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Tinha 18 anos quando venceu a timidez e cantou pela primeira vez ao vivo. Entretanto, estudou pintura nas Belas Artes de Lisboa e cinema documental em Barcelona. Mas as aulas de canto no Hot Clube foram a música que tocou mais alto na vida de Márcia. O primeiro disco, lançado em 2009, trazia lá dentro um hino chamado A Pele que há em Mim – mais tarde regravado com JP Simões. A partir daí nunca mais parou: quatro álbuns editados; duetos com Samuel Úria, Luísa Sobral, Salvador Sobral, Camané ou Sérgio Godinho; colaborações com os Dead Combo, com os GNR ou com David Fonseca; canções escritas para Ana Moura, António Zambujo, Pedro Moutinho ou Ana Bacalhau. Em dezembro, sobre pela primeira vez ao palco do Coliseu dos Recreios. Viveu em Espanha e em França, mas não passa sem Portugal.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Paulo Farinha

É verdade que foi depois de viver em França que ficou a gostar ainda mais de Portugal?
Sim, sem dúvida. Acho que passei a valorizar mais o país. Aliás, eu escrevia imenso em inglês até ir viver para França. E depois acho que isso me fez aproximar daquilo que era específico na nossa língua materna – na expressão maior, que para mim é o verbo. Eu na altura aprendi francês à força: ou falava ou morria de fome, porque ali ninguém fala outra língua. Ainda por cima eu não estava em Paris, estava em Angers [Loire], um meio um pouco fechado. As pessoas não sabiam outro idioma, eu tinha mesmo de aprender francês. Mas eu também escolhi França por isso, para aprender a língua. E a partir daí comecei a perceber melhor a especificidade da nossa língua. Como nós comemos as últimas sílabas, por exemplo. Lembro-me de querer explicar a alguns amigos que tinha feito lá o que é a madrugada e de não conseguia traduzir a palavra. Tomei noção da especificidade de cada idioma e percebi que a nossa identidade coletiva, como portugueses, está muito ligada à nossa maneira de falar. Quando eu tive essa noção, rapidamente comecei a escrever em português em catadupa – e a comer as últimas sílabas, uma coisa que muita gente me criticava porque não se percebia nada. Mas aquilo para mim era uma coisa muto natural, que eu achei que devia assumir, e até hoje é uma coisa que segue nas minhas canções. Foi uma coisa muito natural, que começou a acontecer por causa dessa viagem.

Quando viaja em lazer, que tipo de viajante é?
Eu não sou nada turista. Eu gosto de ir às cidades que visito (e onde vou tocar), seja no estrangeiro ou em Portugal, na ótica do utilizador. Ou seja, vou como se vivesse lá. Não gosto de fazer aquela viagem turística para correr este museu e aquele, ir aqui e ir ali… A única vez que fiz isso foi quando estava nas Belas Artes e fui a Itália, uma viagem importante na minha vida. Fui a cinco cidades numa semana, sobretudo para conhecer alguns monumentos e sítios quer eram fundamentais para mim. Foi a única vez que estive seis horas numa fila para um museu, neste caso para a Galeria dos Uffizi, em Florença. Porque era especial e eu estudava nas Belas Artes e queria muito ir.

Nas viagens que faz em trabalho, para os concertos, consegue visitar alguns locais onde vai cantar? Ou só dá tempo para aquela trologia “aeroporto-hotel-concerto!”?
Às vezes é essa trilogia, sim. Até aqui em Portugal, o que é uma coisa que me entristece. Eu gosto muito de conhecer sempre os sítios onde vou tocar. Por isso – e já andamos nisto há dez anos – o briefing é habitualmente esse e as pessoas já sabem: enquanto eles montam as coisas, eu vou dar uma volta para ter uma ideia. Em Portugal isso é fácil. Nos outros sítios há sempre um dia de folga que eu aproveito para visitar. Agora quando fui ao Rio de Janeiro e a São Paulo tive sempre um dia de décalage, o que dava para visitar qualquer coisa. Em São Paulo não deu para muito, mas no Rio tive um day off total e andei por ali a passear. Já conhecia, porque estive lá 15 dias a gravar o meu álbum Quarto Crescente. Mas é ótimo passear assim.

E desde que foi mãe, as viagens são diferentes? Os destinos são diferentes? Pensa nisto de outra forma?
Claro (risos)! O que não é diferente depois de sermos mães? Acho que a única viagem de avião que fizemos juntos, os quatro, foi a Porto Santo. Nessa altura o mais novo tinha 1 ano (agora tem 3) e eu ia dar um concerto a um hotel em Porto Santo e podíamos usufruir da estadia durante uma semana. E eu disse: “’Bora, vamos experimentar”. Mas foi estranho. Eu não gosto muito de misturar os filhos com trabalho. Porque não consigo estar concentrada em duas das coisas que eu mais gosto de fazer e que eu faço melhor, modéstia à parte: dar concertos e ser mãe. Porque vou estar a dar o concerto e com aqueles horários e quero estar disponível para a minha equipa e para o público e não consigo porque estou preocupada se os meus filhos já jantaram ou não, se algum precisa de dormir mais um bocadinho porque está cansado, etc. Eu sou esse tipo de mãe, estou sempre muito atenta. Demasiado atenta…

