Mergulhos no Mediterrâneo e tardes de piscina. Em Saïdia, na fronteira de Marrocos com a Argélia, estão reunidos os ingredientes mais simples das férias e os mais eficazes para repor baterias. A hora e meia de viagem, sem arruinar o orçamento familiar e com Fez no horizonte.

Texto de Marlene Rendeiro
Fotografias de Gerardo Santos/Global Imagens

O que faz de um destino uma escolha de verão? As viagens longas de carro, a mochila às costas, a tenda pronta a armar e a correria de mapa na mão, para alguns. Para outros, já chega o corre‑corre do ano inteiro e corrida, só da toalha para a piscina. Força‑se o corpo a descansar, abranda‑se a maratona da vida para passar uma semana entre banhos de mar, de sol e de areal, a combustível de comida simples. Assim é Saïdia, a estância balnear mais a nordeste de Marrocos.

Tem séculos de história, mas só há uma década foi descoberto o seu potencial turístico. Os atrativos já lá estavam: um areal que se estende ao longo de 14 quilómetros da costa mediterrânea, espaço para receber hotéis, piscinas, um clube de golfe e uma marina. Se Chefchaouen, também a norte, já tinha estatuto de cidade azul pelos edifícios tingidos, Saïdia foi conquistando, na última década, o título de pérola azul de Marrocos.

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Para lá ir, é preciso voar para Oujda, principal cidade da região de L’Oriental, e fazer 45 minutos de estrada até ao Mediterrâneo. À chegada, já aguarda Che, o guia marroquino que nos acompanha na viagem até ao hotel. Todos o conhecem pela boina, que nunca larga, com a estrela de cinco pontas a fazer lembrar Che Guevara. O seu nome verdadeiro é Saad‑Toubi e foi em Tânger que nasceu há 60 anos, dos quais mais de metade foram passados como guia turístico. Bem‑disposto e enérgico, muda de árabe para inglês e de inglês para espanhol com facilidade, pelo que não estranhamos quando, mais tarde, em Fez, nos dizem ser um dos melhores guias de Marrocos.

Segue‑se uma viagem de 45 minutos até ao hotel Be Live Collection Saïdia, com a presença constante de uma montanha, à direita, que rapidamente Che identifica como sendo a Argélia. As fronteiras entre os dois países estão fechadas há mais de 20 anos, após um ataque em Marraquexe atribuído aos serviços secretos argelinos. Viagens para a terra vizinha, só mesmo com escala noutro destino. Mas há quem passe o arame farpado para trazer, ilegalmente, a barata gasolina argelina para Marrocos.

Saidia faz parte da província de Berkane, na região oriental de Marrocos, e tem cerca de quatro mil habitantes. É estância balnear desde o início do século XX.

Dez euros são suficientes para comprar cinquenta litros. E se os números impressionam, também a quantidade de contrabandistas que transformam a beira da estrada numa banca improvisada com garrafões de combustível, munidos de chapéu-de-sol para aguentar o calor.

Minutos depois, a paisagem muda. As casas ficam para trás. E surgem os campos. Laranjeiras, oliveiras, batata, trigo, ocupam o verde, num país em que 70% da população vive da terra. São mais de 38 milhões de habitantes, com uma grande fatia a ser ocupada pelos jovens.

Quase a chegar, há um caminho de terra batida que sobe em ziguezague pela montanha acima, como se de uma cobra se tratasse. Aí está o fim da fronteira com a Argélia, sinal da aproximação a Saïdia. Che aponta para as casas junto à rede de arame farpado, que separa ali tão perto os dois países. De um lado, as casas vermelhas, da cor da bandeira de Marrocos, ocupadas pelos militares marroquinos que controlam a fronteira; do outro, os edifícios pintados com o branco da Argélia, que ficam para trás numa curva em direção ao azul do Mediterrâneo.

Anúncios de casas de férias, por estrear, à venda por 500 mil dirhams (cerca de 50 mil euros) e um parque aquático pronto a ser terminado. A pérola do L’Oriental foi criada para ser destino de verão e as construções de imóveis não param. À beira‑mar, desfilam os hotéis com regime tudo‑incluído, que inauguravam no início da última década. O Be Live é um deles. Moderno, não pode ser comparado ao tradicional riad de uma medina, mas ainda assim exibe ligeiros apontamentos de arquitetura marroquina, como as fontes e os pátios interiores. Não lhe falta nada: tem ginásio, clube infantil, um snackbar, aberto o dia todo, à beira de uma das quatro piscinas e animação de manhã à noite. Sempre em regime tudo‑incluído, das refeições aos transfers e à dormida numa das 488 suites, com vista para a piscina ou para a praia privativa. Em junho, o areal está calmo, apenas com passeios de dromedário, e ainda não se sente o movimento gerado pelos turistas e pelos emigrantes marroquinos, que aguardam o fim do Ramadão para começar as férias.

