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Vive e trabalha entre Lisboa e o Alentejo. Todas as semanas. Às vezes, várias viagens na mesma semana. Outras vezes, vai e vem no mesmo dia. Entre a cidade e a planície, até Campo Maior: é lá que estão as vinhas – e se faz o vinho – da Adega Mayor, a marca de vinhos do Grupo Delta. Mas Rita Nabeiro – que está à frente dos destinos e das decisões da adega – está habituada às viagens. Não se lembra a primeira vez que foi a Espanha, mesmo ali ao lado, mas lembra-se que, só no último ano, já esteve em Marrocos, na Colômbia, na Alemanha, em França, na Holanda, na Turquia, no Laos e na Tailândia. Chegou de Madrid na semana passada, vai para Copenhaga daqui a dias. Muitas viagens são de trabalho, outras são de lazer, todas são para conhecer e saber mais. É formada em design, agora é gestora e empresaria, mas, se pudesse, a fotografia seria uma boa opção.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Paulo Farinha

Lembra-se da primeira vez que fotografou uma paisagem?
Não me lembro exatamente, mas a minha relação com a fotografia já é muito longa. Lembro-me, desde pequena, de ser fascinada por máquinas fotográficas. Até pela memória de alguns personagens de novelas (que eu admirava porque eram fotógrafas). E o meu pai sempre me passou um bocadinho essa paixão pela fotografia, que me acompanha ainda hoje.

Leva sempre a câmara em viagem?
Sempre. Sempre. E da única vez que levei uma câmara que não era a que devia ter levado, arrependi-me. Neste caso era o telemóvel.

Regressa muitas vezes às imagens que fotografou?
Algumas. Hoje em dia temos a facilidade de ter uma coisa como o Instagram, que para mim é quase um diário fotográfico – não tão “diário” como eu gostaria. É aí que consigo revisitar as viagens que fiz e passar por alguns momentos que vivi. Claro que isto acontece numa memória mais recente. Para outras coisas tenho de ir aos arquivos – alguns digitais, outros analógicos – e é sempre curioso olhar para o passado, perceber por onde já andámos e o que vivemos. E essa memória, através das lentes do tempo, vai-se modificando. Até porque a alguns sítios já fui mais do que uma vez e, de cada vez que regresso, há coisas que se mantêm no nosso olhar e outras vemos de forma diferente, porque o nosso olhar também se modifica – ou a nossa interpretação do que vivemos também se vai modificando.

A Rita é CEO da Adega Mayor. Criar marcas, definir estratégias de comunicação e de presença no mercado, vive entre vinhos e mosto e fermentação e vindima e engarrafamento. E visita muitas zonas vinícolas. Qual foi a paisagem vinhateira mais bonita que já visitou?
Posso dizer que gosto muito da minha paisagem em torno da Adega Mayor – e é realmente bonita porque é sempre diferente em função das estações do ano. Já saí à rua depois de uma chuvada e ter um arco-íris incrível sobre a vinha e essa paisagem em mudança marca-me sempre. Mas há sítios incríveis… Um deles é obviamente o Douro, com uma paisagem sempre arrebatadora. É extraordinário e é também por isso que é Património da Humanidade. Outra que é importante e que foi também historicamente interessante é a do vale de Stellenbosch, na África do Sul. É lá, no meio daquela região vinhateira, que está a última casa onde Nelson Mandela cumpriu prisão domiciliária. Depois de visitarmos aquelas vinhas, estarmos naquele local histórico, que tem até uma estátua de Mandela, precisamente no ano em que ele faleceu, foi incrível. Eu estive lá nesse ano e tinha lido há pouco tempo a biografia de Nelson Mandela, Um Longo Caminho para a Liberdade. Todos esses ingredientes juntaram-se ali e construíram essa memória especial. E, entre outros exemplos, do mais um que visitei: França. As vinhas da região de Bordéus parecem autênticos jardins. Aqueles palacetes são de uma paisagem encantada, eu diria. Napa Valley, nos EUA, também é incrível. Mas nós em Portugal temos paisagens arrebatadoras.

