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Entrevista de Ana Sofia Freitas (TSF) e Ricardo Santos (Volta ao Mundo)

Nasceu em Galveias, no Alto Alentejo, e aos 18 anos mudou-se para Lisboa para estudar Línguas e Literaturas Modernas. Foi professor em Cabo Verde, vencedor do Prémio Literário José Saramago aos 27 anos e desde 2001 é escritor profissional. Há 10 anos começou com as crónicas e reportagens para a revista Volta ao Mundo, sendo já uma parte fundamental desta família de viajantes.

Olá, José Luís Peixoto.
Olá.

Qual foi o destino mais surpreendente ou a situação mais caricata que viveu com a Volta ao Mundo?
Bem, ao longo destes 10 anos já vivi bastantes aventuras com a Volta ao Mundo e tenho uma certa dificuldade de escolher uma como a mais surpreendente. Ainda assim, lembro-me de, por causa da Volta ao Mundo, ter aceite saltar de bungee jumping da Torre de Macau, o que foi para mim uma experiência inesquecível. A Torre de Macau tem quase 300 metros de altura, quase a altura da Torre Eiffel, e saltar lá de cima – ainda que me tenham assegurado que era totalmente seguro – foi uma experiência que recordo. Mas houve muitas outras porque com a Volta ao Mundo tenho tido oportunidade de viajar em diversos continentes. Lembro-me também de ter feito uma viagem por terra, incrível, entre Dakar e Banjul, no Senegal e na Gâmbia, de ter estado na Malásia e na parte do Bornéu da Malásia. E também de ter estado em alguns territórios que nos dizem muito, até mesmo nessa viagem, como em Malaca. Diversas outras ou destinos mais paradisíacos como as Seychelles. É um leque imenso de memórias.

Ouvi falar também do festejo do golo do Éder, num bar em Hong Kong, às cinco da manhã…
(Risos) Essa foi uma experiência incrível porque éramos ali, os da Volta ao Mundo, os únicos portugueses que estávamos em Hong Kong naquele dia. Se estivéssemos no outro lado da água, se estivéssemos em Macau, teríamos encontrado bastantes companheiros para esses festejos, mas nessa noite, realmente, em Hong Kong, eram cinco da manhã e estávamos no único bar que encontrámos onde estava uma televisão a dar essa final do Europeu de futebol e foi incrível. Subimos para cima do balcão, festejámos com os chineses, foi realmente uma memória incrível estar a viver um momento tão especial tão longe de Portugal.

Nesta relação com a Volta ao Mundo também recordo que escreveu praticamente sozinho uma edição, ao jeito do Fernão Mendes Pinto.
Sim, sim, essa também foi uma experiência fabulosa porque, em 2012, surgiu essa oportunidade. É claro que essa edição tem muitas outras pessoas por trás. Para já tem os fotógrafos, que são uma parte fundamental da revista e que me acompanharam nessas viagens que foram o eixo dessa revista e que foram Miami, Moscovo e Pequim. Mas além disso, também tive o apoio de todas pessoas que faziam a revista e que contribuíram de uma forma decisiva para chegarmos àquele resultado.

Imagino que a viagem à Coreia do Norte tenha sido determinante e muito marcante para si. O que tem de tão especial a Coreia do Norte?
Bem, a Coreia do Norte, por vários motivos, é um país que chama muito a atenção. Nós sabemos o quanto ele está nas notícias com frequência e também uma das razões para isso é a sua história particular. É um país que surgiu depois da Guerra da Coreia nos anos 50 e que evoluiu até sob o ponto de vista, se quiseremos, ideológico – ou pelo menos sócio-político – de uma forma que é um pouco única no panorama internacional. Esse aspeto é desafiante porque, efetivamente, é uma realidade que, inclusivamente no seu quotidiano, é muito diferente de todas as nossas referências. Mas depois é claro que também há toda uma outra dimensão que ainda aprofunda mais essa curiosidade que desperta, que é a grande diferença civilizacional que apresenta. Não nos podemos esquecer que toda a península da Coreia existe num lugar muito distante daqui, com uma história que é muitíssimo diferente, o que faz com que existam valores diferentes, formas de ver o mundo diferentes que também precisamos, de certa forma, interpretar para depois chegar a essas outras questões.

E como é que conseguiu em seis meses apenas escrever um livro sobre a Coreia do Norte, tendo em conta a riqueza de experiências que deve ter tido?
Na verdade, o mais difícil não foi escrever aquele texto em seis meses. O mais difícil foi, no curto espaço que tive de visitar a Coreia do Norte, apreender material que fosse suficiente para justificar um livro. É claro que há aí um aspeto importante e que, de certa forma, é um tempo fora desse tempo e que depois acaba por ser muito relevante, que é o aspeto de que a Coreia do Norte, por estas questões de que falei, é um espaço que necessita de muita contextualização e essa contextualização, claro, também faz parte do livro. E essa foi feita antes de visitar o país, até também para estar preparado para, no momento, perceber um pouco – ou tão bem quanto possível – aquilo que estava ali a testemunhar. E essa foi feita com livros, documentários e com toda a informação que consegui reunir.

