Castelos, palácios e igrejas disseminados fazem parte desta paisagem de ecrãs largos e de beleza agreste e despojada. A província de Segóvia não congelou à entrada da idade industrial e poucas regiões da Península Ibérica mantêm o património e as tradições medievais em tão glorioso estado de conservação.

Texto e Fotografias de Luís Maio

Pequena cidade de província (pouco mais de 50 mil habitantes), Segóvia já foi grande, ou melhor, desempenhou um papel crucial na história peninsular. Daí um acervo patrimonial notável, sobretudo concentrado no seu centro histórico, que mais parece um museu da Idade Média a céu aberto. Na conjugação do que noutros lados é já irreconciliável – esse estatuto de atração turística de reputação internacional e uma certa autenticidade mais comum em vilas do interior – reside em boa parte o fascínio da cidade plantada no limite norte da serra de Guadarrama. É um destino clássico para uma escapadela de fim de semana para quem vive em Madrid, cada vez mais acessível desde que lá faz escala o TGV. Mas as aldeias e as vilas históricas, os parques e os inúmeros destinos de natureza da província homónima aconselham vivamente levar ou alugar um carro.

Do Aqueduto romano à arte dos esgrafitos

Alcandorada num penhasco rochoso recortado pela confluência de dois rios, àbeira da serrania que divide o centro da península em dois, Segóvia nasceu e cresceu com perfil de encruzilhada e de lugar fronteiriço. Uma importância estratégica já consagrada pelos romanos, que na segunda metade do século I construíram o famoso aqueduto de 167 arcos de pedra, erguido até 29 metros de altura, em oitocentos metros de comprimento, sem cimento nenhum. Emblema familiar da cidade, hoje ainda causa espanto e emoções fortes.

O Aqueduto foi construído para servir a cidadela, que deu lugar ao Alcázar com a Reconquista. Majestoso palácio fortificado, artigo genuíno ou versão original dos castelo de fadas – diz-se ter inspirado o da Branca de Neve de Walt Disney–, o Alcázar de Segóvia vale por si mesmo, mas também pelo que dá a ver do alto dos oitenta metros de altura (152 degraus em escada de caracol) a que se encontra o terraço da sua Torre de Menagem. De um lado, as colinas áridas da Meseta Central, do outro a cidade antiga, emoldurada por mais de três quilómetros de grossas muralhas, das quais se desprende um impressionante skyline de dezena e meia de torres românicas. São muitas e bonitas, em especial a da Igreja de Santo Estêvão, que atinge 56 metros de altura e é a maior torre românica de toda a península.

Segóvia faz parte da comunidade de Castela e Leão. Tem 52 mil habitantes e a região é povoada há 60 mil anos.

A torre de Santo Estêvão é alta, mas não tão alta quanto a torre da Catedral de Santa Maria, que atinge os 88 metros – embora chegassem a ser 108, antes de um incêndio que lhe roubou o título de templo mais alto de Espanha. As vistas lá de cima são impressionantes, mas a arquitetura e o recheio não lhe ficam atrás, incluindo três portas, 19 capelas e dois órgãos. Santa Maria já não é românica, mas gótica tardia, como bem demonstram os seus pináculos, contrafortes e, sobretudo, a sua incrível profusão ornamental. Gótica é também a vizinha Casa dos Bicos, parecida à homónima lisboeta na fachada de 671 pedras cortadas com pontas de diamante, que começou por ser um palácio e agora acolhe a Escola Superior de Design.

Além de igrejas e palácios, o que mais impressiona em Segóvia são as fachadas cobertas com Esgrafitos. Chama-se assim à técnica ornamental que consiste em cobrir fachadas com duas camadas de cores sobrepostas, para depois fazer incisões até à mais profunda e jogar com as duas. Há seiscentos modelos de Esgrafitos recenseados em Segóvia, a maior parte com motivos geométricos seriados de inspiração mudéjar. São especialmente exuberantes nas fachadas em torno da catedral, bairro primeiro desenvolvido para dar teto aos cónegos de Santa Maria. É hoje de novo a zona mais pitorescas e vibrante da cidade, cenário recorrente de numa dúzia de festivais que Segóvia organiza anualmente sob temas que vão da música à literatura, passando pelo design alternativo.

