Mergulhamos no Índico com o escritor José Luís Peixoto. Este arquipélago é muito mais do que um destino de lua-de-mel. História, natureza e gastronomia para descobrir.
Texto de José Luís Peixoto
Fotografias de Rafael Reigota
Mahé
O céu parece paralelo ao meu corpo deitado. O céu é uma superfície plana e o meu corpo, à sua frente, com a mesma perfeição regular, também é uma superfície plana. Apresentam-se um ao outro, querem conhecer-se. Ao boiar na piscina do hotel, respiro lentamente. Agora é um momento separado de toda a história, aqui é fora do mundo. Não consigo sequer nomear o que existe longe daqui, as palavras desfazem-se no meu espírito.
No céu, há nuvens a desfazerem-se da mesma maneira, restam apenas alguns fios que vagueiam numa direção certa, à mesma velocidade. Sem aviso, o céu é atravessado por pássaros brancos, de caudas longas. A sua pressa não interfere com a passagem deste tempo, são pássaros quase transparentes. A meu lado, levanta-se um monte, os diferentes tons de verde aumentam ainda mais a vida dessa cor, são folhas de muitas plantas misturadas, como labaredas de verde, como um monte enorme coberto por um incêndio verde.
Do outro lado, a piscina entorna-se, formando um espelho de água lisa. Logo depois, o oceano Índico é uma paisagem sobreposta: a piscina, o oceano e o céu, como uma gradação subtil de silêncio e beleza.
Apesar das 115 ilhas de que dispõe o arquipélago, a maioria dos mais de noventa mil habitantes das Seychelles estão reunidos em apenas três. Entre estas, Mahé é a maior e a mais povoada. Além de algumas praias impressionantes, que contribuem para a imagem de marca do país, é nesta ilha que fica Vitória, a capital. O centro da cidade é assinalado por um relógio de ferro, fabricado em Londres em 1903 e, logo depois, colocado na artéria mais movimentada para honrar a memória da rainha Vitória. Normalmente, esta é considerada a capital mais pequena do mundo. A cidade foi estabelecida já no século XIX e conta com alguns edifícios de traçado colonial e interesse histórico, como é o caso da Casa Kenwyn ou do Supremo Tribunal.
Todas as quartas-feiras, em Beau Vallon, o acesso à praia transforma-se num mercado de artesanato e petiscos a preços acessíveis. A animação e a música duram até às 22h00.
O mercado é de passagem essencial para o visitante interessado na cultura do país. Nas bancas de vegetais ou de peixe, fica exposta uma boa parte das riquezas naturais do arquipélago. Não sei se é da luz, da pureza dos produtos ou dos meus olhos, mas as cores das frutas são tão vivas, têm tanto contraste, que parecem irreais de tão reais. Também no mercado, temos oportunidade de embaraçarmo-nos no novelo cultural que, ao longo dos anos, se foi enredando nestas ilhas. Há gente de muitas aparências diferentes a vender e a comprar. África, Europa e Ásia cruzam-se aqui.
Essa mistura faz-se sentir também a nível da religião. As igrejas católicas, de portas abertas, têm muita gente a todas as horas. A poucos metros do mercado, homens apenas com os olhos à mostra, tentando proteger-se do sol inclemente, restauram o pagode do templo chinês. Do outro lado da rua, o templo hindu apresenta uma profusão arquitetónica rara nestas paragens. Depois de descalçar os sapatos, sabe bem essa sombra, vigiada por imagens coloridas de Ganesh, esculpidas em madeira. O responsável pelo templo diz-me que a convivência inter-religiosa e cultural é muito boa nas Seychelles, pacífica como o mar destas ilhas. Quando ainda não havia templo hindu, conta-me, a comunidade indiana fazia as suas orações nas igrejas católicas.
Silhouette
Não tenho peso. Acredito agora que as preocupações estavam todas contidas no peso do meu corpo. Ao perdê-lo completamente, as preocupações desapareceram com ele. Não sou capaz de me lembrar das responsabilidades, flutuo entre o sal, que me pica a pele ligeiramente em pontos precisos, escolhidos por uma lei do prazer, e o sol, suave e dourado, certo. Ou seja, flutuo entre o sal e o sol. Acredito agora que este oceano foi criado para mim, para que este instante fosse possível. Não me importo de flutuar à deriva. Sei que, quando abrir os olhos, terei atrás de mim um areal branco e deserto, protegido por palmeiras, e terei um horizonte de mar e céu à minha frente, pontuado por ilhas mais ou menos próximas, recortadas pela sua própria aura. Sem peso, boiando neste mar, acredito agora que mereço esta paz.
