Partiram de Portugal em 2015 e não planeavam voltar antes de 2017. Daniela e Tiago saíram de bicicleta de Edmonton, no Canadá, e juram que só param na Argentina. Sempre a pedalar para sul.

Texto de Bárbara Cruz

A preparação começou em 2013: para ela, que nunca andava de bicicleta, foi preciso comprar uma e começar a pedalar; ele, que andava de bicicleta quase todos os dias, ia alimentando o bichinho, que ela lhe passara, de conhecer sítios novos, lugares diferentes, sair do país. Também nesse ano, Daniela Toscano e Tiago Esteves criaram o blogue América a Pedal. Queriam documentar a preparação e – porque não? – inspirar outros a fazer como eles.

Passaram dois anos a poupar, a vender o mobiliário, a oferecer à família o que tinham em casa, a planear trajetos. Em julho de 2015, apanharam o avião para o Canadá e saíram de Edmonton, no estado de Alberta, a pedalar em direção a sul. Objetivo: chegar à Argentina, no extremo oposto, em dois anos.

«Percebemos que é uma forma de viajar muito especial e que pode ser também bastante económica», explicam por e-mail.

Tiago é militar e pediu licença sem vencimento. Daniela trabalhava por conta própria em consultoria de recursos humanos, e limitou-se a informar os clientes de que ia fazer uma pausa prolongada. Apesar de se conhecerem há dez anos e de já terem feito outras viagens juntos, este foi o primeiro grande projeto em que embarcaram a dois: Daniela com 35 quilos nos alforges pendurados na bicicleta, Tiago com 40. «Percebemos que é uma forma de viajar muito especial e que pode ser também bastante económica», explicam por e-mail, já a partir da América Latina, sobre os motivos que os levaram a escolher tão ousada forma de deslocação.

A estreia, porém, não foi auspiciosa: «Logo no primeiro dia de viagem, tínhamos planeado chegar a uma localidade que supostamente tinha parque de campismo mas, na verdade, a única coisa que havia era um terreno com uma mangueira e um lugar para colocar os dejetos das caravanas. Ou seja, nem casa de banho tinha», conta Daniela. «Mas acampámos ali mesmo e para ajudar ainda caiu uma trovoada muito forte que testou os limites de resistência da nossa tenda.»

Não mentem, o início foi difícil, também por causa do meio de transporte: «Demorámos algum tempo até encontrar um ritmo comum. Não só no que diz respeito à diferença de condição física como também à quantidade de dias que decidíamos parar em algum lugar para descansar e visitar. Como é uma viagem que exige bastante esforço físico, tivemos de aprender a respeitar as nossas diferenças.» Mas tudo se encaixou.

Agora já têm ritmos mais aproximados, «mas o Tiago continua a ter maior resistência ao esforço e a ser muito mais rápido nas subidas», diz Daniela. Viajarem juntos pelo mundo, sem outras distrações que não o respirar do parceiro na bicicleta do lado, também trouxe desafios, maiores do que os meros quatro furos nos pneus que tiveram até agora. «Tem sido uma excelente forma de nos conhecermos melhor e de reforçar a confiança que temos um no outro. Costumamos dizer que nem sempre é uma viagem romântica, porque se não é fácil estar 24 horas sobre 24 com qualquer pessoa, muito menos é fazê-lo em casal durante tanto tempo seguido e sem amigos ou família por perto.»

«Nem sempre é uma viagem romântica», dizem os viajantes. Mas a prova disso tem sido superada.

Mas a prova tem sido ultrapassada com sucesso e a decisão de cada um ter a sua bicicleta, garantem, foi a mais acertada: «Já conhecemos casais a viajar em tandem, aquelas bicicletas para duas pessoas, e achamos que essa não seria uma boa opção para nós.» Admitem que o México e El Salvador foram, até agora, os países a recebê-los com mais hospitalidade, apesar de não terem razões de queixa da América do Norte.

No parque de Yellowstone, numa das estradas mais estreitas, foram escoltados por um indivíduo que seguia de automóvel e fez questão de os manter em segurança, provocando uma enorme fila de carros atrás deles. Tiveram de parar e agradecer-lhe o gesto, garantindo que a partir dali seguiam bem, para que o norte-americano os deixasse continuar sozinhos. Também tiveram convites inesperados, ainda durante a travessia dos EUA: «Um dia, uma senhora parou o carro à beira da estrada e esperou por nós, para nos convidar a ficar hospedados em casa dela naquela noite.»

O percurso tem sido flexível, sem dispensar a passagem pelos mais célebres pontos de interesse com que se cruzam pelo caminho. Mas, porque andam de bicicleta, a proximidade aos locais é mais fácil e imediata. «Obriga-nos a conviver com qualquer pessoa e a não passar só pelos lugares mais turísticos ou, supostamente, mais seguros e aconselháveis.» Na América Latina, reconhecem, contactaram com muita gente que os fascinou, pelas diferenças dos traços culturais, mas também viram cenas que repudiam. «Todas elas contribuíram para termos uma visão mais ampla de cada povo que fomos conhecendo.»

O que farão no próximo ano, depois de chegarem à cidade argentina de Ushuaia, a mais austral – é só aí que pretendem terminar o périplo de milhares de quilómetros – ainda não os preocupa. Pensam nisso, não mentem, mas assinalam que os dois anos em viagem não servem para fugir de Portugal. «Viemos para nos enriquecer e crescer como pessoas.» O plano, para já, é regressar ao velho continente e retomar a vida que tinham, mas quem sabe? «O futuro, quando chegar, será bem-vindo.» Está tudo em aberto.


Artigo publicado na edição de outubro de 2016 da revista Volta ao Mundo (número 264).


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Texto de Bárbara Cruz - Fotografias Direitos Reservados
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