No Norte da Península, a menos de 150 quilómetros da cidade do Porto, as quase secretas ilhas Cíes escondem praias de sonho, gastronomia de topo e trilhos de trekking inesquecíveis. Venha descobri-las.
Texto de Bárbara Baldaia
«Desde que o The Guardian escreveu que esta era a praia mais bonita do mundo, isto tem sido assim», diz-nos a rapariga no guichet das informações de turismo mesmo à saída do passadiço de madeira que traz os visitantes do barco para a ilha. O «assim» dela significa barcos a descarregar centenas de pessoas todos os dias, restaurantes a rebentar pelas costuras, filas para tudo, casas de banho com menos limpezas diárias do que aquelas que seria conveniente. Mas entendamo-nos. As ilhas Cíes continuam a valer muito a pena, mesmo depois de o jornal britânico The Guardian, em 2007, as ter catapultado para a fama das cadernetas de turismo com o carimbo de paraíso.
Se assim se pode dizer, as Cíes são um paraíso low cost, com tudo o que a ideia de baixo custo implica: menos comodismo, menos mordomias, mais consumidores e, consequentemente, mais barulho e mais confusão. No entanto, facilmente se descobre o segredo: o paraíso pode estar a um passo disto tudo. Basta caminhar um pouco. Um ou dois quilómetros e… voilá, começa a desenhar-se, por trás do bosque pintado a verde, o recorte de praias idilicamente azul-turquesa.
Se dispensarmos a famosa praia de Rodas, a tal que o The Guardian considerou «a mais bonita do mundo», e nos afastarmos ligeiramente (para a direita, para norte; para a esquerda, para sul), encontramos paisagens dignas de qualquer postal das Caraíbas. Um mar transparente, cristalino, verde e azul-turquesa, que se enrola docilmente na areia branca e fina e macia. Com um senão: a água é fria.
A praia de Nossa Senhora é uma pequena enseada encaixada em vegetação, tendo defronte a ilha de Penela dos Viños. Neste pedaço de mar, outra vez cristalino, outra vez azul e verde, descansam com ar de ócio prazeroso pequenos veleiros e iates privados. Vêm aqui passar o dia, enquanto os veraneantes se dividem entre a areia e as rochas, quando a maré está cheia e sobra pouco espaço no areal. Ao fim da tarde, os ocupantes dos veleiros e dos iates vêm até à praia. Pegam em pequenos barcos com motor ou a remos e aproveitam para dar um mergulho e nadar nas águas frias e retemperadoras das Cíes. O ambiente aqui é suave. Ouve-se a ondulação – sempre ligeira – do mar e as gaivotas. Há silêncio. O tempo espraia-se. E quando damos conta estamos dentro do Jardim do Éden, de Ernest Hemingway. Um recanto digno de um livro.
O acesso à praia de Nossa Senhora é fácil, seguindo do parque de campismo pelo trilho do Farol da Porta. É a primeira praia a sul, logo a seguir à muito concorrida praia de Rodas. Mas ninguém diria que estamos na mesma ilha. No que diz respeito ao número de banhistas, ao ambiente e ao ruído, a diferença é como do dia para a noite.
Do outro lado da ilha, para norte, pelo trilho de Monteagudo, que leva até ao farol do Peito, fica a praia de Figueiras, também conhecida pela praia dos Ingleses e procurada por nudistas.
No extremo norte do areal, existe um pequeno trilho, um pouco escondido, que dá acesso à pequena angra de Margaridas. Não foram construídos acessos a esta baía, mas não é preciso ser montanhista para conseguir saltar meia dúzia de pedras. Fica o aviso: é uma praia naturista, mas se procura um sítio paradisíaco e quase deserto numa ilha que está apinhada de turistas barulhentos, é aqui que deve ficar. Despimos a roupa, mas também nos despimos da confusão.
Na verdade, o único segredo para perceber que as Cíes são o paraíso e não o caos é mesmo evitar a tal «praia mais bonita do mundo». É a mais concorrida, mas a menos interessante da ilha. Pode, no entanto, valer a pena ir à praia de Rodas almoçar. O polvo à galega e uma cerveja fresca serviram de isco para regressar à confusão. Mas já lá vamos. Para já, esqueça qualquer ideia de um almoço romântico ou tranquilo de férias. A oferta de restauração na ilha é muito escassa e bastante má.
