Um jornalista e uma blogger levaram os filhos de férias pela Europa. Foram vinte dias e mais de 6500 quilómetros de estrada, de Portugal à Bélgica, passando por Espanha, França, Itália e Suíça. Dicas e sugestões para que tudo corra sobre rodas.
Texto de Luís Costa Branco
Fotografias de Fernando Marques e Shutterstock
Viajar pela Europa de automóvel com duas crianças (abaixo dos 5 anos), durante três semanas (sem reservas de hotel ou alojamento feitas com a recomendável antecedência) deve andar bem perto do oposto do cenário ideal de umas merecidas férias. Pois foi isso mesmo que fizemos. Foram mais de 6500 quilómetros em vinte dias, 24 sobre 24 horas. Os quatro. Sempre juntos.
O primeiro, e mais importante, balanço a fazer é positivo: não houve acidentes, ninguém ficou doente e as discussões a bordo, entre os mais novos, limitaram‑se a uma menor capacidade de partilha do pacote de bolachas, da água nas garrafas ou à saturação de estarem sentados nos – poucos – troços em que fomos forçados a «esticar» a corda.
Havia um objetivo teórico nestas férias: chegar a Geraardsbergen, em plena Flandres Oriental na Bélgica, para conhecer o mais recente membro da família, Onyx. O outro propósito mais interesseiro era mostrar ao nosso filho mais velho, com 5 anos, alguns dos locais que já começam a fazer parte do seu imaginário: a Torre de Pisa e a Torre Eiffel (por causa dos desenhos animados e dos filmes), Monte Carlo (devido ao gosto que tem por corridas de automóveis), mas também alguns estádios míticos do futebol mundial porque, de repente, tornou‑se um fanático da bola.
Para que o percurso fosse o menos maçudo possível, pensámos em algumas rotinas que, genericamente, resultaram. Os dois tablets de casa foram «convocados» e descarregámos umas aplicações com jogos e filmes que permitiram suavizar o peso dos quilómetros. Essencial também foi o «atendimento a bordo»: fruta, bolachas, alguns snacks (há que relaxar porque estão de férias e dentro de um carro durante algumas horas) e, claro, muitos líquidos.
Foi com estes estratagemas, misturados com doses de paciência, que se fez esta viagem. Recomendamos, mesmo nestas idades, que antes da viagem se converse bastante sobre o que vamos ter pela frente. Convirá explicar que vamos estar algumas horas seguidas dentro do carro, mas que no final do dia vamos ver este ou aquele local – um castelo, um monumento, um estádio de futebol – que tanto queriam conhecer ou vamos estar na cidade onde mora ou viveu determinada pessoa que possam reconhecer.
Posto isto, saímos a meio de uma manhã de Lisboa rumo a Madrid. A meta era chegar à capital espanhola a meio da tarde, a tempo de ainda podermos revisitar partes da cidade. Na véspera, usámos o Airbnb para marcar um pequeno apartamento no bairro de Atocha.
Ficámos a uma distância confortável – para duas crianças destas idades – da Plaza Mayor, de forma a podermos dar um pequeno passeio antes ou depois do jantar. A maior surpresa no apartamento foi o chuveiro no terraço que permitiu um daqueles banhos épicos. Estavam cerca de 35 graus às seis da tarde e, passados quase seiscentos quilómetros na estrada, foi enorme o prazer de um duche com os telhados de Madrid no horizonte. A passagem por Barcelona foi isso mesmo. Uma passagem. É uma cidade que merece ser visitada com tempo e, sinceramente, a proximidade permite projetar com ligeireza um regresso.
«Para que o percurso fosse o menos maçudo possível pensámos em algumas dinâmicas e rotinas em família que, genericamente, funcionaram.»
Nessa noite que passámos em Barcelona, aproveitámos a internet do apartamento – por sinal, o mais caro de toda a viagem – para marcar alojamento no destino seguinte: Montpellier.
A manhã seguinte começou como iriam começar tantas outras nas semanas seguintes: arrumar as tralhas e replicar, na bagageira, o puzzle de malas para que tudo voltasse a caber. Depois de atestarmos o depósito, lá fomos ao Camp Nou comprar uma camisola do Neymar, apesar de já se estar a desenhar a transferência para o Paris Saint‑Germain. De Barcelona seguimos em direção a Girona e até Montpellier foram cerca de 250 quilómetros, sempre com o Mediterrâneo no horizonte. É uma área onde a paisagem é marcada por vários braços de água e pela presença constante de barcos de recreio. A vila de Sète, considerada como a Veneza da região de Languedoc, merece uma visita demorada e, quem sabe, até uma estada. O ambiente é acolhedor e a paisagem, a gastronomia e a bebida são justificações fortes para um regresso.
