Segundo a Organização das Nações Unidas, existem 193 países no mundo. Rui Daniel Silva já esteve em 102. Em termos estatísticos, dir-se-ia que este professor de piano nascido no Luxemburgo, filho de pais portugueses, conhece cerca de 53 por cento de todas as nações.

Texto de Bárbara Cruz

Aos 38 anos, fala sete línguas e tem planos para continuar a acumular destinos, sobretudo aqueles «menos comuns», admite. «As pessoas acham-me um bocado cromo», diz a rir-se. Mas o currículo de viajante que tem não é brincadeira. E apesar de tantas viagens, garante que o Paquistão foi o único país que visitou onde ninguém, daqueles com quem falava, sabia onde era Portugal. Mas os futebol salvou a honra nacional: «Conheciam o Mourinho e o Ronaldo.»

Rui Daniel deixou o Luxemburgo e veio estudar para Portugal ainda na adolescência, mas só começou a viajar a sério quando terminou o curso. Rapidamente se viciou. No início da carreira dava aulas em Aveiro – hoje vive em Leiria – e naquela altura era pianista acompanhador, dava concertos e fazia audições. Tinha três meses de férias e aquilo a que se dedicava no tempo livre era sempre o mesmo: viajar. Primeiro andou pela Europa, depois veio o resto do mundo. «A primeira grande viagem foi ao Egito. Depois atravessei o deserto do Sinai até Israel. Jordânia. Tailândia, Camboja, Vietname e Índia.»

Em 2014, decidiu tornar tudo ainda mais difícil. Com um amigo, foi para África fazer Senegal-Gâmbia-Guiné-Bissau de bicicleta. «Pode ser uma maluqueira, mas estamos mais em contacto com as pessoas. Eu podia ir para o Senegal e ficar num resort, mas nunca seria a mesma coisa. De bicicleta, acontece-me passar numa aldeia e parar. Pode parecer estranho, mas a bicicleta acaba por ser um meio de transporte mais eficaz, porque os táxis em alguns países de África só saem quando estão cheios, e se for de autocarro e vir um sítio que me interesse, não posso sair.»

O amigo que foi com ele não tinha experiência em grandes percursos, muito menos com a bicicleta como meio quase exclusivo de transporte. E se Rui prefere ir às cegas, o companheiro decidiu fazer a revisão da literatura e investigar a fundo os países por onde iam passar. «Foram duas perspetivas diferentes. Tínhamos visões distintas que acabaram por tornar a viagem ainda mais interessante.»

Mas não nega que o primeiro périplo por África em duas rodas foi suficientemente exigente para os pôr à prova. «Passámos fome», explica. Se a oferta nas grandes cidades estava à altura das expetativas, nas pequenas povoações por onde passavam nem sempre havia restaurantes e as condições de salubridade dos «estabelecimentos» abertos deixavam a desejar. Numa refeição, ofereceram-lhe um «frango que parecia morcego», mas lá foi trincando como pôde para enganar o estômago e evitar longas horas em jejum.

De bicicleta, o filho de portugueses nascido no Luxemburgo atravessou Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, Gana, Togo e Benim.

Apesar das dificuldades «logísticas», o balanço final foi largamente positivo: encantou-se com a pureza das crianças, a ingenuidade do adultos, o calor com que foi recebido. Foi o que lhe bastou para voltar a África, para pedalar por mais três países: Gana, Togo e Benim. Tal como da primeira vez, voltou a comprar a bicicleta à chegada e ofereceu-a a uma criança antes de regressar. Mas nesta segunda investida partiu sozinho.

Já prevenido para eventuais desastres alimentares, voou para Acra carregado com comida em lata. Só que nada o preparou para o que lhe havia de acontecer ao aterrar. Das informações que recolhera, bastava pedir o visto para entrar no Gana no aeroporto. Afinal não era bem assim e sem visto ou carta de convite estava ilegalmente a tentar entrar num país estrangeiro. Foi preso, levado para um posto de imigração onde passou as 24 horas seguintes a aguardar para ser deportado para Portugal. Tinha como companhia um nigeriano algemado e um norte-americano que chegara da Serra Leoa com um problema exatamente igual ao dele.

Apesar de toda a tensão, e já prestes a ser deportado, acabou por fazer amizade com os agentes da imigração no aeroporto, que lhe perguntaram o que fazia no Gana. Quando lhes disse que andava a viajar e era professor de piano, não queriam acreditar. Mostrou-lhes vídeos de concertos no YouTube e estavam em alegre convivência quando lhe foi comunicado que o voo para Istambul, onde tinha de fazer escala no regresso a Portugal, estava cheio, portanto teria de pagar uma multa, mas podia continuar viagem. Não se fez rogado e voltou a arrancar.

Rui leva balões no bolso quando vai a África. É a reação das crianças que o move.

Nem equacionou desistir, porque afinal até já tinha sido preso em Singapura uns anos antes, conta, divertido. Tudo para poupar uns trocos: devido à enorme diferença de preço do tabaco entre a Malásia e Singapura, abasteceu-se de cigarros em território malaio. Ao entrar em Singapura, prenderam-no por suspeita de tráfico e, depois de muito tentar, lá conseguiu explicar a situação e levou uma declaração escrita em como estava autorizado a fumar tabaco malaio na Cidade-Estado. Muitos destinos o marcaram ao longo do seu trajeto, mas confessa que a hospitalidade dos iranianos, a par da autenticidade africana, não lhe saem do coração.

«Na Guiné-Bissau nunca paguei dormida, as pessoas abriam-me a porta de casa», recorda. De cada vez que vai a África, leva no bolso balões para dar às crianças. «Se der balões aos meus alunos, não ligam nada. E lá, um balão chega para despertar tantos sorrisos. É maravilhoso», resume.

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Imagem de destaque: Direitos Reservados

Texto de Bárbara Cruz - Fotografias Direitos Reservados
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