Se for apenas passar o dia, pode escolher levar uma lancheira com um piquenique. Se ficar a dormir na ilha, tem duas opções: pode comprar comida no minimercado do parque de campismo e tentar fazer de conta que está num livro d’Os Cinco (aposte no pão fresco, queijo e enchidos, fruta e iogurtes) ou pode almoçar num dos três restaurantes da ilha.
Quando chega de barco, vai logo ver o maior restaurante das Cíes, mesmo no cais. Uma longa fila estará certamente à sua espera. Aqui funciona o sistema self-service, como nas cantinas escolares. Um tabuleiro e fila indiana. Os calamares são bem servidos e o polvo é, definitivamente, a aposta segura. O molusco preparado tenramente é tão eminente que merece um parágrafo. Servido num prato de madeira, os braços de polvo são cortados na hora de ir para a mesa com uma tesoura, são polvilhados com sal grosso, abundantemente salpicados com pimentão-doce e regados com azeite. Esta mistura não dispensa o pão que vai limpar o prato dos restos do molho. Não dispensa a cerveja fresca. Não dispensa a sensação de mimo merecido depois de uma manhã de praia com os pés sujos de areia e o salitre a raspar na roupa. Pronto, esqueça a confusão, está no céu.
Mas não se distraia. As gaivotas andam por todo o lado e, por isso, também são companhia ao almoço. E gostam de roubar comida aos turistas. Ao nosso lado, uma coxa de frango voou no bico de uma delas. O dono da refeição estava distraído com o telemóvel e quando tentou reagir, já era tarde.
Com a barriga cheia, não lhe restará certamente muita energia para muito mais do que dormir. Além disso, estamos em Espanha e aqui a sesta é rainha. Aproveite os muitos espaços verdes da ilha para se encostar, se não estiver instalado no parque de campismo. Caso tenha optado por pernoitar nas Cíes, não dispense a oportunidade de ouvir o restolhar dos pinheiros e dos eucaliptos na tenda, enquanto sente o peso do sono a abater-se sobre as pálpebras. O contacto com a natureza é retemperador. O Camping é a única opção para quem pretende passar uma ou mais noites na ilha que não tem hotéis, nem carros, nem animais domésticos.
Pode acampar-se com tenda própria ou reservar uma das tendas do parque, já montadas no local e que dispõem de camas. Dada a escassez de água na ilha, o duche de água quente é pago. Uma moeda de 0,50€ é suficiente para tomar um banho rápido, mas se for na hora de ponta, entre as 19h e as 21h, conte com filas. Aqui não há luxos (já lhe dissemos).
As ilhas Cíes pertencem ao Parque Nacional Marítimo e Terrestre das Ilhas Atlânticas da Galiza e são consideradas, desde 2002, como um dos maiores exemplos dos ecossistemas das costas e fundos marinhos atlânticos espanhóis. Ainda no barco, os visitantes são acautelados com algumas recomendações: a fauna autóctone não deve ser incomodada e, por isso, é proibido levar animais de companhia, exceto cães-guia; não há caixotes do lixo (a não ser nos restaurantes e no parque de campismo) e, assim, os turistas são convidados a guardar na mochila o lixo que produzem; não é permitido “roubar” conchas à praia, nem arrancar flores ou vegetação; é proibido fazer fogo em toda a ilha e deve respeitar-se o silêncio para preservar a tranquilidade do local; devem ser respeitadas as zonas de acesso restrito e as bicicletas também não são permitidas. Os carros estão também proibidíssimos. Aqui ou caminha ou corre.
As ilhas Cíes oferecem um pouco de tudo: praia, comida, trekking e natureza.
Se gosta de trekking ou de trail, as ilhas Cíes são uma boa opção. O trilho do Monte do Farol é o mais procurado. Começa na praia de Rodas e vai, como o próprio nome indica, até ao farol situado no ponto mais a sul da ilha. Tem 7,4 quilómetros, ida e volta, sendo grande parte do percurso de ida feito a subir, daí que esteja identificado com o grau de dificuldade «média». Os últimos metros são embalados por uma serpentina que culmina no farol, com uma vista panorâmica sobre o Atlântico.
Ainda no lado sul da ilha, existe também o trilho do Farol da Porta. São cerca de cinco quilómetros de caminhada ou de corrida e, mais ou menos a meio, vai encontrar a praia de Nossa Senhora, local ideal para a prática de snorkelling.
