O renascer da capital adormecida
Faro tinha potencial, mas morria ao entardecer e a oferta não estava ao nível do resto da região. Agora, a cidade está a mudar e a assumir o seu papel de capital do Algarve. Hoje conclui-se que há vida em Faro. E da boa. Nada como um sono profundo para revigorar.
Texto de Petra Alves
Fotografia de Constantino Leite
Há pouco mais de cinquenta anos era inaugurado o Aeroporto de Faro. O Algarve começava então a surgir a bold no mapa dos europeus, sobretudo os do Norte, que procuravam temperaturas quentes e águas amenas. No entanto, até há poucos anos, quem aterrava em Faro logo virava à esquerda ou à direita. Hoje a conversa é outra: a cidade está a renascer, está viva, de boa saúde e recomenda-se.
Longe de ser uma cidade-resort, nas ruas misturam-se jovens de todas as idades, endinheirados e remediados, gente de férias e gente a driblar a azáfama de mais um dia de trabalho. Nas praças e esplanadas misturam-se nacionalidades e idiomas que emprestam à cidade uma entoação cosmopolita. Apesar da multiculturalidade, é verdade que a capital de uma das regiões mais turísticas do país se mantém genuína. Talvez seja por isso que esteja a conquistar tantos fãs. Nos primeiros sete meses do ano, foram registados, no Algarve, perto de 8,7 milhões de dormidas (de não residentes), mais 8,5 por cento do que as registadas em 2016. A ver pela crescente dinâmica de Faro, uma boa fatia desse número terá ficado pela capital algarvia.
«Hoje, há muito mais oferta do que uns anos atrás. Há mais turismo e acabaram por abrir muitos espaços novos.» Quem o diz é João Máximo, ex-diretor de vários, e reconhecidos, hotéis do Algarve. Tem a sua quota-parte de responsabilidade no aumento da oferta farense.
À vida crescente da cidade juntam-se praias de areia dourada e águas amenas: visitar as ilhas, em versão independente, é cada vez mais fácil.
A Tasca do João abriu no Largo do Pé da Cruz. Tal como nas ruas, também no interior desta tasca cheia de graça «misturar» é o verbo na ordem do dia. Cada mesa é de sua nação, foram reaproveitados móveis para guardar a loiça, à vista de todos. «Prova de que a simplicidade vale ouro» ou «best restaurant ever» são algumas das muitas frases simpáticas deixadas no placard da entrada.
Este é um lugar dedicado a petiscos feitos com produtos regionais. Por exemplo: salada de polvo, tosta de cavala, tiras de porco preto com alho e lingueirão ao alho estão entre as quase trinta sugestões do menu. Quanto a vinhos, a carta representa praticamente todo o país. Conjugando uns quantos petiscos, o jantar (só serve jantares) fica completo. João lidera a sala e a esplanada; Gonçalo, o filho, trata da cozinha. É um negócio familiar. Pequeno, com produtos locais, caloroso, bonito e aberto ao mundo. Como a cidade que o acolhe.
Vamos ao centro? Sim, mas sem carro
Ir ao centro significa ir à Rua de Santo António, a mais comercial de Faro. Para quem vai a passeio, o carro só atrapalha. O ideal é deixá-lo estacionado no Largo de São Francisco (gratuito) e andar a pé. Na rua de comércio salta à vista a calçada portuguesa, que, de resto, se estende em toda aquela zona pedonal.
A dois passos daqui, também numa rua pedonal, ergue-se o Aqua Ria Boutique Hotel, que cumpre o sonho de Elvino Carolino, hoje com 75 anos. Esta aventura da família Carolino começou em 1971 com a abertura do restaurante Brasília, hoje Costa Algarvia, instalado no térreo do hotel. As cataplanas são a especialidade da casa e sabem ainda melhor na esplanada a ver a gente passar. João e Elvino Carolino, os filhos do precursor da empreitada, tomam conta do negócio que floresce num edifício recuperado, onde terá funcionado a primeira pensão de Faro. O Aqua é um hotel pequeno, com dezassete quartos bem decorados, situado numa das principais artérias da cidade. Para dar resposta à crescente procura, terá um novo vizinho, na porta ao lado. Ainda neste ano, segundo as previsões de João Carolino, vão começar as obras de recuperação de mais um prédio antigo.
