A capital da Roménia vale pelas avenidas cheias de vida, os museus e as livrarias, mas também por restaurantes que vão do tradicional ao trendy. Depois de se visitar o parlamento megalómano mandado construir por Ceausescu, a cidade banhada pelo rio Dâmbovita e uma boa base para a descoberta da Transilvânia e de outras regiões do pais dos latinos do leste.

Texto de Leonídio Paulo Ferreira

Manhã, dia 1

«Esta é a coroa dos reis da Roménia, feita de um canhão turco capturado na guerra da independência. É de aço alemão, especial, por isso brilha tanto passado mais de um século», conta-me o professor Oberländer-Târnoveanu na Sala do Tesouro do Museu Nacional de História, no coração de Bucareste. À nossa volta, é, porém, o ouro que domina. Braceletes, colares, capacetes cerimoniais com olhos que parecem fixar-nos, são inúmeras as peças a testemunhar a riqueza aurífera da antiga Dácia, que Trajano mandou conquistar para o Império Romano no ano 101. Também esse episódio da história romena, tão marcante que explica a língua latina, é relembrado neste museu, através de uma réplica da Coluna de Trajano, cópia perfeita da que está numa praça de Roma.

Mesmo sem o diretor do museu a servir de guia – conhecemo-nos dias antes numa inauguração da exposição de tesouros romenos no Mosteiro da Batalha –, este é um belo ponto de partida para descobrir Bucareste; e já mais esclarecido sobre a alma deste povo de latinos do leste. O imponente edifício foi sede dos correios e está junto ao centro histórico, onde, por entre igrejas obrigatórias de visitar pela beleza da arquitetura e das pinturas típicas do cristianismo ortodoxo, não faltam restaurantes onde provar a comida local, e também a cerveja e o vinho, cuja tradição de fabrico vem dos tempos pagãos, quando Sarmizegetusa, mais para o norte, era capital dos dácios.

É impossível não recomendar a Caru’ cu Bere, «carrinho de bebidas». Já aqui estive e não deixo de me deslumbrar com a decoração de madeira, as escadas em espiral, todo um espírito de época, no caso o final do século XIX com o rei Carol I, o da coroa de aço. Não faltam pratos tentadores, em regra carne que pode ir da vaca ao pato passando pelo porco, mas imperdível é antes de se sentar à mesa ir até junto do bar e pedir uma imperial, que virá em caneca. Há muita escolha, mas a da casa merece prioridade. Fresquíssima, de um dourado-claro, deliciosa.

Tarde e noite, dia 1

Vale a pena deambular pelo Centrul Vechi, o que resta dos tempos antigos de Bucareste antes da modernização feita na passagem do século XIX para o XX pelos monarcas Hohenzollern-Sigmaringen, alemães de origem mas com Ferdinand I, sobrinho e herdeiro de Carol I, a ter mãe portuguesa, uma filha de D. Maria II. Percorrer avenidas como a Calea Victoriei dá-nos, porém, muito mais a sentir o pulso da cidade, capital de um país que em 2007 aderiu à União Europeia e assim, quase duas décadas depois do fim do regime comunista, confirmou a sua vocação ocidental. Não tem ainda o euro e se isso obriga a câmbios (um euro são quase cinco lei) explica também preços acessíveis. Um táxi para o aeroporto Henri Coandă (inventor do primeiro avião a jato) ronda 35 lei.

À tarde, seguindo uma sugestão de Gelu Savonea, do Instituto Cultural Romeno em Lisboa, faço uma visita à Cărturesti Carusel, ou Carrossel de Luz. É uma livraria com charme, recente mas instalada num edifício antigo. O branco domina nos seis pisos, fazendo realçar os livros, a maioria em romeno, muitos em inglês, alguns em francês. A influência anglo-saxónica aqui é crescente, sobretudo entre uma juventude à vontade a falar inglês, mas o francês resiste como língua de cultura e a atração por esse idioma está impressa na própria linguagem dos romenos, que para obrigado tanto usam mulţumesc como mersi (sim, com s). Aproveito para comprar Blinding, romance de Mircea Cărtărescu.

Procuro se há obras de Lucien Blaga, escritor que foi diplomata em Lisboa. Também de Mircea Iliade, historiador das religiões que também viveu em Portugal e, como muitos romenos, se maravilhou com o parentesco linguístico. Consigo citar de cor o provérbio «cu un kil de carne si un litru de vin nu se moare de foame», que me ensinou em tempos Ioana Bivolaru. Ora, foi também a embaixadora que insistiu que deveria ir jantar ao Biutiful by the Lake, bar-restaurante que flutua numa das margens do lago Herăstrău, no Parque Mihai I, o antigo rei que morreu em 2017 e era adorado pelo povo. Prepare-se para gastar uns 30-35 euros por pessoa, entre um gin tónico enquanto aprecia o pôr do Sol e depois um jantar que pode ser um atum braseado com molho japonês ou um hambúrguer com ovo e queijo, acompanhado por cerveja ou por um tinto da adega Recas, de Timișoara, que visitei noutra ocasião e é sinónimo de qualidade. Deu para perceber que o Biutiful é para o beautiful people de Bucareste, mas aceita sem problemas crianças à mesa.

