No Brasil, chama-se pau de selfie; em inglês, chama-se selfie stick; em Portugal, como acontece tantas vezes nos últimos tempos, usamos a palavra inglesa porque o termo português só serve para atas ou artigos no Diário da República: bastão destinado a autorretratos com telefones móveis.

À velocidade vertiginosa dessas «novidades», o dito objeto despertou enormes paixões e, logo a seguir, enormes antipatias. Simbolizou a superficialidade do turismo, simbolizou os objetos baratos que se fabricam na China, simbolizou o egocentrismo, simbolizou as pequenas mentiras das redes sociais. Mas chega o tempo, chega sempre, e vão sendo cada vez menos os sentimentos fortes acerca desse objeto. Falta pouco, parece-me, para ser um artigo vintage, que muita gente associará nostalgicamente a um período em que eram mais jovens e respiravam ainda uma certa inocência, perdida para sempre.

É fácil relacionar máquinas fotográficas com a ilusão de levar para casa pedaços dos destinos visitados, em souvenirs ou em imagens captadas com o telemóvel. Há turistas que não ajudam à apologia da fotografia em viagem, quando repetem aquela pose de segurar a Torre de Pisa ou quando disparam flashes sem critério. No entanto, é também verdade que a fotografia é, no centro da sua natureza, uma forma de olhar. Com ou sem ambição para lá do álbum de família ou do perfil na rede social, quem se propõe a um projeto fotográfico está a propor-se à atenção. E a atenção é o primeiro e o principal requisito da viagem.

Há turistas que não ajudam à apologia da fotografia em viagem, quando repetem aquela pose de segurar a Torre de Pisa ou quando disparam flashes sem critério.

Engana-se quem acha que o destino define a viagem. O mais importante é a curiosidade do olhar, é a procura. É possível atravessar o mundo, ir exatamente aos antípodas daqui e não viajar realmente. É também possível ir à cidade mais próxima, a outra rua, ali ao fundo, e viajar com todos os sentidos, retirando o máximo dessa experiência.

Fotografar é olhar, mas também é dizer. Quando se escolhe esta ou aquela perspetiva, quando se coloca um contorno retangular à volta de uma paisagem ou de um detalhe, está a fazer-se afirmações. Está a dizer-se: isto é o que acho interessante neste lugar. Também pode estar a dizer-se: isto é o que acho representativo neste lugar. Ou: isto é bonito, isto é importante, isto é digno de nota.

Quando se faz uma pose diante de um monumento, com ou sem selfie stick, aquilo que se está a dizer é: estive aqui. Não é por acaso que a fotografia à frente de algo é um lugar-comum. Desde a sua invenção que essas máquinas vêm produzindo provas de diversos tipos: prova de que estivemos num lugar, prova de que vimos determinada coisa, prova de que tivemos uma certa idade.

Mesmo que o monumento seja transformado num tímido pretexto, a espreitar por detrás do ombro do fotografado, quem lhe pode negar o direito de dizer que esteve ali? Essa afirmação feita para o mundo e para o próprio é, também, parte da viagem. Saber que saímos de onde estávamos e fomos lá é uma das grandes aprendizagens que as viagens nos dão sobre nós próprios. Precisamos de registar essas lições porque não queremos esquecê-las e, muitas vezes, o braço não tem cumprimento suficiente, precisamos de um selfie stick.

Leia aqui todas as crónicas de José Luís Peixoto.

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.