O episódio, que agora já conta com um leve sorriso, veio apenas confirmar a sua fé na Humanidade. Depois de andar pelo mundo inteiro, defende que, com raras exceções, as pessoas são boas e gostam de ajudar o próximo, mais ainda se o virem em apuros.

Texto de Bárbara Cruz

Miriam Augusto tem 32 anos e um currículo sério de viajante. Mas há um país onde, apesar das muitas horas de viagem, aterra sempre a sorrir: a longínqua Indonésia, o primeiro país para onde decidiu viajar sozinha, aquele onde regressa sempre que lhe é permitido e, ironia do destino, o único onde sofreu as agonias de um roubo em viagem que a deixou sem nada.

No dia em que lhe levaram a carteira da mala a tiracolo estava na ilha indonésia de Flores, onde há muitos séculos passaram navegadores portugueses, no trajeto entre Timor e a Malásia. Ficou-lhe o passaporte e o dinheiro para o autocarro que havia de apanhar para Maumere, a cidade de onde partiria para Bali de avião. Antes do assalto, já tinha pago a noite num hostel e ia bebendo chá, que era oferecido, para enganar a fome. Até que o proprietário do alojamento, um «aldeão», percebeu o que lhe tinha acontecido. «Jantas comigo esta noite», disse-lhe. Ela sorriu e meteu-se no quarto, duvidando. Mais tarde, ele cumpriu o prometido e foi chamá-la para partilhar a refeição.

O problema da carteira acabou por se resolver, com a preciosa ajuda dos pais, e a viagem pela Indonésia continuou em velocidade cruzeiro. Passou por lá dois meses, no total, e o imprevisto não a demoveu de continuar sozinha a desbravar caminho: algum tempo depois, foi para as Filipinas, onde passou um mês. «Já não consigo ir a um país e estar lá menos de um mês», confessa a rir, sobretudo desde que, em 2012, começou a ponderar abrir a The Wanderlust, uma agência de viagens exclusivamente online e muito direcionada para os mochileiros que, como ela, gostam de apreciar o mais genuíno de cada país e partir à aventura por montes e vales.

«Já não consigo ir a um país e estar lá menos de um mês», confessa.

Com o projeto já a funcionar em pleno, esta aveirense tem a seu cargo três países por onde guia os viajantes que se quiserem juntar: Marrocos, Indonésia e Vietname. São os países que traz no coração, seja pelo povo, pela natureza, pela história ou pela vida selvagem. Em Marrocos, até já tem uma espécie de mãe adotiva que a recebe sempre que regressa com mais um grupo. Na Indonésia está como em casa e no Vietname adora observar a tranquilidade nos rostos, apesar da aparente azáfama urbana. «É um destino fantástico para quem quer relaxar», garante.

Foi do Vietname que trouxe uma lição de vida que recorda com humildade e olhos humedecidos: quando visitou os túneis de Cu Chi, a sul de Ho Chi Min, que eram usados pelos vietnamitas como esconderijo dos soldados norte-americanos durante a guerra, perguntaram ao guia se não existiam hoje ressentimentos em relação aos EUA. «Porquê? Todos somos humanos, todos rimos, todos choramos, todos temos família e amigos. Porque havemos de lutar uns com os outros?» A resposta desarmou-a e ficou-lhe na memória. «Fez-me respeitar mais as nossas diferenças em vez de apontar o dedo. No fundo, somos todos humanos», resume.

A próxima viagem é sempre uma incógnita, «penso num sítio e vou parar a outro», admite.

Apesar de ter formação em química, pouco tempo trabalhou na área: durante o mestrado esteve empregada num centro de ciência viva e usou o que tinha ganho para celebrar o fim dos estudos com uma viagem, a primeira grande viagem que fez só com amigos, à Índia. Já nessa altura, era sempre ela quem organizava trajetos, escolhia percursos e destinos.

Foi quando um colega viu a sua folha de Excel, com o orçamento detalhado, que decidiu desafiá-la para criar a agência. Nessa altura, percebeu que, afinal, podia trabalhar na atividade que mais prazer lhe dava. Agora, trabalho e lazer são duas faces das viagens que vai fazendo. Repete os destinos conhecidos sem problemas e vai acrescentando outros à lista já extensa de países por onde passou. Sobre todos vai escrevendo no seu blogue.

A próxima viagem é sempre uma incógnita, «penso num sítio e vou parar a outro», admite. Para este ano, e fora do roteiro da agência, já pensou na Malásia, equacionou a Costa Rica e considerou a Papua-Nova Guiné – «Ideias não faltam». Mas há uma cidade onde não quer deixar de ir, para honrar um desejo de infância. Não há muito tempo, decidiu organizar caixas antigas e encontrou um papelinho dobrado em quatro com muito cuidado, onde escreveu Cartagena em «letra de escola primária».

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Imagem de destaque: Direitos Reservados

Texto de Bárbara Cruz - Fotografias Direitos Reservados
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