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Inquieta, comunicadora nata, não sabe estar parada, chegou ao jornalismo depois de responder a um anúncio de jornal. Ao lado do amigo e mentor Pedro Rolo Duarte trabalhou em projetos como Mundo de Aventuras, Falatório e DNA. Passou pelas redações de Diário de Notícias e Time Out até se tornar freelancer e para muitos é conhecida como Cocó na Fralda, um blogue pessoal que se tornou um dos mais lidos em Portugal, onde conta um pouco de tudo, como as peripécias de quem é mãe de quatro filhos.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Ricardo Santos

Olá, Sónia Morais Santos. Ainda se lembra de como era viajar sozinha?
Já está num cantinho da memória, se puxar pela cabeça sim, lembro-me. Por acaso não viajei muito sozinha. É uma daquelas coisas de que tenho pena, se pudesse voltar atrás faria isso diferente, teria viajado mais sozinha. Fui uma única vez sozinha, sozinha, a Londres e adorei, portanto devia ter repetido. Depois a dois, muitas vezes, e aí não me esqueço porque continuamos a fazê-lo. Todos os anos fazemos pelo menos uns dias, uma semana, a dois. Tentamos viajar, às vezes não conseguimos porque, enfim, o dinheiro não estica, mas quando conseguimos viajamos os dois.

E das viagens em família há alguma que tenha marcado mais? É porque vocês são muitos a viajar…
Normalmente lembramo-nos das mais recentes. A da neve foi gira, que foi a última em família. Foi gira porque foi diferente. Não sou muito fã de neve, sou muito mais fã de praia, de calor, e aquilo é muito peso sempre, muita coisa, e a pessoa está muito vestida, a locomoção é difícil e depois, com miúdos pequenos, era tudo muito difícil. Chegava ao hotel, ao fim do dia, morta, mas foi giro porque vi o pequenino esquiar, que foi aquela coisa emocionante de ver aquele cotomiço a escorregar pela neve. E teve momentos difíceis também. Por exemplo deixá-lo. Os pais portugueses são pais muito galinha e não são muito de deixar nos Kids Clubs. Ficam lá um bocadinho, mas ao contrário dos outros, de outros países, que deixam dias inteiros. E eu tive imensa dificuldade em deixá-lo porque ele não queria ficar sozinho nas aulas e eu tive que ultrapassar também isso. Ele não queria mas eu pensei que aquilo era bom para ele e tal… mas eu sempre a chorar o caminho todo até às pistas até me esquecer e pensar que ele lá estaria bem. E quando voltava, ele realmente estava bem. Mas agora já tem muita experiência. Isto começou tudo há 17, 18 anos… Sim, o mais velho vai fazer 18 anos.

Lembra-se dessa primeira viagem?
A primeira viagem que fizemos a três foi quando o Manel tinha quatro meses. Ele chorava muito, chorava muito, mesmo muito. Não parava de chorar dia e noite e uns amigos nossos iam para a Serra Nevada – lá está, outra vez para a neve, eu não gosto mas de vez em quando acabo lá metida – e disseram para irmos com eles. «Vocês não sabem no que é que se estão a meter, não façam isso, o miúdo chora o dia todo…», dissemos. E nós fomos. A viagem foi para aí oito horas, ele berrou o caminho todo. Um amigo nosso saiu do carro – ele tem um tique – e chegou lá com o tique muito mais acirrado. O homem estava a enlouquecer e foi para as pistas logo, acho que estavam mesmo a acabar e ele: «Eu tenho que ir, eu tenho que ir!» Depois fomos todos para um apartamento e, curiosamente, ele parou de chorar. Nós achamos que foi do frio. Deve ter sentido que, se não se portasse bem nós éramos capazes de o abandonar ali ao frio e calou-se. Foi giro, foi uma viagem gira.

E quais são os principais desafios: a logística, a preparação? São seis pessoas…
O dinheiro, basicamente. São viagens para seis, já todos pagam um bilhete normal. Só a viagem de avião já é uma dor e depois arranjar onde ficar. É preciso sempre dois quartos ou um apartamento onde durmam seis pessoas. Normalmente eles ficam em sofás e essas coisas, para facilitar, mas não é nada barato. É difícil por esse lado. O resto não me… eu sempre fui muito prática, tanto que esta coisa de ir com um bebé de quatro meses para a Serra Nevada, oito horas de carro, já mostra como nós éramos práticos logo ao primeiro. Agora então… é o descalabro completo. É completamente à vontade. As pessoas dizem: «Mas o que é que comes lá?» Eh pá… mas eles lá também comem; «Então, mas e o bebé?» O bebé come o que houver; «Então e se adoecer?» Também há hospitais. Já fomos para o México com eles pequeninos, ao Brasil, não somos muito stressados, lá também há crianças, lá também há famílias, alguma coisa se há de arranjar.