Montpellier é a cidade francesa que mais se desenvolveu nas últimas duas décadas. O contraste entre a zona histórica e o resto da cidade é enorme. A área mais antiga tem trânsito condicionado e as ruas apertadas, com muitos prédios da Idade Média, transportam‑nos para outros tempos. Acontece que essa viagem no tempo não se torna pesada porque é uma cidade onde quase um terço da população residente é estudantil, muitos deles em intercâmbio, o que contribui para uma onda de descontração generalizada.
Montpellier, nomeadamente na zona histórica, parece estar sempre de ressaca durante a manhã e só a partir das cinco da tarde é que a vida regressa às ruas. Os bares e os restaurantes começam a montar as esplanadas e rapidamente o burburinho ganha outra dimensão. A cidade tem uma das maiores zonas pedonais de França e, em plena praça central, são visíveis enormes blocos de cimento – como os que temos a separar as autoestradas portuguesas – a delimitar as zonas onde há tráfego automóvel ou que são de transportes públicos.
«Montpellier, nomeadamente na zona histórica, parece estar sempre de ressaca durante a manhã. Só a partir das cinco da tarde é que a vida regressa às ruas.»
A beleza da cidade e a necessidade de poupar os miúdos a desgastes diários de centenas de quilómetros levaram‑nos a ficar dois dias em Montpellier. Assim sendo, ao segundo dia, fomos dar um saboroso mergulho numa das praias viradas para o Mediterrâneo e que fica a pouco mais de cinco quilómetros do centro da cidade. A temperatura da água fez lembrar a Madeira, ainda que o vento forte tenha estragado o final de tarde.
Saímos de Montpellier com o objetivo de dormirmos já em Itália. Nessa manhã, marcámos um quarto num hotel em Ventimiglia (convencidos pelas fotografias) e, como se vai perceber mais à frente, mal sabíamos o que nos esperava. Para esse dia, decidimos escapar às autoestradas para desfrutar da paisagem provençal e almoçar quando e onde nos apetecesse.
As estradas nacionais permitem, além da poupança em portagens, conhecer aldeias e vilas que nos deixam uma ideia mais rigorosa da região. Passámos ao largo de Marselha e seguimos em direção à Côte d’Azur. Depois de um almoço rápido em andamento, tinha de haver uma recompensa. Isso aconteceu depois de uma visita-relâmpago a Saint-Tropez para ver a ostentação da marina. Pelas quatro e meia da tarde, com mais de trinta graus, decidimos parar junto a uma praia com uma água de um azul convidativo.
Vestimos os fatos de banho, dentro do carro, e vinte metros depois estávamos a dar um mergulho. Foi uma das melhores sensações destas férias. A água, a rondar os 25 graus, serviu de bálsamo.
«Passámos ao largo de Marselha e seguimos em direção à Côte d’Azur. Depois de um almoço rápido em andamento, tinha de haver uma recompensa.»
É uma zona que, sem qualquer margem para dúvidas, merece umas férias no futuro. Além da oferta acessível a uma minoria, existem múltiplas possibilidades de alojamento no golfo de Saint-Tropez. Desde os campings, com bungalows ou zonas para montar tendas, passando pelos hotéis – com mais ou menos estrelas – até aos alojamentos locais, como pequenos chalets ou apartamentos. Há preços para todas as carteiras.
Depois avançámos para Cannes e só parámos no Mónaco. A hora era de jantar e, depois de uma volta por algumas das ruas por onde passa a corrida de Fórmula 1, a escolha dos mais novos foi para uma pizaria. A carteira agradeceu e o som dos motores potentes a passar foi uma das distrações durante a refeição. Terminado o jantar, lá avançámos para a fronteira italiana de forma a chegar a Ventimiglia. Os narizes começaram a torcer quando passámos o centro da cidade e o GPS ainda nos pedia para andar mais uns quilómetros. Já na periferia, perto das onze da noite e em estradas mal iluminadas, subimos uma serra até vermos umas pequenas tabuletas com o nome do hotel. À chegada, encontrámos de facto a piscina que estava nas fotos no Booking, mas percebemos que tínhamos feito asneira nesta reserva.