O que se come e o que se bebe também fazem parte da viagem e podem condicionar a escolha de um destino?
Completamente. E aí sou sempre uma fã da comida asiática. Agora mais recentemente estive no Laos e toda aquela cultura gastronómica, com muitos vegetais e muita diversidade… A comida de rua, que podemos comer num tasco mas não deixa de ser fantástica. Tudo isso, o sabor, o lado ritual… A gastronomia diz-nos muito da cultura de um povo. Nós, europeus, e sobretudo no Mediterrâneo, partilhamos muitos ingredientes e a maneira de estar à mesa e isso diz muito de nós. Há uma história engraçada que me aconteceu no Vietname: almocei com um grupo de guias turísticos e eu queria conversar com eles à mesa, queria que me contassem histórias deles. E eles mandavam-me calar. “Come. Nós não conversamos quando comemos.” E eu dizia…

Nós somos o contrário.
Sim. Eu dizia: “No nosso país é exatamente o contrário. A refeição é também para partilhar histórias.” Isto mostra como às vezes as culturas são tão diferentes e é preciso perceber o outro lado.

Uma das viagens que diz que a marcou foi o Japão. Quando viajou sozinha. Gosta dessa experiência de viajar sozinha?
Eu gosto sempre de viajar acompanhada, para poder partilhar histórias. Mas viajar sozinho tem uma coisa ótima. Essa foi a primeira viagem que fiz sozinha e eu queria muito conhecer o Japão. Na altura teria talvez 27 ou 28 anos e decidi não esperar. E por isso fui sozinha. Numa altura em que não havia ainda os Google Maps e as app com tradutores, pelo menos de forma tão acessível como hoje. Chegar lá e sentir-me “lost in translation”, literalmente, naquela cultura tão diferente da nossa, foi incrível. Já quando se embarca de Londres para Tóquio se sente essa passagem. Não sei se seria capaz de viver ali, mas o Japão tem uma cultura fascinante e tem tanto para conhecer, a nível humano, histórico, gastronómico também… Essa viagem sozinha permitiu-me desafiar-me a mim própria e deixar cair alguns receios. Quando viajamos sozinhos tornamo-nos mais abertos em relação ao outro. Conhecemo-nos melhor mas também conhecemos o outro. A minha história mais curiosa de generosidade em viagem aconteceu precisamente no Japão. Um senhor que não me conhecia de lado nenhum e, achando que eu estava perdia, guiou-me, levou-me a vários sítios e no final ainda me ofereceu uma espécie de pãezinhos que eu queria pagar e ele não deixou.

Um guia turístico improvisado.
Sim. Ainda hoje me lembro perfeitamente da cara desse senhor e foi quase o único com quem não tirei fotografias nessa viagem. Foi um bom exemplo de generosidade. Eu digo que o Japão é o país dos contrastes: temos este lado da extrema delicadeza e da atenção e, do outro lado, uma quase rejeição. Como não conseguem comunicar connosco, nem sequer falam. Mas são muito generosos. E tanto têm um lado mais introspetivo como têm outro mais…

… acelerado?
Sim. Muito frenético. E os extremos convivem neste país e é também por isso que voltaria a fazer esta viagem. Foi uma viagem de crescimento. E viajar sozinho permite isso. O crescimento, a aprendizagem, a descoberta…

O Japão fica num extremo do (nosso) mundo. Mas aqui bem mais perto há outro país, também uma ilha, que é importante para si sobretudo porque nunca visitou e gostava muito de visitar: a Islândia. Porquê?
A Islândia é um daqueles países que está na minha bucket list há muitos anos. Ainda não aconteceu porque queria fazê-lo numa altura em que pudesse ver as auroras boreais e isso só acontece entre o final do ano e abril. Enfim, ainda não surgiu a oportunidade de lá ir. Mas a Islândia tem uma beleza natural incrível. É um país com poucos habitantes e lindíssimo. Em certa medida faz-me lembrar os Açores, mas com mais intensidade.

Talvez pelo lado geológico.
Sim. Sou uma apaixonada também pelos Açores e se calhar é esse lado que me seduz tanto. Espero que seja para breve.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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