Diz-se que peixe não puxa carroça. É mito. Da cataplana de peixe, bem apurada, do Costa Algarvia segue-se a pé – sempre a pé – para um dos afamados bairros da cidade, o Vila-Adentro, cercado pela muralha. Uma das forma de se lá chegar é passando o Arco da Vila, monumento nacional e um dos mais representativos exemplares do neoclassicismo no Algarve, onde figura o padroeiro da cidade, São Tomás de Aquino.
Desde 2015, alberga o centro interpretativo de portas abertas a quem procura inteirar-se da história da cidade, do seu aparecimento, do terramoto de 1755 que a abalou e das empreitadas que se sucederam e fizeram dela o que é hoje. No Vila-Adentro, percorre-se um universo de ruas empedradas, estreitas, bonitas, limpas, silenciosas que desembocam em espaços amplos e históricos como o Largo D. Afonso III ou o Largo da Sé. A Sé é peça central neste núcleo pelas suas características arquitetónicas mas também pelas vistas que oferece sobre a cidade e a ria. É preciso subir à torre para ter o privilégio de ver um dos mais belos postais algarvios.
A maré está em alta, no antigo bairro dos pescadores: novas lojas, bares e restaurantes animam o Bairro Ribeirinho.
Antigo bairro de pescadores e marinheiros, hoje o Bairro Ribeirinho, perto da marina e da estação de comboios, está cheio de vida nova. A Rua Conselheiro Bívar e as que a rodeiam, algumas pedonais, fazem parte desta zona multifacetada de Faro. Ergue-se uma mão-cheia de referências monumentais imperdíveis como o neoclássico Palácio
Bívar, do início do século XIX, ou o solar barroco do Capitão-Mor, do século XVIII, mas há também esplanadas, restaurantes com pinta, associações culturais, hostels e lojas de artesanato urbano. É o caso da Sardinha de Papel, que, sob o princípio da reciclagem de objetos e de ideias, apresenta peças manufaturadas contracorrente da produção industrializada. A promoção de artistas e workshops fazem parte da oferta. Ali bem perto, foi inaugurado o Ground 864 no início do ano. Neste bar, há entre oitenta e noventa cervejas artesanais vindas de Canadá, EUA, Escócia, Noruega e por aí fora. Também as há nacionais, como a Letra, que envelhece em barricas de vinho do porto, e a Barona, do Alentejo. Bruno Ouro trabalha ali desde que a casa abriu, por isso já terá tido tempo de sobra para testar a variedade disponível. Diz gostar de todas, mas elege as India pale ale como as suas favoritas por serem muito aromáticas. Não vá a cerveja cair em saco vazio, há um menu de comida à disposição. À quinta e ao sábado também há música ao vivo.
De ilha em ilha, vá a todas
São 10h00 e o telefone de Sandra não para de tocar. São reservas a chegar. Sandra Correia e Ricardo Oliveira trabalhavam numa empresa algarvia de embarcações turísticas quando, há um ano, tomaram a decisão de içar um negócio próprio, a Islands 4 you. A primeira embarcação a levar os turistas para lá dos limites da terra chama-se Bella Ria. O nome não poderia ser mais apropriado.
A ria Formosa, o cordão dunar e o Atlântico delimitam, a sul, o município de Faro. As conhecidas ilhas formam-se quando a areia fina é interrompida pelas ligações entre o mar e a ria. As ilhas da Culatra e a do Farol, a da Barreta, conhecida por Deserta, e a de Faro são de visita obrigatória.