Já fez alguma viagem de lazer, em família, na sequência de concertos que tenha dado em sítios que não conhecia? Já regressou aos locais que conheceu em trabalho?
Já me aconteceu ir a sítios e pensar que gostava de ficar ali algum tempo mais. Braga, por exemplo. Lembro-me de lá ir com a Carolina, a minha filha mais velha, quando ela tinha meses, e pensar nisso. Ela nasceu em Fevereiro e o concerto foi em maio. Ela ainda mamava. Acho que foi a primeira vez que fui a Braga e lembro-me de pensar: “quero vir aqui com tempo e ficar aqui a passear”. Eu gosto muito de viajar em Portugal. Lembro-me também de Miranda do Corvo. Tem um hotel ótimo, o Hotel Parque Serra da Lousã. Na altura não pude sequer ficar para uma noite e voltei mais tarde com a família para usufruirmos desse hotel. É muito bom e tem um restaurante maravilhoso. E isso também rege os meus destinos: comer.

Escolhe os destinos em função do que se pode comer aqui ou ali? Vale a pena andar mais quarenta ou cinquenta quilómetros para ir a um ou outro restaurante especial?
Então não vale? Às vezes faço um desvio para ir comer àquele sítio em particular. Isso pode salvar uma equipa. Se estivermos todos fechados em estúdio, como já aconteceu, ficamos um bocado carrancudos. E essas coisas salvam-se com um almoço. “Vamos lá todos almoçar e fazer uma pausa.” Ainda por cima em Portugal é fácil comer bem sem pagar muito. Eu recordo-me dos sítios pelos restaurantes onde eu como. Sou capaz de memorizar os sítios onde comi.

Quando falámos sobre viagens, antes desta entrevista, falou de um festival especial onde já cantou, o Festival Pirineos Sur, em 2014. Por que é que esse festival foi importante para si?
Foi muito importante, sim. Foi a primeira vez que me apartei da minha filha, tinha ela 2 anos – é importante sabermos seguir a nossa vida de pessoas e não apenas de mães. Lembro-me que dessa vez por acaso comemos bastante mal. Essa foi a parte má da viagem. Mas o sítio era lindíssimo, o auditório natural de Lanusa, sobre um lago. Foi a primeira vez que eu cantei e ouvi a minha voz nas montanhas.

Parecia o Música no Coração
Sim, sim. Eu lembro-me de estar a falar disso com um técnico. Fomos em equipa, somos sempre nove, e quando estamos fora somos uma família. Essa sensação de estarmos juntos, longe de casa, uma espécie de família, é uma sensação que nem todas as equipas têm. E eu tenho isso com os meus músicos e com os meus técnicos (até porque o meu marido também faz parte da banda). Aquela sensação de estarmos ali com o mesmo propósito, a trabalhar para o mesmo, para que o concerto corra bem, é muito boa. Uma sensação de camaradagem, que acho que ficou comigo por causa do desporto – eu jogava voleibol.

Quando estão na estrada, sobretudo no estrangeiro, isso é particularmente importante, não é?
Sim. E nós temos isso. Temos essa união. Não há ali ninguém mais importante. Somos uma equipa e uma família. E essa viagem foi importante também por causa disso. Aquele concerto foi um sucesso graças ao trabalho que fizemos juntos. E foi especial porque tivemos noção que a minha música era apreciada. Eu fui convidada porque naquele festival as pessoas gostam de ouvir coisas diferentes e naquele ano o tema era mulheres da música. Depois de mim ia cantar uma artista muito conhecida em Espanha, a Amaral, e eu tinha o auditório cheio. Eu pensava que as pessoas iam para o concerto dela a seguir, mas não. Estiveram ali o tempo todo, ouviram o concerto com atenção porque queriam conhecer música diferente. Têm essa disponibilidade, essa vontade. E apreciam. A pessoa sente respeito pelo trabalho que faz e fiquei fascinada com essa recepção.

E qual é a viagem que ainda está por fazer? Vai ser escolhida conforme a gastronomia ou não?
Também, claro (risos). Tenho vários destinos. Não consigo pensar assim numa viagem de sonho. Para já porque sou uma romântica e acho que uma viagem com o meu marido, fosse onde fosse, seria uma viagem de sonho. Se formos os dois, está tudo bem. Mas gostava imenso de ir à Índia. Tenho um fascínio pelas cores e tenho algum conhecimento de cozinha indiana.

Por que é que ainda não foi?
Porque tenho dois filhos, porque é uma viagem para ficar algum tempo, cara… Gostava que eles fossem um bocadinho mais crescidos, para aproveitarem mais. Vamos todos, um dia. Ou então vou só com o meu marido, quando eles forem mais crescidos, independentes e já não quiserem viajar com os pais.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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