Bogotá, Medellín, Cartagena das Índias e Eixo Cafeeiro são paragens nesta viagem pelos sentidos da Colômbia. Uma experiência na primeira pessoa.

Texto e fotografias de Rafael Estefania

Chuvisca em Bogotá. Conforta-me saber que a cidade me recebe assim, não porque goste de chuva, mas porque sempre me recebeu assim e há algo reconfortante quando se sabe o que esperar. Sei também que esta chuva é passageira e que depressa virá o sol, fará calor, se levantará o vento, baixarão as temperaturas e tudo isto no mesmo dia. Inicio em Bogotá um périplo através de cidades, vilas e montanhas até chegar ao mar. Colômbia destilada em duas semanas.

A melhor forma de começar a conhecer uma cidade é vê-la do alto. Subo à Basílica de Nuestro Señor de Monserrate a 3152 metros de altitude. Daqui, a megalópole de Bogotá com os seus mais de nove milhões de habitantes, aparece e desaparece oculta pelas nuvens baixas e pela neblina. Agora vejo-te, agora não. Neste cerro, temos três das paixões dos colombianos: a religião, o desporto (centenas de pessoas percorrem o caminho íngreme a pé em vez de usar o funicular) e a refeição em boa companhia.

Famílias e amigos juntam-se para devorar com devoção pratinhos de de sancocho (sopa tradicional), queijo crioulo fundido, chicharrones e tamales nos modestos restaurantes em redor do templo. A Bogotá que se observa desde as mesas de plástico nada tem que ver com aquela Bogotá descuidada e perigosa de há uma década. O centro histórico renovado é hoje um íman para turistas de todo o mundo que, agora sim, se atrevem a percorrer as ruas de câmara ao ombro (o turismo na Colômbia cresceu cerca de 250 por cento na última década).

Os bairros de Candelaria, com o seu ar de aldeia, e El Chapinero, e sua onda hipster, são laboratórios de criatividade, com galerias de arte que competem com a arte urbana das fachadas dos edifícios, lojas de design colombiano, salões de tatuagens e piercings, cafés gourmet e a energia contagiosa nas ruas, típicas das cidades que sabem que chegou o seu momento. A Plaza Bolivar, presidida pela impressionante Catedral da Inmaculada Concepción e flanqueada pelo Palácio de Justiça, o Palácio Liévano e o Capitólio Nacional, é o verdadeiro coração de Bogotá.

A Colômbia tem 47 milhões de habitantes. É o segundo país mais populoso da América do Sul, depois do Brasil.

Miúdos com uniforme escolar dão de comer a bandos de pombos. Junto a eles, artesãos fazem pulseiras de couro e bicicletas de arame em miniatura. Um homem saído de um espetáculo de music hall da década de 1950 dança salsa frente a uma animada audiência que, incapaz de reprimir a vontade de dançar, se entrega aos primeiros acordes. Quando termina a canção, todos contribuem para esse momento de alegria espontânea enchendo de pesos o chapéu, no chão, do bailarino. Assim é Bogotá e assim é a Colômbia. Feita de momentos pequenos e enlaçada no imediato, prazerosa e hospitaleira.

Em nenhum outro lugar este espírito festivo é tão claro como no afamado restaurante Andrés Carne de Res, orgulho dos bogotanos. Eu, que cheguei a Bogotá, com água na boca perante a nova oferta gastronómica – com propostas inovadoras como o Leo, da chef Leonor Espinosa e a sua viagem gastronómica pelos ecossistemas da Colômbia, ou o El Chato, com a cozinha contemporânea do país –, vejo-me arrastado para o templo da carne e seus quatro pisos de loucura e surrealismo mágico. Orquestra ao vivo, figurantes, muito bulício e centenas de pessoas, colombianas e estrangeiras que vêm ao local para passar um bom bocado.

A Catedral de Sal fica a 48 quilómetros de Bogotá e 180 metros abaixo da terra. É um santuário católico.

Na manhã seguinte, com a aguardente ainda retumbando nas minhas têmporas, dirijo-me ao Museu do Ouro. A espetacular coleção de arqueologia e objetos de ouro pré-colombino (a maior do mundo) é uma cura perfeita para a ressaca (ou a goiaba, como aqui lhe chamam). Mais de 50 mil peças de ouro, entre elas delicadas joias, surpreendentes objetos quotidianos, pequenas figuras antropomórficas e máscaras funerárias que nos olham de forma profunda pelos orifícios vazios dos olhos.

