Heróis da Rota da Seda

Dois professores viajantes. Ele quase não viajava, ela sempre o fez. Desde que estão juntos, há mais dez anos, já estiveram em quatro continentes.

Texto de Bárbara Cruz

Carla Mota viaja desde sempre. Tem 40 anos, mas desde pequena que está habituada a explorar o desconhecido. Com os pais, fazia campismo e montanhismo, mas assim que ganhou asas e se tornou independente o céu era o limite. Geógrafa, aproveitou até o ano em que fez investigação nos Andes argentinos para calcorrear de mochila às costas a América do Sul, completamente sozinha. Rui Pinto, de 38 anos, professor de Físico-Química, viajava sobretudo «no plano teórico» até conhecer Carla. «Lia muito, mas faltava-me o impulso inicial.» Quando se encontraram, e poucos meses depois de começarem a namorar, decidiram lançar-se num InterRail. Rui adorava comboios, Carla não gostava de estar quieta. Podia ter sido o fim de uma curta relação, não tivessem descoberto na altura que afinal eram mesmo compatíveis e que o que os fazia felizes era viajarem na companhia um do outro.

Geografia e Físico-Química são as duas áreas de ensino deste casal de professores que não consegue estar quieto.

Passado o primeiro teste, voltaram a casa, em Guimarães, já a pensar na viagem seguinte. Porque a Europa era «demasiado próxima», escolheram um destino que lhes permitisse afastar-se de tudo quanto tinham como certo e seguro. No ano seguinte, foram para a Índia. Gostaram tanto que, em 2016, se prepararam para repetir: o célebre festival das cores, uma antiga celebração hindu que acontece todos os anos em data diferente, vem-lhes mesmo a calhar nas férias escolares da Páscoa.

Sendo ambos professores, explicam, têm a vantagem de conhecer em setembro o calendário do ano letivo. Ao mesmo tempo que planificam as aulas, vão gerindo férias e feriados. Entre viagens mais curtas, na Páscoa ou no Natal, planeiam a mais comprida, que normalmente lhes toma os dois meses das férias do verão. Neste ano, vão para África do Sul, Namíbia, Zimbabwe, Botswana. «A viagem de verão é normalmente restrita a um tema», diz Rui. Existe sempre um fio condutor que liga os vários países do itinerário. No continente africano, a prioridade será a observação da vida animal.

Em 2012, foram conhecer mais de perto a civilização maia e passaram pelo México, Honduras, Guatemala. Antes, já tinham percorrido vários países do Médio Oriente e estiveram em Palmira, a cidade síria conhecida como a «Veneza das Areias» que agora está sob o domínio do Estado Islâmico. «Estivemos na Síria poucos meses antes do início da guerra civil. Um país que conhecemos como progressista, relativamente laico. É triste ver como se transformou», desabafa Carla.

São democráticos na escolha dos destinos: ela vai para qualquer lado, garante, é raro bater o pé. Ambos vão fazendo sugestões, mas como o interesse no conhecimento científico é comum, acabam muitas vezes em locais inóspitos, que pouco atraem o comum mortal à procura de umas férias. Descanso, aliás, é coisa que não têm quando saem de Portugal à descoberta, seja para ir ver as paisagens glaciares da Gronelândia ou para fazer os oito mil quilómetros da Rota da Seda, a viagem que lhes tomou o verão de 2013. Orgulhosamente, suspeitam de que mais nenhum português conseguiu o mesmo feito: terão sido os únicos – «que nós saibamos!», dizem a rir – a atravessar Turquia, Irão, Turquemenistão, Usbequistão, Quirguistão e China, sempre por via terrestre, quais Marcos Polos do século XXI. «Em termos físicos, foi uma viagem muito exigente, até porque coincidiu com o período do Ramadão. E andámos sempre em transportes públicos, a língua também foi um obstáculo.»

«Ficou a sensação de que era só para nós, o que não é mau, mas tínhamos necessidade de o passar também a outros.»

Mas sobreviveram para contar a história, felizes e com um sentimento de «missão cumprida» por, também eles, terem feito os passos dos mercadores do mundo antigo que ligavam o Ocidente ao Oriente em busca do mais belo tecido de fabrico chinês. Estão até a trabalhar num livro sobre a viagem, já que investiram em muitos meses de estudo e pesquisa antes de partir. «Ficou a sensação de que era só para nós, o que não é mau, mas tínhamos necessidade de o passar também a outros.» Por outros, diz Carla, entenda-se não só os interessados em conhecer a história desta rota como também os viajantes com quem contactam, sobretudo através das redes sociais e dos vários blogues que têm criado para cada itinerário.

Recentemente, decidiram aglutinar toda a informação na mesma plataforma – Viajar entre Viagens – onde publicam os seus relatos e, ao mesmo tempo, fazem divulgação científica, já que tantas vezes as viagens têm um «lado B» que interessa a quem estuda os fenómenos e os mistérios da natureza. Estão sempre em contacto com outros viajantes, para trocar histórias e informações pertinentes. «Temos todos a mesma doença», admite Carla, entre duas gargalhadas.

A patologia sai-lhes cara, mas para pagar as viagens vão abdicando do que podem ao longo do ano. «São escolhas», esclarece Rui. Sem remorso. Dos cinco continentes, falta-lhes a Oceânia, onde ainda não estiveram porque durante o verão europeu é inverno na Austrália e na Nova Zelândia.

À medida que vão desbravando países, trazem consigo pequenas recordações que já lhes transformaram a casa num autêntico «museu etnográfico». Há peças para todos os gostos, desde o chapéu dos monges do Tibete aos trajes típicos da Mongólia e da Sibéria. O espaço já vai faltando, mas há sempre onde arrumar mais um instrumento musical ou a estátua de uma divindade desconhecida.

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Texto de Bárbara Cruz
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