E consegue rapidamente destacar um episódio, um único episódio que tenha vivido lá e que o tenha surpreendido?
Bem, eu na Coreia do Norte vivi muitos episódios surpreendentes, até porque depois regressei lá. Visitei a Coreia do Norte cinco vezes e aí recolhi episódios que, para mim, são muito incríveis. Por exemplo, na Coreia do Norte os estrangeiros estão sempre acompanhados por o que se chama guias, mas que são, no fundo, representantes do regime. E houve um momento em que se esqueceram de mim numa estação de metro e em que eu fiquei sozinho lá. Foi um momento incrível e durante, talvez, cerca de uns 40 minutos, andei sozinho até ser encontrado, digamos assim.

Mas sentiu-se perdido?
Não, não me senti perdido, até porque um estrangeiro na Coreia do Norte é como um marciano, um ser que não vai muito longe, mas foi uma experiência incrível porque também já sabia o valor – até para esses tais guias – do que representa terem perdido um estrangeiro daquela forma. Mas houve outros momentos também, alguns momentos de tensão, como por exemplo com alguns oficiais, inclusivamente algumas saídas do país em que houve ali algumas questões. Ou também entradas, às vezes até fruto de materiais que se levavam e eram muito inocentes. Por exemplo, levar uma revista Volta ao Mundo para a Coreia é completamente impossível, porque são informações que ali não são autorizadas. Mas também há um outro aspecto que é muito importante e que a mim me marca muito, que é a possibilidade – ou a memória de – falar com certas pessoas, de olhá-las nos olhos, de ter alguma partilha. Ou pelo menos a partilha possível a um nível humano, que depois dá uma dimensão muito diferente a toda essa abstração, digamos assim, se estivermos a ver a Coreia do Norte desde aqui.

Outro dos destinos que resultou em livro, nas suas viagens, foi a Tailândia. É um dos destinos que fazem parte do top dos seus preferidos?
É muito curioso porque, de certa forma, tanto a Coreia como a Tailândia são lugares que nasceram um pouco das colaborações com a revista Volta ao Mundo. E mais tarde depois escrevi sobre eles em livro, o que acaba por ser um espaço diferente e que permite uma abordagem diferente, porque uma revista naturalmente tem o seu espaço, tem o seu tom, tem a sua linha editorial e um livro acaba por ter outras dimensões. No caso da Tailândia, é um país que eu já tinha visitado até para escrever sobre ele na revista Volta ao Mundo e que fiquei com muita vontade de descobrir melhor e de aprofundar nesse espaço de liberdade que é um livro. E foi o que aconteceu. Efetivamente, é um lugar a que também tenho regressado bastante e que, inclusivamente, também tenho feito bastantes amizades na Tailândia e tenho descoberto novas dimensões desse país, que é um país que tem muito para descobrir para lá de uma camada mais superficial do turismo.

Tem muitos destes locais onde queira sempre voltar? Ou a Tailândia é um caso único?
Não, existem alguns. Um deles é a China, por exemplo, que é um país imenso e infinito que também envolve imensas questões, não só sob o ponto de vista sócio-político, mas também sob o ponto de vista civilizacional, não é? Estamos a falar de uma civilização imensa e milenar, mas existem muitos outros, noutros continentes também. Na verdade, a Ásia tem sido um continente que, de certa forma, me tem puxado, até pelo seu exotismo, por toda essa curiosidade que desperta, mas existem outros e existem outros pontos. Sei que são quase infinitos. Estou a lembrar-me do Brasil, da África lusófona.

Que viagem lhe falta fazer, aquela viagem de sonho?
Faltam-me fazer muitas, mas há uma viagem que eu já há muitos anos que tenho como a viagem que gostaria de fazer e que seria no Pacífico Sul. Mas efetivamente é uma viagem tão cara… as ilhas do Pacífico Sul a partir de Portugal são destinos que têm de ser feitos num momento em que haja essa disponibilidade económica, porque logo os voos são muito, muito pesados em termos de preço. Mas ainda não desisti e acredito. Já andei um pouco ali naquela região, já estive em Timor, no Havai, mas ainda não fui mesmo ali à Polinésia e a essas ilhas que um dia gostaria de visitar.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.

Imagem de destaque: João Manuel Ribeiro/Global Imagens

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