Antes de empreender caminho até ao Eixo Cafeeiro, desvio-me 48 quilómetros de Bogotá para fazer uma viagem ao centro da terra na Catedral de Sal de Zipaquirá. Mais perto do inferno do que do céu, um túnel escuro leva-me às entranhas deste santuário subterrâneo, 180 metros abaixo da terra. À esquerda e à direita abrem-se capelas e naves banhadas por uma oscilante luz de néon. No altar, uma gigantesca cruz de sal esculpida eleva-se até à abóbada – também de sal – da espetacular nave central com 22 metros de altura.

É a principal catedral da Colômbia e está na Plaza Bolívar, em Bogotá. Foi construída no início do século XIX.

Do ar, distingue-se o verde brilhante dos cafezais aos pés dos vulcões nevados da impressionante cordilheira central. Nos terrenos que os colonos arrebataram à selva há um século, encontra-se a maior riqueza da Colômbia. Aterro em Armenia e a partir daqui os nomes de todas as aldeias serão evocativos: Filandia, Cartago, Palestina, Salento… esta é a região pela qual suspiram os colombianos, a terra sonhada para comprar uma quinta e criar raízes.

Não é estranho, aqui há algo mágico que nos agarra. Desde a varanda de madeira da antiga fazenda de café Combia, convertida em hotel, vejo os cafezais surgindo entre a bruma matinal rodeados de árvores tropicais e bananeiras. No ramo de uma árvore de mangas, a poucos metros da varanda, pousa um barraquero-coronado (pássaro da região) com um escaravelho no bico. No cafezal, o chapéu panamá de um trabalhador parece mover-se sozinho entre os arbustos de café que ocultam quase por completo o seu corpo. Nas plantas, alternam os grãos verdes e vermelhos prontos a ser apanhados. O café arábica cultivado aqui produz duas colheitas por ano. O sabor e o aroma são mais suaves do que noutras variedades e contém o dobro de cafeína. No final do passeio, uma degustação de café confirma a minha ignorância e o monopólio gustativo do expresso.

Esta região da Colômbia recebeu, em 2011, a distinção da UNESCO de Património da Humanidade.

O encanto do Eixo Cafeeiro não está só entre os cafezais, estende-se às suas aldeias. Filandia é uma localidade da região de Paisa (norte da Colômbia) onde vive o realismo mágico. Cores de gamão nas fachadas das casas de madeira com varandas floridas, homens com chapéu tradicional e poncho acotovelam-se nas esquinas e uma igreja, a de María Inmaculada, com as suas três cúpulas e vocação de catedral, que surge demasiado grande para uma vila de somente sete mil habitantes. Um fotógrafo com câmara de fole imortaliza um casal enquanto a seu lado passa um velhote empurrando um carrinho com dois cavalos de peluche e duas crianças sobre o lombo.

De Filandia a Salento vou por uma estrada que atravessa a reserva natural Barbas Bremen, lar dos macacos-gritadores. Salento é a base de onde se explora o vale de Cocora e o Parque Nacional Natural los Nevados. Daqui saem os jipes carregados de turistas rumo ao vale de Cocora, onde cresce a palma-de-cera, espécie única no mundo. Nas colinas erguem-se estes gigantes esguios de sessenta metros de altura sob o olhar atento de soldados reconvertidos em polícia turística.

A sombra do Patrón é alargada e ressuscita pouco a pouco com séries, filmes e livros, produto do nosso insaciável fascínio pelos gangsters. Medellín nunca poderá enterrar Pablo Escobar, mas pelo menos conseguiu o milagre de quebrar o seu legado de violência e morte. Medellín teve grande impacto na década de 1990 quando foi a capital do narcotráfico e uma das cidades mais violentas do mundo. Hoje está de peito aberto, mostrando orgulhosa que vencer o medo e a desesperança é possível nesta urbe convertida em laboratório de políticas sociais e projetos de integração.

Na cidade da eterna primavera (em referência às suas temperaturas suaves) a primavera, agora sim, chegou para ficar. Nunca conheci ninguém mais orgulhoso da sua cidade do que os habitantes de Medellín. Do seu metro, o único da Colômbia, sempre impoluto, do seu sistema de metrocable, que mais do que um transporte urbano é uma mão estendida aos bairros das montanhas, e das suas bibliotecas e museus. O respeito e a cultura como motor de mudança.

Em nenhum outro lugar da cidade se respira essa cultura como na Plaza de Botero, com as 23 gigantescas e voluptuosas esculturas de bronze do escultor colombiano salpicadas numa praça que faz fronteira com o Palácio da Cultura, por um lado, e o Museu de Antioquía, pelo outro. Uma mulher iça o filho para as poderosas nádegas de uma estátua feminina enquanto um jovem descansa as suas sobre as patas de um bojudo gatinho. As esculturas de bronze tornaram-se douradas nas zonas ao alcance da mão, de tanto atrito.