Sensivelmente a meio da ilha, sai, em direção a oeste, o trilho do Alto do Príncipe. São apenas três quilómetros de ida e volta, que valem a pena pela descoberta da “Cadeira da Rainha”, uma formação rochosa esculpida pela natureza e com uma vista incrível sobre o mar. A cadeira convida a sentar. E ninguém dispensa a fotografia da praxe no trono. Sobra ainda o trilho do Monteagudo, que nos conduz até ao Farol do Peito. São 5,6 quilómetros no total e, pelo caminho, ainda passa por um observatório de aves.
As visitas às ilhas Cíes só são permitidas de junho a setembro, nos fins de semana de maio, nos dois primeiros fins de semana de outubro e na Semana Santa. Julho e agosto são os meses de maior procura. O ferry que faz a ligação pode ser apanhado em Vigo, Baiona ou Cangas. São cerca de 45 minutos de viagem e há três operadoras a operar. Escolhemos sair de Baiona, fazendo a viagem de carro até à pequena cidade espanhola. São cerca de 140 km e a viagem faz-se em menos de duas horas, passando a fronteira em Vila Nova de Cerveira.
Estava pouca gente à espera do barco em Baiona quando lá chegámos. A travessia antecipava um cenário de férias sossegadas, numa ilha paradisíaca e semisselvagem. A realidade que viemos encontrar era, contudo, um pouco diferente. Mas era necessário que o espírito não esmorecesse e que se procurasse o El Dorado das Cíes, o que rapidamente conseguimos com sucesso. Afinal, são conhecidas como as «ilhas dos deuses» e os deuses não estavam loucos.
Guia de viagem
Moeda: euro
Fuso horário: GMT + 2
Idioma: castelhano, galego
Quando ir: tal como na costa norte de Portugal, o tempo é mais agradável no verão – altura ideal para aproveitar a praia.
Ir
Há ferries de Baiona, Vigo e Cangas. A partir do Porto, há autocarros para Vigo (cerca de 18€ de ida e volta). A solução mais cómoda é, contudo, de carro. Do Porto a Baiona são cerca de 140 km. As visitas às ilhas Cíes são permitidas de junho a setembro, nos fins de semana de maio, nos dois primeiros fins de semana de outubro e na Semana Santa. Na época alta, a travessia de ferry boat custa 18,5€, ida e volta.
Ferry boat:
mardeons.com
piratasdenabia.com
crucerosriasbaixas.com
Ver
As ilhas Cíes são perfeitas para quem gosta de férias de natureza. Ideal para fazer caminhadas na praia e observar pássaros. Há gaivotas por todo o lado. São elas que dominam a ilha.
Comprar
Não há praticamente nada para comprar. A menos que queira mesmo levar de recordação um íman ou uma camisola. O que faz sentido aqui é alinhar na lógica anticonsumista.
Comer
Existem apenas três restaurantes na ilha e a relação qualidade/preço deixa muito a desejar. Logo à chegada, há um restaurante situado no cais da praia de Rodas. Prepare-se para enfrentar filas de tabuleiro na mão. O polvo é uma escolha segura para saborear na esplanada a apreciar a paisagem. Tem ainda um restaurante no parque de campismo que funciona na mesma lógica de self-service e com o mesmo tipo de preços. Uma refeição com bebida e sobremesa anda à volta dos 15€. Passando o parque de campismo, tem o restaurante Serafin, ligeiramente mais caro, mas com serviço à mesa e uma esplanada simpática debaixo de uma videira. Os jantares são servidos a partir das 21h00, mas convém ir cedo, porque enche. Para picar qualquer coisa ao final da tarde ou para beber uma cerveja, experimente um comedor que existe um pouco mais acima chamado Begoña. Tem menos gente e duas ou três mesas numa esplanada improvisada num jardim agradável, com vista sobre o mar. Para preparar um piquenique para a praia, abasteça-se no minimercado do parque de campismo.
Dormir
O único local onde dormir é no parque de campismo. Pode usar as tendas do parque com camas (duas pessoas fica por 50€ por dia, em época alta) ou levar tenda própria (25€ para duas pessoas, por dia). Terá de fazer a reserva previamente.
campingislascies.com
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