E a escolha do destino? É feita em família ou são os pais que decidem?
São basicamente os pais que decidem. Basicamente aquilo é uma democracia mas mandamos nós. Agora, por exemplo, vamos a Nova Iorque todos juntos. Nós já fomos algumas vezes a Nova Iorque e isto é o tramado das viagens. A gente quer conhecer mais e mais e mais, mas depois há uns sítios onde temos que voltar e depois nunca mais conseguimos conhecer o resto – é tramado! Mas queríamos muito ir com eles porque eles falam muito de Nova Iorque, por causa dos filmes. O Manel adora política, está muito envolvido e com esta coisa de ser anti-Trump também esteve muito próximo dos EUA e, portanto, ele vai fazer 18 anos e decidimos oferecer uma viagem. Para não ser só para ele, então vamos todos, que também é mais divertido estarmos em família. Mas de resto normalmente escolhemos nós e eles não se têm queixado das nossas escolhas.

E na viagem, eles já tomam conta uns dos outros?
Tomam muito conta uns dos outros na viagem e cá, na vida. Acho que esse é o grande mérito das famílias numerosas. É porque, de facto, há uma entreajuda, eles percebem que às vezes não consigo chegar a todos, nem o pai, e portanto o Manel ajuda imenso, o Martim também. É engraçado que, quando o Manel não está, o Martim toma a dianteira e torna-se o mais responsável. Quando está, ele demite-se um bocadinho, mas essas gestões são engraçadas também em viagem. Por exemplo, há um, o pequenino, que às vezes está cansado e alguém o leva às cavalitas. Depois trocam e assim torna-se muito mais fácil e giro.

Na escolha dos locais não há muita democracia. E depois, nos locais, conseguem gerir tantas vontades de fazer coisas diferentes?
Sim, vamos fazendo o jeitinho a cada um. Às vezes é complicado. Por exemplo, nós estamos a antever que pode haver algum problema em Nova Iorque porque vamos andar muito a pé. Andamos sempre muito, muito e o pequenino – vá, além de ser pequenino – também é dado a uma certa preguiça. Estivemos há pouco tempo em Madrid e ele andou, andou, andou, distraído porque o giro é que eles também estão a descobrir o mundo, um novo mundo, novos sítios, novos cheiros e, portanto, acabam por nem perceber muito bem que estão a andar e que já andaram tantos quilómetros. Estou com esperança que, em Nova Iorque, também aconteça isso e não seja tão difícil.

Encontra muitos portugueses a viajar em família?
Não. Não, não, não. Encontro pessoas de outras nacionalidades, mas portugueses em grandes famílias não. Encontro casais, muitos.

Mas com os filhos não?
Com um filho, talvez, mas manadas como a nossa, não. Compreendo… agora para Nova Iorque estamos naquela fase em que vamos mesmo com o lápis atrás da orelha, estamos a fazer contas para ver como é que conseguimos encaixar toda a gente, é difícil.

Pensa que é uma questão de contabilidade, apenas, ou também de mentalidade dos portugueses?
Acho que a contabilidade é talvez o mais importante, porque nós, desde o tempo dos Descobrimentos, nos fizemos ao mundo. Portanto, acho que as pessoas gostariam de ir. Algumas são um bocadinho… e noto isso pelo blogue, perguntam-me aquelas coisas todas: «Mas como é que, que coragem?» Coragem, não! Coragem é ficar aqui. Se se pode, vão, por amor de Deus, porque é tão bom! Quando estamos cá e olhamos para o mundo, o mundo parece assustador, mas depois quando estamos lá é basicamente como nós, um bocadinho diferente. Acho que o dinheiro faz muita diferença. Se as pessoas tivessem um bocadinho mais de folga, acho que se metiam à aventura. Nós somos aventureiros.

Há locais onde ainda quer voltar porque os filhos eram muito pequeninos e não criaram memórias?
Sim. Eles também não foram assim a tantos sítios. É giro que, quando fomos ao México, eram só três. A Madalena era pequenina e não se lembra de nada; O Martim tinha para aí quatro anos e é impressionante a memória que ele tem, está sempre a dizer que quer lá voltar, porque fomos de autocarro, não ficámos só no hotel – e raramente ficamos. E também não fazemos aquela coisa da excursão em grupo, fomos nós à procura de um autocarro das pessoas comuns. Fomos todos de autocarro ver monumentos e ele lembra-se muito, muito bem. Está sempre a dizer que gostava de voltar. E depois, pronto, há uns sítios do Brasil – mas o Brasil é tão grande e tão bonito que não é preciso repetir, tirando o Rio de Janeiro. Acho que podemos ir à procura de outros sítios e eles vão ficar encantados na mesma.

Qual é a viagem que ainda está por fazer, aquela viagem de sonho?
Ah são tantas, Cláudia… Agora gostaria muito de fazer Vietname, Camboja e Laos, adorava fazer isso. E depois há aquelas de sonho: gostava de ir à Austrália, ao Japão… Gostava muito de voltar à Índia. Já lá estive mas foi só aquele triângulozinho mínimo. Adorava ir a Varanasi, ir ao Ganges, adorava, adorava. Essa é mesmo daquelas. E gostava muito de fazer, nos EUA, a Route 66. Adorava fazer, mas isso é não dá numa semana e nós, mais do que uma semana, estar a deixar os miúdos com alguém… ui, não é fácil. Portanto, vamos ter que esperar mais um bocadinho até podermos ir mais semanas sem eles, quando eles já não precisarem de nós.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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