O narcotraficante Pablo Escobar continua a movimentar milhões, agora, são turistas de todo o mundo que querem conhecer os seus poisos em Medellín.

As obras de Botero são para tocar, desfrutar, as suas curvas convidam ao contacto (não imagino uma escultura de Giacometti recebendo semelhante calor humano). Noutra praça, está o Parque das Luzes, um bosque de 300 postes luminosos que se elevam ao céu intercalados por troncos de bambu e fontes de água. Ao fundo, a vanguardista biblioteca de EPM (Empresas Públicas de Medellín) desenhada em forma piramidal, é uma alegoria à pirâmide do conhecimento.

É hora de comer e, em vez dos novos restaurantes cool de El Poblado, aproximo-me da Plaza Minorista de Candelaria, mercado onde se encontram mais de 400 frutos exóticos e pontos de comida típica da região. Nada mais típico do que a bandeja com o mesmo nome. Uma bomba calórica que, mais do que um almoço, é quase obra de arte: feijão, arroz, chicharrón, carne moída, morcela, chouriço, banana, abacate, arepa de milho e ovo frito, tudo servido numa bandeja que, a custo, tem capacidade para conter este festival da dieta campesina.

A paragem seguinte é a Comuna 13. O que foi nos anos 1980 um território hostil onde assassinos a soldo, narcotraficantes e grupos armados se moviam à vontade, é hoje o exemplo vivo de transformação urbana. As escadas rolantes que dão acesso ao bairro situado na encosta e as cores das fachadas das suas modestas casas são o cartão-de-visita de uma comunidade que venceu o medo e a violência.

O Graffitour organizado pela Casa Kolacho, centro cultural comunitário do bairro, leva-nos ao ritmo do rap por um dos percursos de street art mais interessantes da América Latina. De volta ao centro da cidade, perco-me pelo coração boémio do Parque Lleras, um jardim rodeado de bares, cafés ao ar livre e locais onde dançar a rumba até de madrugada. Para um apaixonado como eu pela salsa colombiana, os temas dos Latin Brothers, Niche e Joe Arroyo a tocar nos bares são uma tentação difícil de resistir. Apesar de tudo, contenho-me já que vim aqui em busca de outra música e outra cadência.

A noite de Medellín escreve-se com letra de tango.

A noite de Medellín escreve-se com letra de tango. Desde aquele 24 de junho de 1935, quando o avião em que viajava Carlos Gardel se despenhou no aeroporto Olaya Herrera, acabando com a vida do mito do tango, o idílio entre Medellín e o tango foi absoluto. Das centenas de locais de tango que existiram só resta aberto um punhado. Nenhum deles com tanta história e brilho como o Salón Málaga, decorado com fotos antigas de artistas e clientes e várias grafonolas para vinil onde se ouvem tangos, boleros e música antiga.

Nas gavetas de um velho móvel guardam-se sete mil peças musicais em discos de 78 rotações por minuto. O seu proprietário, Gustavo Arteaga, mostra orgulhoso uma das suas peças favoritas: um disco de cartão do século passado.

Deixo para trás Medellín e antes de me dirigir para o mar, faço uma paragem em Guatapé para trepar os 700 degraus da Piedra del Peñol, um «pão de açúcar» com 220 metros de altura, e chegar a um dos miradouros mais espetaculares da Colômbia. Por perto, a aldeia de cartão-postal de Guatapé esforça-se por conservar o seu encanto de ruas empedradas e faixas pintadas de cores, engolidas por milhares de turistas que a visitam diariamente.

A terra o avião no pequeno aeroporto de Cartagena e pela primeira vez nesta viagem sinto o abraço do trópico. Calor húmido e odor adocicado no ar a caminho da cidade colonial mais bela do planeta. Atravessar a muralha por baixo da Torre do Relógio e entrar na cidade colonial, é penetrar numa cidade de conto de fadas onde a surpresa ronda a cada esquina, com as suas casas coloniais, as suas paredes em ruínas, as suas igrejas barrocas e os seus frondosos parques.

É fácil apaixonarmo-nos por Cartagena, isso aconteceu a Gabriel García Márquez e por isso construiu aqui, frente ao mar, a única casa que possuiu na vida. Não é por acaso que a palavra amor titule os dois livros que escreveu com Cartagena como cenário (Do Amor e Outros Demónios e Amor em Tempos de Cólera). A muralha de treze quilómetros que rodeia a cidade velha permite que caminhe observando-a desde o alto enquanto respiro o ar salgado do Caribe. Daqui avistam-se ao longe as praias do bairro de Bocagrande com seu perfil de arranha-céus próprios de Miami.

Tropical chique. A expressão colou-se a Cartagena das Índias, com os seus restaurantes, hotéis-boutique e lojas de marca.