Em agosto, bebe-se com frequência chá verde com hortelã‑menta, a bebida mais democrática de Marrocos, servida em pequenos frascos de vidro à entrada do Be Live. Faça sol ou chuva, quer‑se sempre quente e doce. O hotel tem um bar só para esse efeito, onde nos explicam que é na forma de colocar o bule que se vê a qualidade do chá. «Quanto mais alto for servido, mais espuma faz, sinal de uma boa bebida», explica Youssef Hajjaji. Tem 27 anos e veste o jabador, o traje marroquino reservado para os dias de festa e ocasiões especiais. Tal como nos últimos verões, muda‑se temporariamente para a cidade até outubro, altura em que o hotel encerra e Youssef regressa a Ifrane, no montanhoso Atlas. «É conhecida como a Suíça de Marrocos», conta, numa mistura entre português e espanhol.

Boa parte dos funcionários fala outra língua além do árabe e, ainda que a música seja muitas vezes latina e os turistas europeus, sente‑se a alma marroquina nas noites gastronómicas do hotel, à sexta‑feira. O restaurante buffet do hotel desfaz‑se em atenções com tagines de borrego, de legumes e de frango, cozinhados a fogo lento, durante horas, na panela de barro com a tampa cónica que dá nome ao prato. A mesa das sobremesas enche‑se com os tradicionais doces, com amendoim e muito mel, enquanto grupos de Oujda executam a reggada, a tradicional dança dos guerreiros das tribos.

Dos três restaurantes do hotel, o Ksar Asni é o único onde se pode ter a experiência marroquina diariamente. A partilha está inerente às refeições e todos se servem do pão achatado com sementes, das entradas de beringela, abóbora com mel e amêndoas, lentilhas, cenoura, alperces, pimentos e batatas assadas. Dividem‑se os tagines e a pastilla, um folhado de massa fina com amêndoas e especiarias, preparado pelo chef executivo, Younssi Mohamed, de 36 anos, há cinco anos no grupo Be Live e antigo responsável pelas refeições do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang. Vive a sete quilómetros do Be Live, no centro da cidade, que tem um mercado aos fins de semana e cabarets pela noite dentro, frequentados por marroquinos e alguns argelinos, que passam a fronteira.

Os sete dias em Saïdia cumprem a promessa de descanso, mas também são suficientes para conhecer um pouco do que há em redor. Partindo pelo paredão a pé, no sentido oposto ao centro da cidade, chega‑se em 15 minutos à marina, onde se encontram vários restaurantes e o Club Nautique, aberto todos os dias. As atividades são náuticas, claro, mas suficientemente diversas para agradar a todos. Ora sai um passeio calmo no catamarã pela costa de Marrocos, ora se voa no parasailing (50 euros por pessoa) ou se conduz uma moto de água, a 100 euros por hora. O mesmo valor pode ser dividido por oito pessoas, que queiram uma viagem a grande velocidade pelo Mediterrâneo, num barco a motor, com condutor a bordo.

Continuando a percorrer a costa para oeste de Saïdia, chega‑se a uma nova área protegida, onde está a ser construído um centro de observação de aves. O melhor é acordar cedo para ver espécies como o flamengo rosa ou a gaivota prateada, num passeio livre pelo passadiço de madeira que atravessa a zona de charcos. Ou em alternativa, percorrer o trilho pedestre de meia hora até à foz do rio Mouloya.

Para ir mais longe, vale a pena consultar as excursões que partem do Be Live Saïdia até ao vale de Zegzel. O autocarro passa pela cidade de Berkane, conhecida pelo seu símbolo, as laranjas, se bem que aqui se produza também uma marca dos holandeses queijos gouda. Os táxis são alaranjados, os autocarros também e até alguns edifícios se pintam dessa cor, que contrasta com o branco das cegonhas nos minaretes, animal protegido em Berkane.