Na ilha do Farol alinham-se casinhas térreas, há restaurantes e cafés, mas todos andam a pé ou de bicicleta. E todos de chinelos porque, felizmente, a areia é o «asfalto» do sítio. Na Culatra cheira a peixe e a vida faz-se no e do mar. No pequeno porto amontoam-se as redes de pesca e as gaivotas à espera da sua sorte. Na ilha vivem sobretudo pescadores. Na Barrinha, praia na extremidade nascente da península do Ancão, meia dúzia de pessoas humanizam um lugar normalmente despovoado. Não há edifícios nem infraestruturas. É um privilégio ver o mundo a partir deste lugar.
Navegar é preciso
«Nos últimos anos estive a trabalhar em formação náutica, entrega de barcos e charter nas Baleares, Reino Unido, Caraíbas, Gibraltar.» Ricardo Barradas adquiriu competências para lançar, neste ano, a Algarve Cruising Center – o que diz ser a primeira escola International Yacht Training em Portugal. Entre outros serviços, aluga embarcações para quem privilegia a autonomia e ensina, a quem procura aprender, a manuseá-las. E enquanto se aprende navega-se. O curso de powerboat (motor, até vinte milhas da costa, sem limite de potência, até 15 metros comprimento) é sobretudo prático, por isso há que contar com várias horas a manobrar uma embarcação. Há também curso de vela. Num país com uma costa tão extensa, porquê criar o negócio em Faro? «Porque é aqui que está o sol, o peixe, o mar, as ilhas com pessoas autênticas. Isto tudo perto de um aeroporto com várias ligações internacionais.» Só bons argumentos.
Algarve Cruising Center
Tel.: 912263263.
Web: algarvecruising.com
Preço: 400 euros (curso de powerboat, três dias)
Workshop de Cataplanas
Em três horas, há tempo para ir ao mercado comprar os ingredientes para a cataplana, para conversar sobre a história do prato típico e para preparar um belo exemplar de peixe, marisco e bivalves. Tudo isto acontece no piso superior do Tertúlia Algarvia, restaurante que também é loja e palco de divulgação de gastronomia, história e tradições regionais. O chef Frederico Lopes confessa que a cataplana de que mais gosta é a de polvo com batata-doce. «É uma cataplana de segunda geração», o que quer dizer que, ao contrário da tradicional, nesta nem tudo é cozinhado ao mesmo tempo: o polvo é congelado para se partir a fibra e cozido ao vapor, processo que lhe realça o sabor. Outra iguaria a provar na Tertúlia é a muxama, o chamado «presunto do mar», lombo de atum, salgado e seco, cortado em finas tiras. Um petisco.
Tertúlia Algarvia
Praça Afonso III, 13
Tel.: 289821044
Web: tertulia-algarvia.pt
Das 10h00 às 00h00; sexta e sábado, até à 01h00; domingo, até às 23h00.
Não encerra.
Preço médio: 25 euros.
Workshops: 40 e 60 euros.
Guia de viagem
Comer
Tasca do João
Das 18h30às 00h00. Encerra à segunda
Preço médio: 20 euros
Largo do Pé da Cruz, 27
Tel.: 964992414
Web: FACEBOOK.COM/ATASCADOJOAO.FARO
Costa Algarvia
Preço médio: 25 euros
Rua Dom Francisco Gomes, 21
Tel.: 289878174/914503846
Das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00
Ficar
Aqua Ria Boutique Hotel
Quarto duplo desde 80 euros por noite (inclui pequeno-almoço)
Rua da Marinha, 12
Tel.: 289810150
Web: AQUARIABOUTIQUEHOTEL.COM
Comprar
Sardinha de Papel
Rua Conselheiro Bívar, 81-83
Tel.: 966655941
Das 09h30 às 19h30; Sábado, até às 17h00. Encerra ao domingo
Visitar
Centro Interpretativo do Arco da Vila
Rua da Misericórdia, 8
Tel.: 289803604
Das 09h30 às 17h30. Não encerra
Islands 4 You
Porto de Faro
Tel.: 914966608
Web: ISLANDS4YOU.PT
Preço: desde 15 euros
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