Versailles ao lado de Madrid

Entrever Versailles nos bosques de uma serra espanhola, por sinal não muito longe de Madrid, é certamente uma raridade com o seu quê de extravagância. Tão ou mais surpreendente ainda para quem chega de fora é La Granja de San Ildefonso ser um destino ultrapopular, porventura mais concorrido do que a própria cidade de Segóvia (doze quilómetros) no capítulo do turismo interno e sobretudo de famílias.

O Palácio Real tem jardins, fontes e a bênção de Filipe V de Espanha, que o mandou construir.

Rebobinando: Filipe V, Duque de Anjou e primeiro monarca da dinastia Bourbon, chegou para tomar posse em Madrid, mas acabou dececionado com os domínios reais da capital espanhola, que tinham pouco ou nada que ver com o fausto e a fantasia a que se habituara na Versailles projetada pelo seu avô, o Rei Sol. Não demorou, portanto, a adquirir o Real Sitio de San Ildefonso nas faldas da serra de Guadarrama, para construir um novo palácio e jardins à moda francesa. Os trabalhos arrancaram em 1721, em boa parte reciclando materiais de Valsaín, o antigo palácio de caça dos Reis Católicos a três quilómetros dali (ainda hoje arruinado), vindo o conjunto a ser completado pela viúva de Filipe V e beneficiado pela subsequente dinastia bourbónica.

Claro que La Granja não é bem Versalhes, ou melhor, é uma Versalhes em pequena escala. Mesmo assim os jardins ocupam para cima de 146 hectares, um paraíso verde rigorosamente humanizado, que é como quem diz desenhado a régua e esquadro, organizado em torno de 26 fontes monumentais decoradas com figuras inspiradas na mitologia grega. Os jogos de água conservam a canalização e os mecanismos originais, o que é notável, mas dependem da água que vai sendo armazenada no grande lago, o que quer dizer que hoje não funcionam em boa parte do ano. As esculturas e os dourados, que já foram símbolo de sofisticação, agora denotam uma certa pátina kitsch, mas as crianças divertem-se na mesma com as figuras fantásticas e sobretudo com os intricados labirintos, que conferem a este parque o encanto de uma Disneylândia pré-industrial.

Sepulveda tem pouco mais de mil habitantes. No terceiro domingo de julho acontece aqui a Festa dos Forais, o grande acontecimento da terra.

La Granja é o destino perfeito para levar o farnel e passar o dia ao ar livre, em qualquer caso é o tipo de local onde é mais fácil entrar do que sair. Para quem tiver outros planos, se quiser nomeadamente explorar a aldeia que cresceu em redor do palácio, integrando mansões, igrejas e cavalariças, será melhor deixar os jardins para mais tarde. Uma visita imperdível é a da Fábrica Real de Vidros, um complexo de edifícios grandiosos, na maior parte de matriz neoclássica, que ocupam uma área de 25 mil metros quadrados. Cabe destacar as colossais naves dos fornos e as infindáveis salas de exposições, onde se pode testemunhar a história da produção do vidro desde o período barroco até aos nossos dias, tanto na vertente técnica como na estética. A fábrica continua a funcionar no segmento de peças de design e luxo, dispondo de uma loja ultra tentadora, mas também de divertidas e instrutivas sessões de demonstração da produção de vidro soprado.

Terras de castelos e pinheiros

A serra de Guadarrama é rematada a norte pelos grandes espaços da meseta, extensas planuras secas e agrestes, em boa parte cobertas por bosques de pinheiros. O género de paisagem onde se circula durante quilómetros sem cruzar vivalma, até que lá ao fundo se avista uma torre de castelo ou de igreja – como se na província de Segóvia a história tivesse parado algures em finais da Idade Média. Não parou, claro, mas a verdade é que o apogeu desta tradicional zona fronteiriça começa com a repovoação sequente à Reconquista, no século XI, e atinge um pico com o apogeu da produção de lã nos séculos XVI e XVII. Depois não se passa grande coisa, fazendo que muitas terras praticamente entrem em estado de hibernação até à entrada da idade do turismo.