Aos pés da cidade, está a montanhosa Beni Snassen, onde as laranjeiras dão lugar às nespereiras e às figueiras, que pintam o vale de cor. É subindo pelas estradas do Zegzel que se encontra a Gruta do Camelo, cujo topo apresenta semelhanças com a cabeça de um dromedário. Esteve fechada 30 anos, por questões de discordância entre várias entidades, e reabriu há alguns anos. O bilhete de entrada há de custar oficialmente dois euros, mas já é possível ir visitando a gruta, guardada por Hamdaoui, que abre as pesadas portas.

No interior, há uma escadaria nova, que penetra até ao interior da gruta, bem como iluminação cuidada e um circuito próprio para espeleologistas. Cada câmara desemboca numa maior e, por isso, fala‑se de concertos e de espetáculos que ali podem decorrer. Por enquanto, só visitas. E almoços na casa de família do guardião da gruta.

Mora a alguns minutos a pé da gruta, na Villaya Zegzel, povoada apenas por 120 habitantes. Desde há uns anos que a porta se abriu aos visitantes, que podem agora provar uma refeição típica na aldeia, em casas de habitantes locais. Ainda que a língua possa ser uma barreira, é com simpatia que somos recebidos no quintal, onde cabem três mesas circulares improvisadas para a refeição e uma fila de tagines ainda a fervilhar no chão, prontos a trocar as brasas pelo tampo da mesa.

De regresso ao hotel, há pouco tempo para parar em Tafoughalt, mas uns minutos servem para espreitar rapidamente o habitual mercado da aldeia, que enche aos fins de semana, com a procura pelo artesanato, frutos secos, especiarias e tagines de vários tamanhos. Com a mochila cheia de doces aromas de Marrocos, é tempo de pensar em libertar espaço da mala de viagem.

Passaram segundos desde que a carrinha estacionou em Fez, quando se deu a primeira abordagem. Primeiro em francês, depois em espanhol e, a seguir, algumas palavras em português, experimenta um rapaz marroquino, não com mais de 10 anos, tentando vender os seus postais. Será assim nas próximas horas enquanto o grupo se aventura pelo interior da medina de Fez, classificada pela UNESCO como Património Mundial.

Fundada no século IX, é a maior de Marrocos e assemelha‑se a um autêntico labirinto de ruelas apertadas, onde não passam carros, apenas burros com mercadoria, e onde um pedido de direções aos vendedores pode custar uns dirhams aos visitantes. É um rebuliço tão diferente da pacata Saïdia, de onde partem três excursões semanais do hotel para Fez, que, por 70 euros, incluem ida e regresso no mesmo dia. A viagem de autocarro não é curta (dura quatro horas e meia), mas é uma boa escolha para conhecer uma tradicional cidade marroquina. Para evitar o corre‑corre, o melhor é dormir em Fez por uma noite.

A visita pode começar pela parte exterior às muralhas de 15 quilómetros que rodeiam a medina: a cidade antiga. É uma das três áreas que divide Fez, contando com a parte francesa, da altura do protetorado francês, e a colonial, com os bairros judeu e andaluz. Foi tanta a sua importância, que chegou a ser capital do reino por três vezes. Por coincidência, a mulher do rei Mohammed VI é natural da cidade, pelo que o imponente palácio do século XIII é várias vezes ocupado, em viagens da família.

Para uma vista panorâmica da cidade antiga é subir até à fortaleza de Borj Sud. E impressiona. As casas que se amontoam e as mais de nove mil ruas estreitas, onde o guia Abdul diz viverem cerca 70 mil pessoas. «É um mundo. Há quem nasça, viva e morra na medina, sem nunca conhecer as outras áreas de Fez», explica. Há hospitais e até uma universidade, considerada a mais antiga do mundo. Não faltam escolas, incluindo as mais tradicionais, conhecidas por madrassas, onde antigamente chegavam estudantes de vários países para aprender o Alcorão. A mais popular é a de Bou Inania, uma das cinco recuperadas pela equipa de arquitetos, responsável pela reabilitação da medina. Tal como um antigo mercado, agora restaurado e os fondouks, as velhas albergarias, outrora sem função, que acolhem agora exposições ou espaços de artesanato. E, claro, o comércio, o grande negócio da cidade antiga.

Fez está a quatro horas e meia de viagem de Saïdia. Ida e volta no mesmo dia acaba por ser cansativo, mas dormindo uma noite na capital espiritual de Marrocos, vale bem a pena.

Vê‑se desde o alto os curtumes com os depósitos ao ar livre, onde são limpas, tingidas e secas as peles de animais, mais tarde transformadas em casacos, malas e carteiras. Quando descemos até à Chouara Tannery, na medina, o cheiro é tão intenso quanto o árduo trabalho ao sol. De resto, é apenas um dos muitos negócios que se encontram pelas ruelas apertadas. Há lojas artesanais de tecidos, com panos, malas, tapetes e um piso dedicado aos trajes tradicionais.

