Sofia Machado nasceu em Lisboa há 33 anos, mas é na Austrália que vive desde 2009. Foi o ano da grande mudança: vendeu tudo o que tinha e enfiou numa mala o essencial.

Texto de Bárbara Cruz

Sofia aterrou em Brisbane com o namorado, o australiano Paul, e desde então é do outro lado do mundo que passa a maior parte do seu ano. Não quer isto dizer que esteja quieta, até porque não é da sua natureza e demonstrou-o desde cedo. Garante que já viajava na barriga da mãe, aos 7 anos descia rios de caiaque sem grandes problemas e quando fez 12 o pai deu-lhe um «presente»: caminhar de noite no planalto da serra da Estrela, sem lanterna, para que perdesse o medo do escuro. «Fiquei furiosa», recorda. Mas o presente envenenado de aniversário surtiu efeito e a noite nunca mais a assustou.

Sofia não era, definitivamente, uma criança de medos: quando tinha apenas 5 anos, decidiu que havia de visitar a tia que vivia em Düsseldorf, na Alemanha, e só descansou quando os pais a meteram no avião sozinha, ao cuidado da assistente de bordo. «Lembro-me perfeitamente de estar sentada à janela e pensar que aquela era a maior aventura da minha vida», confessa a rir.

Pela adolescência fora, manteve a vontade de sair, conhecer e explorar destinos: aos 16, foi para os Açores de mochila às costas e saltou de ilha em ilha durante dois meses, muitas vezes à boleia de cargueiros que transportavam animais. Sem telemóvel, dava notícias para casa de duas em duas semanas.

Sofia não era uma criança de medos: quando tinha apenas 5 anos, decidiu que havia de visitar a tia que vivia em Düsseldorf, na Alemanha.

Os pais, de coração apertado, tiveram de a deixar ir. «Foi assim que me criaram, eu não podia ser de outra forma», justifica. Na maior parte do tempo viajou com um amigo, mas passou temporadas sozinha e nunca deixou de fazer campismo selvagem. Inconsciência própria da idade? Talvez. Mas «acho que essa inconsciência continua aos 33», reflete. Doseada naturalmente, sobretudo desde que foi mãe. Ainda assim, Sofia descomplica a experiência da maternidade: o filho nasceu na Austrália, na Gold Coast, no ano passado, e com 3 semanas de vida, fez hora e meia de avião para Sydney. «Tem de se habituar!», diz a mãe. Meses depois, veio conhecer Portugal e aguentou quase 40 horas de voos sucessivos. Começa cedo no negócio de família, a acumular quilómetros, como os pais fazem há anos.

Paul era um «viajante profissional» que tinha vendido tudo e saíra da Austrália para andar pelo mundo. Sofia conheceu-o durante um InterRail pela Europa, em 2007. «Nos países bálticos, pagamos o quarto mas podemos pôr lá vinte pessoas se quisermos, mesmo que só haja uma cama. E eu era especialista em recrutar viajantes que iam para a nossa zona ou mesmo mudar de planos para ter o quarto mais barato», recorda a lisboeta. Foi assim que Paul se juntou a ela e às amigas e passaram uma semana a viajar em grupo, para cortar nas despesas.

«Os teus pais vão ter de me dar jantar», disse lhe Paul. Estão juntos desde então.

Ela tinha regresso marcado a Portugal e Paul decidiu acompanhá-la a Milão, de onde o avião saía, mas depois de uma série de peripécias Sofia acabou por perder o voo. Foi comprar novo bilhete e ele, inteirando-se discretamente das datas, comprou também. «Os teus pais vão ter de me dar jantar», disse-lhe a rir. Estão juntos desde então. Instalaram-se em Lisboa, continuaram a conhecer outros destinos, mas Sofia queria mais. Na altura, tinha a vida estabilizada a nível profissional. E mesmo em termos de viagens, não havia razão de queixa: tinha feito Erasmus em Grenoble, França, mas durante a faculdade – e depois – continuara a sair do país com frequência, aproveitando férias e promoções a jeito.

Acumulou experiências e, naturalmente, situações caricatas. Lembra-se sobretudo de estar em Budapeste, sozinha, 20 e poucos anos, e decidir ir para Belgrado ter com a mãe, que lá estava num congresso. Ficaram as duas no quarto que a mãe já tinha reservado. «Eu estava clandestina no hotel, digamos.» Até ali, nada fora do normal. Quando quis regressar, no comboio, foi cercada por militares armados que lhe pediam os papéis. Só mais tarde descobriu que era preciso que lhe carimbassem no passaporte o local onde tinha pernoitado. Levaram-na para uma espécie de cela, na fronteira sérvia, onde chorou baba e ranho até que um outro militar lhe abriu a porta e a levou de volta para o comboio.

A memória é nítida, não só pelo susto mas porque esta e outras situações, revela, estão todas registadas nos diários que, que neste ano foi nomeado nos BTL Blogger Travel Awards na categoria de Melhor Blogue de Viagens Pessoal, dá dicas, informações úteis e faz o relato dos percursos que continua a fazer desde que se desfez de tudo numa venda de garagem e se mudou alegremente para o outro lado do mundo. Fez um reset, começou do zero, mas é na Austrália que agora se sente feliz, garante.

Quer muito dar a volta de carro ao país que a acolheu, mas só o fará quando o filho ficar com recordações que não sejam toldadas pela «amnésia infantil». O grande projeto, arrisca-se a dizer, é sair da Austrália e guiar pelo mundo até Portugal.

Envie as suas histórias para:
[email protected]

Imagem de destaque: Direitos Reservados

Texto de Bárbara Cruz - Fotografias Direitos Reservados
Partilhar