Os quartos, sem ar condicionado, pareciam um cenário de uma série dos anos 1980. A minha mulher, paranoica com a higiene das casas de banho, não deixou ninguém tomar banho e, portanto, a opção foi dormir rapidamente para arrancar o mais cedo possível no dia seguinte. Nem sequer tomámos pequeno‑almoço, que, já agora, era pago à parte.
Foi com muito sol que saímos de Ventimigilia e apontámos a Pisa. Optámos pela autoestrada, onde, além da impressionante quantidade de camiões, passámos por inúmeros túneis. Em Pisa, a paragem foi curta e serviu para ver a famosa torre e tirar as fotografias da praxe numa zona apinhada de turistas. A fuga apressada de Ventimiglia nem nos permitiu reservar hotel em Florença e, por isso, tivemos de pensar numa opção de recurso. A solução foi ficar, na primeira noite, no Camping Village Internazionale nos arredores da cidade. Escolhemos um bungalow e os miúdos adoraram a experiência de ficarem «acampados» no meio das árvores e poderem andar com alguma liberdade.
No dia seguinte, lá nos mudámos para uma casa encontrada no Airbnb e que ficava a dois quarteirões da Catedral Santa Maria del Fiore. A localização permitiu vários passeios no centro histórico de Florença e ver o Palazzo Vecchio na Piazza della Signoria, atravessar a Ponte Vecchio, saborear a variedade de gelados e ver a extraordinária oferta da cidade no que respeita a roupa e calçado. Naturalmente que, com crianças tão pequenas, tornou‑se impossível visitar museus e galerias.
Seguimos em direção ao norte porque tínhamos de atravessar à Suíça e, por isso, Milão pareceu‑nos uma boa escolha para pernoitar. Foram cerca de trezentos quilómetros e, por isso mesmo, a meio da tarde já estávamos com as malas, mais uma vez, fora do carro. Fomos até à Galeria Vittorio Emanuele II e à catedral, isto depois de um lanche ajantarado, porque o dia seguinte ia ser exigente. A ideia era deitar cedo e cedo erguer porque tínhamos a intenção de dormir a próxima noite em Mulhouse, na Alsácia Francesa, após a travessia da Suíça.
Abastecidos de mantimentos, dirigimo‑nos para a fronteira e entrámos na Suíça logo depois do lago Como. Parámos na fronteira porque é necessário comprar um selo anual, na ordem dos trinta euros, para circular nas autoestradas suíças. A guarda fronteiriça foi de uma assinalável antipatia e houve um ligeiro choque de temperamentos. A beleza natural do Lago de Lugano tem um impacto enorme e, depois de passarmos pelo monte San Giorgio, chegámos a uma zona que mais parecia tirada de um filme: estradas imaculadas, ausência de pessoas nas ruas e explorações agrícolas com uma organização impressionante.
Silenen, no cantão de Uri, foi o cenário ideal para um piquenique como deve ser à beira-rio. De regresso à estrada, acelerámos – cumprindo o rigor suíço na velocidade permitida – até Basileia para aí voltarmos a território francês. A noite foi passada em Mulhouse, na Alsácia francesa, num hotel acessível e perfeitamente adequado ao espírito da viagem. A piscina, exigência constante dos miúdos, cumpriu a sua função e acabámos por jantar no hotel porque estávamos cansados depois dos quase quatrocentos quilómetros feitos desde Milão.
Com quase metade da viagem feita, o objetivo era chegar à Bélgica para ficarmos uns dias em casa de familiares. Saímos de Mulhouse cedo e queríamos pernoitar em Metz, mas uma carteira perdida num posto de combustível veio alterar os planos. Foram‑se os cartões bancários, documentos e carta de condução. Felizmente, tínhamos acabado de atestar o depósito e conseguimos chegar a Geraardsbergen, onde definimos a estratégia para o resto do percurso.
«Com quase metade da viagem feita, o objetivo era chegar o mais rapidamente possível à Belgica para ai ficarmos uns dias em casa de familiares.»
Outro ponto positivo no meio deste azar foi encontrar um cartão multibanco por ativar no meio da correspondência tirada da caixa do correio à saída de Lisboa. Contactados os bancos, os cartões foram cancelados e o cartão novo ativado. Ainda passámos por uma esquadra para participar a perda dos documentos e termos uma qualquer indicação sobre o consulado mais próximo onde poderíamos resolver a situação. Por tudo isto, o caminho até à Bélgica foi feito com alguma tensão e sem grande atenção à paisagem. Desligámos o carro em Geraardsbergen já passava da meia‑noite.