Mais há frente, a zona de latoarias e, a seguir, vendem‑se indumentárias para casamentos, com vestidos de noivas a pintaras lojas de branco. Encontram‑se mercados de fruta e de legumes, acessórios e bugigangas, cestos de palha, sapatos pontiagudos e coloridos (os babouches) e a doçaria, que chega a conquistar até as abelhas. «Há que regressar», diz Abdul. Os sapatos ficam então para trás, os tagines de barro também e até os vestidos típicos. Afinal, não cabe tudo na mala. Mas cabe muita vontade de voltar.


Reportagem publicada na revista Volta ao Mundo, edição 274.

Guia de Viagem

Moeda: Dirham (MAD ). Um dirham equivale a 0.09 cêntimos. Em termos práticos, uma viagem do centro de Saïdia até ao hotel Be Live, em táxi, custará aproximadamente 3 euros. Um a água de 33 ml pode custar cerca de 50 cêntimos, num restaurante.
Fuso horário: UTC +00:00
Idioma: A língua oficial é o árabe, embora o país use o francês como segunda língua. Em algumas zonas é ainda falado o amazigh, nome dado às línguas berberes.

Ir

Até setembro, a Solférias tem um pacote com um voo semanal a partir de Lisboa e dois desde o Porto. Basta uma hora e meia a voar para aterrar no país, que muitas vezes nos esquecemos ser vizinho. Todos os sábados, até 23 de setembro, há um charter com avião da Privilege a ligar Lisboa e Oujda. Do Porto, parte também um voo Privelege aos sábados e, aos domingos, a conexão é feita pela TAP. O pacote da SolFérias no hotel Be Live inclui voo de ida e volta, hotel tudo‑incluído por 7 noites e transfers. A partir de 654 euros por pessoa.

Ficar

Saïdia
Be Live Saïdia
Frente ao Mediterrâneo, está aberto desde 2000. Familiar, tem espetáculos e atividades para entreter os mais novos e três piscinas exteriores e uma interior, a única que não faz parte do pacote, tal como o spa. A estada de sete dias inclui todas as refeições e, ainda, uma noite, à escolha, para experimentar um dos dois restaurantes do hotel. Durante o dia está disponível o snack bar e os dois bares onde se bebe café ou o chá tradicional.
Tel.: (+212)5366‑33366
Pacote 7 dias desde 654 euros por pessoa com voo.
belivehotels.com

Fez
Palais Medina & Spa
Fora das muralhas, mas a curta distância da zona antiga, oferece vistas para a medina de Fez e para as colinas de Jebel Zalagh. Os 140 quartos são espaçosos e modernos e o spa tem vários tratamentos de relaxamento. Ao final do dia, é em redor da grande e iluminada piscina retangular que se concentra boa parte dos hóspedes, para um aperitivo e um copo de vinho. Depois do jantar com propostas de cozinha mediterrânea ou marroquina, há música ao vivo junto ao pátio da piscina.
Avenue Allal El Fassi
Tel.: ( +212) 538900900
Quartos duplos a partir de 65 euros, por noite.
palais‑medina‑fes‑spa.hotel‑rn.com

A não perder

Golf de Saïdia
Os 45 hectares Golf de Saïdia podem ser uma alternativa a desportos de mar. O campo de 18 buracos foi desenhado pelo arquiteto espanhol Francisco Segales e tem nas suas instalações um ginásio (com personal trainer) e uma loja especializada em equipamentos de golfe. Os estreantes podem fazer uma lição introdutória em grupo, que fica por 250 dirhams (25 euros) por pessoa e, os casais, podem transformar uma tarde de golfe num programa romântico por 35 euros cada.
Tel.: (+212)536630041
golfSaïdia.ma

Clube Equestre Yassmine
A vila de Madagh, em Berkane, fica a cerca de meia hora de carro do hotel. É lá que se encontra o clube equestre Yassmine, onde treina um dos campeões nacionais, e é possível andar a cavalo pela propriedade, entre os pomares de laranjeiras. O passeio de uma hora tem o custo de 15 euros, mas também é possível trocar o cavalo por um pónei ou arriscar um programa mais radical: uma hora em moto 4, por 35 euros.
Tel.: (+212)0638558824
Das 09h00 às 18h00.
Encerra à segunda
Facebook: Club Yassmine Equestre


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