Manhã, dia 2

Fico no Capital Plaza, não é longe da Praça Victoriei e tem metro perto. Caminho talvez uma meia hora por ruas secundárias, entre ocasionais prédios art déco, até chegar ao antigo palácio real, hoje Museu Nacional de Arte, onde há obras de Lucas Cranach e de El Greco. E além dos estrangeiros, alguns romenos surpreendentes, como Nicolae Grigorescu, autor de Retrato de Maria Nacu. Claro que também há esculturas de Brancusi. O Museu George Enescu tem de ficar para outra visita.

Tarde e noite, dia 2

O almoço desta vez é rápido, num local sem fama que serve uns mici, espécie de salsichas mistas de vaca e porco grelhadas. Não tão deliciosas como as que provei dias depois numa tasca à beira de uma estrada de montanha da Transilvânia, a caminho de Brasov e Sibiu, mas a deixar adultos e miúdos satisfeitos antes de se aventurarem numa visita ao parlamento mandado construir por Ceausescu e que continua a simbolizar a megalomania final do ditador, que sempre ousou mostrar independência em relação a Moscovo mas acabou morto ainda antes do fim da União Soviética. Dizem-me que o edifício em tamanho só fica atrás do Pentágono e que tirando o sistema de ventilação sueco, todos os materiais, do mármore às madeiras, são nacionais. Não é uma reivindicação com orgulho, é uma constatação. Talvez uma das poucas boas memórias desses anos finais do comunismo seja o Steaua de Bucareste como campeão da Europa de Futebol em 1986, ainda antes da era Hagi, futura estrela do Real Madrid, do Barcelona e da seleção romena.

País grande para os padrões europeus, a Roménia chegou a ser três vezes maior do que Portugal, quando em 1918 se deu a união de todas as terras habitadas por romenos. Depois perdeu o território que hoje é a República Moldova, mas com 21 milhões de habitantes não deixa de ser um país muito diverso, do delta do Danúbio, que desagua no mar Negro, aos Cárpatos, montanhas onde a imaginação do irlandês Bram Stoker fez nascer a figura de Drácula. E o Museu das Aldeias dá uma ideia dessa diversidade, mostrando três centenas de casas típicas das várias regiões romenas, até daquelas onde a influência da minoria alemã subsiste (o presidente Klaus Iohannis, nascido em Sibiu, pertence à comunidade) ou, no caso dos húngaros, continua sólida. Fica junto ao lago Herăstrău, parque que funciona como pulmão verde de Bucareste.

Com a despedida de Bucareste marcada para a manhã seguinte, o jantar segue-se a uma visita ao antigo bairro judaico e é no centro histórico, no Hanu’ lui Manuc, um antigo caravançarai. De novo os pratos de carne em evidência e muita cerveja. Também há música ambiente, tradicional, mas nessa matéria o país tem muito melhor, essa Maria Tănase (1913-1963) capaz de ombrear com a nossa Amália, e que Paulo Bragança, fadista apaixonado pelos romenos, tem cantado em Portugal, sobretudo Lume, Lume.

Faço um brinde final, com Brâncoveanu XO, um conhaque romeno que homenageia um príncipe valáquio executado pelo sultão otomano e que é santo da Igreja Ortodoxa.


Guia de viagem

Como chegar
Bucareste fica a 3000 km de Lisboa (por estrada são 3800 km). Várias companhias aéreas fazem a ligação, com preços a partir de 300 euros em outubro (ida e volta). A Wizz Air, low cost, promete voos diretos a partir de 150 euros (ida e volta).

Em termos práticos, é preciso ter em conta as duas horas de diferença horária (a mais), a necessidade de câmbio (um euro vale cinco lei) e o inglês como língua de comunicação (também um pouco o francês). O romeno é uma língua latina e isso ajuda a perceber certas inscrições.

Onde ficar
A oferta hoteleira na capital romena é abundante para a procura. O Capital Plaza, de quatro estrelas, oferece quartos duplos a 80 euros por noite. Há opções mais em conta e, para os mais exigentes e abonados, também as grandes marcas internacionais de hotéis, como o Intercontinental, o Ramada ou o Hilton.

Onde comer
Hanu’ lui Manuc, Caru’ cu Bere e Biutiful by the Lake (os dois primeiros são tradicionais, o terceiro é trendy). A oferta é muita e acessível, mas no centro histórico os preços são turísticos.

Comprar
Máscara tradicional de madeira e pelos e cornos de ovelha, vinho e conhaque, blusas com motivos tradicionais (cuidado com as imitações made in China).

Ousadias
Voar até Timisoara, a primeira cidade da Europa a ter eletrificação pública e berço da revolução que derrubou em 1989 o comunismo. Alugar um carro (Avis, no Intercontinental) e visitar Sinaia (Palácio de Peles) e, já na Transilvânia, Brasov mais o Castelo de Bran e Sibiu. Descobrir as praias do Mar Negro.

A não perder
Museu de História Nacional da Roménia, Museu Nacional de Arte da Roménia, Museu das Aldeias, livraria Cărturesti Carusel e parlamento (marcação prévia por telefone recomenda-se).


Reportagem publicada originalmente na edição de setembro de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 299.

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