La Passe é o nome da aldeia junto ao resort da ilha Silhouette. Não tem mais do que cinquenta habitantes, mas é a quarta ilha mais povoada do país.
Silhouette é uma das ilhas que fica diante de Mahé. Aí, na ilha grande, a partir da praia de Beau Vallon, o Sol põe-se ao fim da tarde por detrás dos contornos de Silhouette. Às quartas-feiras, essa é uma imagem a que muita gente assiste porque é nesse dia, a essa hora, que tem lugar um mercado que enche a praia de bancas com produtos e comidas locais, crioulas. Caril de peixe, polvo em leite de coco, vinho de palma, bolo de banana, de manga, de papaia: há muito para escolher. Quando anoitece, os tambores começam a tocar, as vozes fazem-se ouvir, cantam em crioulo, a dança começa.
Em Silhouette, a paz. As ondas deixam-se cair devagar sobre a areia da praia, estendem-se apenas o suficiente para refletirem um céu repleto de estrelas. A partir de Mahé, o barco demora cerca de uma hora a chegar. Silhouette é conhecida como a ilha com mais vegetação de todo o oceano Índico. As caminhadas são, por isso, uma das atrações locais. Olhando para cima, veem-se os morcegos da fruta, abrem as asas e cruzam os céus a qualquer hora do dia. Cá em baixo, as plantas disputam o espaço, algumas crescem em troncos de árvores e atravessam a distância necessária para chegarem com as raízes à terra.
Aqui, tudo é fértil. Ao passar por árvores de canela, é interessante tirar uma folha e, partindo-a, sentir o cheiro da seiva, ou arrancar um pedaço de casca e respirar o aroma dessa canela pura. Em alguns pontos dispersos, entre as plantas mais diversas, podemos também encontrar algumas vagens de baunilha, mandadas plantar ainda pela família Dauban, que foram os primeiros colonos da ilha, chegados no século XIX, e que deixaram a casa grande, agora restaurada e disponível para visitas, exemplo das habitações dos senhores coloniais. Podemos também subir ao topo das rochas de granito, lá no alto do monte, e ver toda a ilha, ou atravessá-la e, após três horas no mato, não há outro caminho, chegar às tartarugas gigantes da única colónia existente em Silhouette.
As tartarugas estão sempre presentes. No Jardim Botânico de Mahé, por exemplo, os visitantes podem alimentá-las bem de perto. Sentar-se em cima é que não.
Com outras cores, mas também na natureza mais exuberante, o mergulho é uma oportunidade que não deve ser perdida nesta ilha e em múltiplos pontos das Seychelles. Com barbatanas, óculos e um tubo para respirar, assiste-se a imagens que impressionam. Os corais e a imensa variedade de peixes ficam completamente visíveis através de águas límpidas, que permitem nitidez à magnífica riqueza deste oceano. É um privilégio de vida nadar entre estes peixes que nos rodeiam, que parecem interagir connosco, sem medo, puros e inocentes. Nadamos num mundo novo, os sons que nos preenchem os pensamentos são calmos, os movimentos são limpos.
La Digue
Enquanto flutuo nas águas da Anse Souce d’Argent, tenho a sensação clara de que tudo está bem. Há uma certeza de justiça que cobre cada detalhe do meu corpo e dos meus pensamentos. Escuto as ondas e os risos das crianças lá longe, mas não me detenho em nenhuma dessas imagens. Flutuo nas águas de uma das praias mais bonitas do mundo. A ilha de La Digue tem muitas praias extraordinárias. Quase todas estão localizadas em baías, grandes ou pequenas, com nomes como: Severe, Papate, Marron, Pierrot, entre outras.
