrer as ruas deste último, numa terça‑feira ao fim da manhã, ao longo da Dundas Street, entre a Avenida Lansdowne e a Bathurst Street, é como entrar numa qualquer aldeia do Norte de Portugal… ou dos Açores, se tivermos em conta o sotaque dominante.

As montras dão conta do consultório de Mário F. Santos, «médico dos olhos», a sardinha anuncia‑se a 2,98 dólares canadianos e na Papelaria Portugal há pratos de Benfica, Porto e Sporting. Atualmente, a comunidade já não é o que era quando começou a imigração em massa, em 1953, com a chegada do navio Saturnia. Na altura havia «um acordo entre o governo de Lisboa e o de Otava», com os canadianos a pedirem trabalhadores, como explica Gilberto Fernandes. Na Galeria dos Pioneiros Portugueses podem encontrar‑se muitos objetos que testemunham essa história. É esse o cenário para a conversa com o investigador que há 14 anos trocou Portugal pelo Canadá. Uma terra que, diz, por vezes ainda tem uma «mentalidade de país pequeno», apesar de ser o segundo maior do mundo. Ainda se espanta de ver um canadiano fazer sucesso em Hollywood, mesmo tendo estrelas como Ryan Gosling, James Cameron ou Michael J. Fox.

As praias bordejam o lago Ontário ‑ com os seus 19 mil quilómetros quadrados. O Canadá tem vinte por cento das reservas mundiaos de água doce.

Falar de Canadá hoje é impensável sem falar de Justin Trudeau. O primeiro‑ministro filho de outro primeiro‑ministro – Pierro Trudeau, que dirigiu o país entre 1968 e 1984, com uma breve interrupção – chegou ao poder em 2015 e conseguiu pôr o Canadá nas bocas do mundo. Seja pelo acolhimento aos refugiados, pela preocupação em sarar as feridas com os povos indígenas, quando se junta às paradas gay, celebra o Hannukah com os judeus ou o final do Ramadão com os muçulmanos ou simplesmente quando põe uma fotografia no Facebook numa visita aos bombeiros ou a fazer ioga no gabinete. Com a sua tatuagem, uma mulher fotogénica e três filhos pequenos, o jovem e atraente chefe do governo tornou‑se símbolo da modernidade, sobretudo em oposição ao presidente do vizinho do Sul, Donald Trump.

Em Toronto essa ideia de modernidade dá mote a um passeio pelos grafitti que nos últimos anos encheram a cidade. Eli Bordman é o guia a ter. Ele próprio nunca grafitou, mas quando se andou numa escola pública de Toronto tem‑se amigos que o fazem. E é assim que nos vai guiando pelas «obras-primas» (o tipo mais elaborado de graffito. O tag é o mais básico) de Elixer – identificáveis pelos grandes olhos das personagens –, ou de UBER 5000 – cujos passarinhos amarelos nasceram antes dos Angry Birds.

Lembrando que, se a tradição de desenhar nas paredes vem dos tempos pré‑históricos, foi nos anos 1970 que o graffito moderno nasceu, entre Filadélfia e Nova Iorque, Eli explica que em Toronto esta arte colocou os graffiters em guerra com Rob Ford, o antigo mayor da cidade, conhecido pelos problemas com as drogas e que morreu em 2016. Na altura havia muitos graffiti inspirados no político, depois da sua morte foram todos apagados. A exceção é o peixe com a cara de Ford numa obra de UBER 5000 na Graffiti Alley, ruela numa das zonas mais na moda, cujas paredes exibem os trabalhos dos melhores graffiters de Toronto.

Nas cataratas do Niagara a primeira ideia é de estar num parque de diversões. Depois, a força da água torna‑se impressionante.

Claro que ir a Toronto e não visitar as cataratas do Niagara é um pouco como ir a Roma e não ver o papa. Por isso as últimas horas na cidade, antes de apanhar o avião de volta para Lisboa, são reservadas a esta maravilha da natureza, situada apenas a uma hora e meia de viagem, ali junto à fronteira com os Estados Unidos. E se a primeira impressão é de estar a entrar num parque de diversões, com a roda gigante e os outdoors coloridos, à medida que nos aproximamos, a força da água torna‑se espantosa. E o vapor que liberta consegue tornar o melhor dia de verão num dia de chuvada.

Lá em baixo, os turistas de capas vermelhas e azuis entram nos barcos que os vão levar quase até à queda de água. É daí que vêm Muriel e Pierre. O casal é de Montreal e veio de propósito para visitar as cataratas. Ainda a tirar as capas de plástico, garantem que a experiência foi «fantástica». E à pergunta sobre a aparente falta no dia‑a‑dia do bilinguismo que os documentos oficiais exibem, explicam: «Aqui poucos falam francês, no Quebeque é ao contrário! Mas somos todos canadianos.»


Guia de viagem

Documentos: passaporte. É necessário registo no Sistema de Electronic Travel Authorization (ETA).
Moeda: dólar canadiano
Fuso horário: GMT -5
Idioma: inglês/francês

Ir
Desde junho, a TAP tem voos diretos de Lisboa para Toronto, cinco dias por semana, a partir de 948 euros por pessoa ida e volta.

Ficar
Chelsea Hotel
É o maior hotel do Canadá, com 1590 quartos e 26 andares. Abriu como hotel em 1975. Tem vários restaurantes, spa, uma zona para crianças e piscina interior.
33 Gerrard ST.
TEL.: +1 4165951975
Quarto duplo a partir de 158 euros por noite.
CHELSEATORONTO.COM

Drake Hotel
Só tem 19 quartos, mas cada um é uma obra de arte. A decoração está sempre a mudar, mas a parede de tecnologia obsoleta é uma das que mais sucesso têm. Oferece ainda uma experiência culinária com os pratos do chef Ted Corrado. Se preferir pode degustar um cocktail no rooftop Sky Yard.
1150 Queen Street West
TEL.: +1 4165315042
Quarto duplo a partir de 262 euros por noite.
THEDRAKEHOTEL.CA

Comer
360 Restaurant
Situado a 350 m de altura, o restaurante da CN Tower tem a melhor vista de Toronto. A 360º. Os pratos são de cozinha canadiana, tal como os vinhos. Aberto todos os dias.
301 Front ST.
TEL.: +1 4168686937
Preço médio: 40 euros por pessoa

Leña
Aberto desde 2016, o Leña é uma homenagem do chef Anthony Walsh à sua sogra argentina. Os pratos contam com o toque português da chef executiva luso-canadiana, Julie Marteleira.
Aberto todos os dias.
176 Yonge Street
TEL.: +1 4165073378
Preço médio: 50 euros
LENARESTAURANTE.COM

Ver
Art Gallery of Ontario
Além de obras de Rubens, Bernini, Van Gogh ou Henri Moore, uma das maiores atrações do museu é a ala construída em 2004 por Frank Gehry, bem como a escadaria em espiral do mesmo arquiteto.
Aberto de segunda e terça das 10h30 às 17h00, sábado e domingo até às 17h30, quarta e sexta até às 21h00.
Entrada: 13,50 euros
AGO.CA

Graffiti Alley
Toronto tem muitos graffiti, mas a Graffiti Alley é o expoente máximo desta street art. A Tour Guys é uma das empresas que organizam visitas ao local.
TOURGUYS.CA

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