Seguiram‑se dias em família a um ritmo bem diferente do que tínhamos vivido até então. Ou seja, mais tempo para dormir, brincar, cozinhar e conhecer Geraardsbergen. É uma das mais antigas cidades belgas – tem cerca de mil anos – e é também conhecida por ter o «muro» que se tem revelado decisivo na Volta à Flandres em bicicleta. Chega ligeiramente acima dos cem metros do nível do mar, mas na Bélgica é apontado como um dos pontos mais elevados do território. Estes dias em Geraarsbergen permitiram-nos entrar numa rotina desta zona da Europa: os mercados de segunda mão em que se procura antiguidades, roupa, discos ou móveis a preços atrativos.
Recompostas as energias, regressámos a França. Optámos por ficar em Paris, a pouco mais de duzentos quilómetros, e encontrámos no Airbnb um apartamento perto de Notre-Dame. Apesar da boa localização e da agradável decoração, a televisão e a internet não estavam ativas e, por isso, iria ficar difícil entreter duas crianças que já andavam na estrada há duas semanas. Neste contexto, é fundamental ter paciência para perceber que meia hora de desenhos animados na televisão ou nos vídeos do YouTube pode fazer milagres na disposição familiar. Assim sendo, pedimos a devolução da reserva e procurámos outra solução. Um aparthotel em Montparnasse serviu perfeitamente e até ficámos mais perto da Torre Eiffel, onde fomos passear ao final da tarde e por ali ficámos para jantar.
Atravessar o território francês tem tanto de bonito como de cansativo. É um país enorme, mas a diversidade de paisagens é tão grande que ameniza o desgaste. Saídos de Paris, queríamos chegar o mais depressa possível a Espanha, mas era uma tirada impossível de ser feita de uma vez com duas crianças a bordo. Ficámos em Limoges e, mesmo assim, ainda fizemos quase quatrocentos quilómetros. Com o cansaço acumulado ninguém quis sair do quarto e a solução foi passar num drive thru de uma cadeia de fast food para satisfazer a fome.
De Limoges seguimos para Pau, junto aos Pirenéus, e aqui – apesar de mais quatrocentos quilómetros percorridos – já houve tempo para um ligeiro passeio por esta cidade histórica que tem um ambiente descontraído. Antes, na passagem pela região de Bordéus não podia faltar uma visita a uma vinha para reforçar a garrafeira de casa.
Depois de Pau, o obstáculo seguinte era entrar em Espanha. Escolhemos Sória para a derradeira paragem. É uma cidade pequena, mas com um papel importante na história medieval da Península Ibérica e das lutas entre os vários reinos que viriam a constituir o que hoje é a Espanha. O centro histórico é de dimensões reduzidas, mas muito agradável para petiscar em família. É uma cidade que vive muito do turismo e que, no verão, conhece uma «agitação diferente do registo habitual.
«Atravessar o território francês tem tanto de bonito como de cansativo. é um país enorme, mas a diversidade de paisagens é tão grande que ameniza o desgaste.»
No dia seguinte, saímos com o propósito de dormir já em casa, por isso o ambiente a bordo era de alguma euforia. Ainda parámos em Toledo para, debaixo de um calor abrasador, almoçar qualquer coisa, mas sem dúvida o que mais apetecia era entrar na planície alentejana e fazer quilómetros até atravessarmos a Ponte 25 de Abril…
Como já foi dito, o planeamento desta viagem foi reduzido. Sabíamos onde queríamos chegar e, de forma muito simples, que havia alguns pontos obrigatórios a visitar. Apontámos para viagens diárias, no máximo, a rondar os quinhentos quilómetros. Naturalmente, definimos um valor médio para dormidas e gastos com refeições para conseguirmos concretizar a empreitada. Com duas crianças, o critério de escolha de alojamento tem de levar em conta a segurança, um nível mínimo de higiene e conforto, mas também a possibilidade de se fazer refeições como se estivéssemos em casa. Por tudo isto, a exigência torna‑se maior e, naturalmente, os custos sobem um pouco. A verdade é que, pela experiência familiar e pelas memórias que ficarão para sempre, o esforço compensou, e de que maneira.
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