Escolher preferências será uma opção individual e subjetiva. A Anse Source d’Argent é a mais conhecida. No caminho até ao areal, passa-se por um antigo cemitério de lápides cobertas por vegetação tropical, com o mar em fundo. Esse caminho é, também, um dos lugares onde se pode ver tartarugas gigantes. Estes animais são um dos símbolos do país. Com lentidão e simpatia, seduzem aqueles que se aproximam. Sempre dispostas a receber algumas folhas que possam ser mastigadas, são animais de outro tempo: tanto na sua aparência pré-histórica como no seu ritmo vagaroso ou na sua provecta idade, podem chegar a uns incríveis 180 anos. Na ilha de Mahé, há tartarugas gigantes no Jardim Botânico, espaço de natureza assombrosa, onde se encontram inúmeros exemplos da diversidade do arquipélago, nomeadamente diversos pés de coco-de-mer, tipo de coco originário destas ilhas e outro dos ícones nacionais.
Enquanto Silhouette recebe sobretudo casais em lua-de-mel, gente que procura e que encontra o lugar do idílico romântico, La Digue oferece outras possibilidades. Sem resorts, La Digue é a ilha das pousadas familiares. Em vez de buffets, encontramos comida caseira, à moda local, feita por habitantes locais. Na minha idade, olho com ternura para os recém-casados de Silhouette, parece-me que estão a viver dias especiais; aconteça ou que acontecer, irão guardá-los entre as recordações boas. La Digue é de outra fase da vida: as crianças com os cabelos cheios de sal, também elas a viverem dias que lembrarão para sempre.
Uma das características marcantes de La Digue são as bicicletas. Estradas e caminhos, ladeados por vegetação densa ou ao lado da praia, e bicicletas nos dois sentidos, sem pressa. A ilha tem três quilómetros de largura e cinco de comprimento. Por decreto, os veículos motorizados são quase inexistentes. Em toda a ilha, apenas existem cinco táxis. Assim, praticamente todo o trânsito é feito de bicicleta. Essa particularidade faz com que La Digue seja uma ilha de ciclistas, onde o silêncio se mistura com o canto das muitas espécies de pássaros e com a rebentação das ondas.
Sainte Anne
Eu e a água, como se fôssemos da mesma matéria. Talvez haja um estado entre a vigília e o sono, talvez tenha descoberto uma nova forma de existência. Aqui, creio em possibilidades que colocam em causa as maneiras conhecidas de ver o mundo e, mesmo, o próprio mundo. Esse é o tamanho das revelações que tenho nesta piscina de hotel, enquanto flutuo, com o corpo meio submerso, suportado pela água. Ou talvez seja eu que suporto a água. Aqui, não sou capaz de me distinguir da água.
Ao largo da cidade de Vitória, existem algumas ilhas consideradas satélites. Entre essas, Sainte Anne é a que tem mais história. Foi aqui que se instalaram os primeiros colonos em 1770, de origem francesa, vindos das Maurícias, acompanhados por escravos. Ao longo dos anos, foi também nesta ilha que se estabeleceu uma importante produção de óleo de baleia ou, mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, um reservatório de combustível militar. Mais recentemente, durante um período de sistema socialista, foi instalado nesta ilha um curioso Centro de Educação da Juventude, onde os alunos eram instruídos nas questões ideológicas do regime. Todos esses períodos deixaram as suas marcas e, apesar da força com que a natureza avança, ainda é possível encontrar alguns sinais. No entanto, o presente acaba por se sobrepor, é sempre assim.
Histórias de piratas e de centros de educação, praias para casar e floresta quase virgem. Sainte Anne é tudo isto e muito mais, sempre com a ilha de Mahé no horizonte.
Hoje, Sainte Anne é uma imagem das Seychelles atuais. A pouca distância de Vitória, cerca de dez minutos de barco, Sainte Anne proporciona longas caminhadas entre vegetação cerrada, mergulho em águas vítreas de peixes tropicais ou, para quem quiser descontrair absolutamente, praias de mar, areia e silêncio. Nos livros ilustrados, há ilhas que apenas têm uma palmeira no centro, ou duas para se pendurar uma rede. Nas Seychelles, atravessando o oceano Índico, passa-se por ilhas assim. E, às vezes, areia, mar e uma palmeira é tudo o que faz falta. Às vezes, não é preciso mais nada.
Guia de viagem
Moeda: rupia das Seychelles. 1 euro = 14,8 SCR (euro geralmente aceite)
Fuso horário: GTM +3
Idioma: creoulo, inglês e francês
Quando ir: de outubro a março o vento de noroeste traz menos chuva. De abril a setembro, é de sudeste que o vento sopra, trazendo mais humidade e força para velejar.