Mas uma pessoa não vem a Cartagena apenas pelas suas praias. Também vem para perder-se nas suas ruas de paralelepípedos, escutar as histórias de piratas, de opulência e de escravatura que nos contam os edifícios e praças. Passear sem rumo e sem mapa, entre palenqueras com as suas cestas de fruta na cabeça e vendedores ambulantes, é a melhor forma de conhecê-la. Para-se para tomar um sumo de fruta no Parque Bolivar à sombra das árvores, joga-se una partida de dominó e deambula-se pelo Portal de los Dulces entre bancas de coco e tabuleiros de mandioca. Tradições de aldeia numa cidade que nos últimos anos se converteu num emblema do tropical chique.

Casas senhoriais reconvertidas em elegantes hotéis-boutique como Casa Lola, Quadrifolio ou o deliciosamente decadente La Passión Hotel; restaurantes como Don Juan, Erre e Vera e lojas de moda como a ST Dom. A transformação também se sente fora das muralhas, no bairro boémio de Getsemaní, com os seus graffiti competindo na cor com a arquitetura colonial e dezenas de bares onde se prepara a noite. Mas antes disso ainda há tempo para gozar um pôr-do-sol quase irreal desde a muralha no Café del Mar. Os mesmos entardeceres que embriagaram Gabo: «Bastou dar um passo na muralha para vê-la em toda a sua grandeza à luz das seis da tarde, e não consegui reprimir o sentimento de ter voltado a nascer.»

A arte urbana também faz parte da paisagem desta cidade fundada em 1533 e batizada em homenagem a Cartagena, de Espanha.

Este é o último entardecer da minha viagem mas ainda me falta a noite em que, por fim, acabarei sucumbindo à rumba, primeiro no mítico Café Havana e depois no infame Bar Quiebra Canto. Aguardente no copo e Rebelión, de Joe Arroyo (um hino de Cartagena) a tocar no volume máximo para deixar-me seduzir pelo feitiço de uma cidade pela qual é impossível não nos apaixonarmos.


Guia de viagem

 

Moeda: Peso Colombiano (1 euro equivale a 3529 pesos)
Fuso Horário: GMT-6 horas
Idioma: Castelhano

Ir

A Air Europa tem voos diários diretos para Bogotá desde Madrid. Preço: a partir de 750 euros.

Ficar

Bogotá

Hotel Club House
CLUB-HOUSE.HOTELS-BOGOTA.COM/ES

Hotel Click Clack
CLICKCLACKHOTEL.COM/HOME

Four Seasons Hotel
FOURSEASONS.COM/BOGOTA

Eixo Cafeeiro

Hacienda Combia
COMBIA.COM.CO

Hacienda Santa Clara
SANTACLARAHACIENDA.COM

Medellín

Hotel Park 10
HOTELPARK10.COM.CO/ES/

The Charlee hotel
THECHARLEE.COM

Diez Hotel
DIEZHOTEL.COM

Cartagena das Índias

Casa Lola
CASA-LOLA-LUXURY-COLLECTION.HOTELS-CARTAGENACOLOMBIA.COM/ES/

Tcherassi Hotel
TCHERASSIHOTELS.COM/ES-ES

Hotel Quadrifolio
HOTELQUADRIFOLIO.COM

La Passion Hotel
LAPASSIONHOTEL.COM

Hotel Capilla del Mar
CAPILLADELMAR.COM

Hotel Las Américas
HOTELLASAMERICAS.COM.CO

Comer

Bogotá

Andrés Carne de Res
ANDRESCARNEDERES.COM

Leo
RESTAURANTELEO.COM

El Chato
LUREBOGOTA.COM/EL-CHATO/

Gordo
GORDOBAR.COM

Eixo Cafeeiro

Helena Adentro. Filandia
helenaadentro.com/contacts/

Brunch. Salento
ES-ES.FACEBOOK.COM/BRUNCHDESALENTO/

Medellín

Bonhomia
BEHANCE.NET/GALLERY/33563339/BONHOMIA

El Cielo
ELCIELORESTAURANT.COM/ES/INDEX.PHP/MEDELLIN

Carmen
CARMENMEDELLIN.COM

Cartagena das Índias

Don Juan
DONJUANCARTAGENA.COM

Vera
TCHERASSIHOTELS.COM/ES-ES/DINING

Cuzco
RESTAURANTECUZCO.COM/CARTAGENA

Erre
ERREDERAMONFREIXA.COM

Mais informações

Quadrante
QUADRANTEVIAGENS.PT

TUI PORTUGAL
[email protected]

Solferias
SOLFERIAS.PT

Club-Tour
CLUBTOUR.PT

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