Não é exagero dizer que foi o gosto pelas viagens que juntou Magda e Renato. Após casarem começaram aquele que seria o grande projeto das suas vidas – uma viagem sem data de regresso.
Texto de Bárbara Cruz
Não é exagero dizer que foi o gosto pelas viagens que juntou este casal. Magda, polaca, fez Erasmus em Madrid e decidiu passar uma semana de férias no Porto. Renato, que sempre viveu no Norte e recebia viajantes em casa – oferecia o sofá aos coachsurfers – deu‑lhe guarida na cidade. Foi assim que se conheceram e se tornaram inseparáveis: ela voltou à Polónia, terminou o mestrado e regressou a Portugal. Já falava espanhol e a adaptação não foi difícil.
No inverno de 2014, num dia sem chuva, casaram‑se numa praia em Vila Nova de Gaia. «Tivemos uma sorte tremenda com o tempo», escreve Renato, por e-mail. Todos os contactos para esta entrevista foram virtuais, já que a Volta ao Mundo os apanhou na Malásia, seis meses depois de terem começado aquele que será – pelo menos até ao momento – o grande projeto das suas vidas: uma viagem sem data de regresso.
Depois do casamento, trabalharam mais de um ano no Dubai e regressaram a Portugal. Foi deste cantinho que saíram já em maio de 2015, seguindo de carro até à Polónia, não necessariamente em linha reta.
«Sabíamos que queríamos ir para leste e até agora assim tem sido. Com raras exceções: do Vietname para o Laos e dali para Myanmar.»
Na Europa, não prescindiram do «velho Peugeot» de Renato que, com algum esforço, lhes permitiu viajar por Espanha, Andorra, França, Mónaco, Itália, Suíça, Áustria, Liechtenstein e Roménia. Largaram o automóvel em território polaco, em casa dos pais de Magda, e abraçaram os transportes públicos. Chegados entretanto ao Sul da Ásia, têm andado «literalmente em todos os tipos de transporte existentes. Autocarros, comboios, tuk‑ tuks, táxis, mototáxis, barcos, comboios de bambu e muitas, muitas motos alugadas. Já lá vão 20 alugadas nesta parte do globo», precisam.
Foi mesmo de moto, recordam, que tiveram alguns dos episódios mais caricatos da viagem, nomeadamente no Laos, onde Renato teve o infortúnio de atropelar um pintainho. «Não íamos a mais de 50 km/h quando, de repente, um grupo de oito ou dez pintainhos saiu disparado para o meio da rua. Só tive tempo de meter pé e mão aos travões, mas nem tentei desviar‑me para evitar uma queda.» Um dos animais não resistiu e Renato, condoído, voltou para trás, perguntando a uma senhora de quem eram os pintainhos. Por gestos, percebeu que o dono estaria no campo e deixou 10 mil LAK (cerca de um euro) para que a mulher lhos entregasse. Ainda a viu depositar solenemente a carcaça do animal à entrada de uma casa.
Partiram sem percurso definido: «Sabíamos que queríamos ir para leste e até agora assim tem sido. Com raras exceções: do Vietname para o Laos e dali para Myanmar.» A cruzada oriental levou‑os a chamar ao blogue que criaram East We Go, uma plataforma que alimentam com relatos da viagem. Conseguiram mesmo o patrocínio da empresa onde Renato esteve empregado no Dubai, que os financia a troco de fotografias dos locais por onde vão passando. «Não cobre os gastos, mas é uma ajuda.»
O Dubai fez parte da etapa preparatória desta empreitada sem fim à vista. Estiveram 14 meses a trabalhar nos Emirados Árabes Unidos, cada um na sua área – Magda é professora, Renato trabalha em recrutamento – para amealhar dinheiro para o projeto. «O Dubai tem um mercado de emprego muito dinâmico, confesso que tivemos alguma sorte», contam.
A viagem, longe de uma provação, só os tem fortalecido enquanto casal asseguram.
Optar por uma viagem sem regresso foi «estranho» ao início, diz Magda. Desde que se conheceram que falavam numa aventura deste género, mas garantem que só quando entregaram as cartas de despedimento dos respetivos empregos, no Dubai, é que ganharam consciência do que estava a acontecer. «Parecia tudo um pouco irreal.» Houve quem franzisse o sobrolho, naturalmente. Perguntavam‑lhes se iam mesmo desistir assim dos trabalhos, «como se o mundo tivesse acabado para nós», recordam. «Foi tão fácil deixar o Dubai como foi para nos estabelecermos por lá.» Eventualmente, família e amigos acabaram por aceitar.
A viagem, longe de uma provação, só os tem fortalecido enquanto casal, asseguram: Magda diz que só tem saudades de ter o seu próprio espaço físico, porque Renato «é muito fácil de aturar». Ele garante que até já se juntaram a outros viajantes, que foram encontrando pelo caminho, para fazer alguns percursos, mas nunca poderá separar‑se da mulher porque se desorienta facilmente. «Nunca sei o nome do hotel, nem onde é. Se nos perdermos, o que ainda não aconteceu, temos combinado ir o mais rapidamente possível à internet para podermos comunicar», confessa.
Como os destinos são decididos em função da vontade, muitas decisões «são tomadas no dia anterior». Uma conversa com outro viajante pode mudar‑lhes os planos para os dias seguintes. «Se nos sentimos bem e queremos ficar mais dois ou três dias, é isso que fazemos. A única limitação é a data do visto de cada país.»
Uma conversa com outro viajante pode mudar‑lhes os planos para os dias seguintes.
Sem metas nem certezas, dedicam‑se a conhecer o mundo, uma hora de cada vez. Não têm por ambição pisar o solo dos cinco continentes, querem apenas absorver tudo o que lhes for possível. Um dia, quando voltarem – quando? Sabe‑se lá! – devem estabelecer‑se na Polónia. Mas a vida nómada ajuda a relativizar, garante Renato. Se o que encontrarem não lhes agradar, facilmente voltarão à estrada.
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Reportagem publicada na edição 255 da Volta ao Mundo, em janeiro de 2016.