Ir
A Emirates voa de Lisboa para as Seychelles, com escala no Dubai, todos os dias a partir de 1000 euros por pessoa e por percurso.
Ficar
Mahé
Hilton Northolme Resort & Spa
Na mais populosa ilha do arquipélago, zona norte. Resort onde se privilegia a tranquilidade (crianças com menos de 13 anos não permitidas) e os momentos a dois. Boa opção para luas-de-mel, com praias pequenas e discretas. Destaque para o restaurante Ocean View onde os pequenos-almoços sabem ainda melhor dada a localização sobre o mar. Possibilidade de atividades como snorkelling, passeios de caiaque ou idas à vizinha praia de Beau Vallon.
Glacis, Victoria, Mahé
Tel.: +248 4299000
Villa para duas pessoas a partir de 301 euros por noite com pequeno almoço.
hilton.com
Silhouette Island
Hilton Labriz
Faz parte da lista dos mais exclusivos resorts das Seychelles, fica a pouco menos de uma hora de barco da ilha de Mahé e dela visível a olho nu. O resort tem adjacente uma pequena aldeia com cerca de 50 pessoas e uma história rica que envolve a família Douban. Serviço de excelência, praias de sonho e possibilidade de inúmeras atividades como mergulho, aulas de culinária tradicional, snorkelling ou caminhadas pela impressionante natureza desta ilha quase da fantasia.
La Passe, Silhouette
Tel.: +248 4293949
Villa para duas pessoas a partir de 525 euros por noite.
hilton.com
La Digue
Étoile Labrine
Esta pousada familiar gerida por Joanna e pelo filho Apever é o reflexo de uma ilha especial. Em La Digue não há carros particulares, apenas bicicletas e cinco táxis, além de veículos para serviços específicos de transporte ou de construção. O sossego e o silêncio imperam, lado a lado com algumas das praias mais famosas do arquipélago, como a sempre premiada Source d’Argent. Funciona em regime de meia pensão e o jantar é um dos momentos altos do dia, com uma ementa quase sempre baseada na rica cozinha creola. Quartos simples, funcionais, com pequeno jardim à frente onde se estaciona a bicicleta (aluguer a cerca de 7 euros por dia).
La Digue
Tel.: +248 4235140
Quarto duplo a partir de 120 euros por noite em meia pensão
etoile-labrine.com
Sainte Anne
Beachcomber Sainte Anne
Mesmo em frente à ilha de Mahé (a dez minutos de barco), está Sainte Anne, o local onde chegaram os primeiros colonos das Seychelles. É aí que encontramos o Beachcomber resort, 87 villas dispersas por um vasto palmeiral. A história da ilha pode servir de chamariz, mas não descure a excelente oferta gastronómica dos restaurantes do resort, bem como as praias e as atividades de mergulho, caminhada ou música.
Ilha de Sainte Anne
Tel.: +248 4292000
Quarto duplo a partir de 188 euros por noite com pequeno-almoço
sainteanne-island.com
Visitar
Victoria
É a mais pequena capital do mundo, sendo muito fácil de descobrir os principais pontos de interesse. O relógio que é réplica em tamanho reduzido do londrino Big Ben serve de rotunda ao trânsito da cidade. O Mercado central é de visita obrigatória para quem gosta de produtos frescos e exóticos. O templo hindu, junto ao Mercado, também faz parte do roteiro de quem visita Victoria. É uma cidade bem organizada, segura e com algum encanto, a fazer lembrar em dados momentos e locais as latitudes das Caraíbas e a sua herança colonial francesa e inglesa.
Beau Vallon
Todas as quartas-feiras, nesta praia, realiza-se um mercado de rua onde poderá provar os melhores petiscos das Seychelles a preços bastante em conta, quando comparados com o que se passa no resto do país. Além disso, esta praia na ilha de Mahé é o local indicado para assistir e fotografar/filmar o pôr do Sol.
Comer
A cozinha creola tem de ser destacada – e provada. Pratos como a salada de polvo, o caril o mesmo com côco ou as inúmeras variedades de peixe grelhado. Entre as muitas variedades de caril, destaque para o do morcego da fruta, um prato tradicional nestas ilhas. Em Mahé, destacamos os restaurantes Marie Antoinette (Victoria) e Plage (Beau Vallon). O primeiro pela tradição, o segundo pela localização na praia.
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