Resulta assim numa experiência insólita, quase alucinante, chegar a Coca (cinquenta quilómetros a noroeste de Segóvia) e descobrir no meio de nada um portentoso castelo decorado por torreões triunfais e ameias caprichosas, completamente cercado por um fosso de mais de vinte metros de profundidade. Parece o cenário de uma saga de aventuras de capa e espada, mas o castelo de Coca serviu mesmo de morada, ou melhor, de palácio fortaleza à poderosa família castelhana dos Fonseca, que o mandou construir em finais do século XVI empregando árabes «convertidos», especializados em trabalhar o ladrilho. O resultado é uma espécie de apoteose da fusão dos estilos mudéjar e gótico, aplicada à arquitetura militar. Nas imediações há mais meia dúzia de ruínas fascinantes, incluindo a imperdível torre da igreja (entretanto desaparecida) de São Nicolau. Com os seus arcos cegos desenhados até meio e depois abertos na metade superior, é a verdadeira quintessência do românico segoviano.

O castelo de Coca, século XV, é um dos melhores exemplos da fusão de estilos da arquitetura em Espanha.

Outro castelo prodigioso é o de Cuéllar (35 quilómetros a oriente de Coca), que começou por ser uma fortaleza mandado construir pelos duques de Albuquerque, em meados do século XIII, sobre outro fortim árabe, do qual só se conserva a porta sul. Foi depois ciclicamente reconstruído e ampliado, com especial destaque para o elegante palácio de fatura renascentista, mas o recheio perdeu-se, ou melhor, é hoje um museu em Nova Iorque. A compensação é que, além ou aos pés do castelo, Cuéllar conserva uma profusa herança arquitetónica e artística, incluindo uma dúzia de esplêndidas igrejas mudéjares do século XII. É mais do que o suficiente para preencher um fim de semana, sobretudo para quem quiser aproveitar os bons ares e a pacatez desta cidade de província de dez mil habitantes, a segunda maior da província de Segóvia.

Pedraza (38 quilómetros a nordeste de Segóvia) já teve 15 mil habitantes, mas agora conta menos de cem. A míngua demográfica não a impede, antes pelo contrário, de ser uma das terriolas mais amadas de Espanha. Um dos picos de afluência é o Concerto das Velas (atuação de orquestras clássicas + 35 mil velas), no primeiro fim de semana de julho, quando já se registaram para cima de 13 mil visitantes. A lotação esgotou e muita gente teve mesmo de ficar à porta no verão passado, porque a vila são quatro ruas que ligam o castelo à única porta de entrada e saída. A exiguidade e o notável trabalho de reconstrução, onde não mora o plástico nem há modernices à vista nas fachadas (algumas das quais são isso mesmo, só fachadas), contribuem para o sucesso e a reputação de parque medieval de que Pedraza aufere.

Até ao fim do verão não perca as festas da Virgem da Fuencisla (25 de setembro), patrona de Segóvia.

Sepúlveda (26 quilómetros a norte de Pedraza) conta com uma localização geoestratégica e uma história de repovoação muito semelhante. Tem as suas cintilações patrimoniais, incluindo o antigo ayuntamiento da Plaza Mayor que combina muralhas árabes, balcões renascentistas e uma fachada barroca. Não terá o pitoresco medieval de Pedraza, mas em contrapartida Sepúlveda conta com outros atrativos nas vizinhanças, em especial o ultrapopular Parque Patural de Hoces Del Río Duratón. São espetaculares os desfiladeiros que recortam o rio, serpenteando numa paisagem de uma beleza agreste e selvagem, muito rochosa e escassamente povoada de cedros, sobre as quais paira quase sempre o voo hipnótico dos abutres.


Guia de viagem

bandeira de espanha

Moeda: Euro
Fuso Horário: GMT +1 Hora
Idioma: Castelhano

Ir

A linha de alta velocidade liga Madrid (Chamartin) e Valladolid com paragem em Segóvia. São 35 minutos de trajeto e cerca de 25 euros por pessoa. Já a linha regional demora cerca de duas horas e os bilhetes ficam nos oito euros (enfe.com). Também há autocarros regulares que partem em Madrid do terminal de Moncloa e os bilhetes custam um pouco menos de oito euros (www.lasepulvedana.es). De carro, o mais rápido é apanhar a AP-6 + AP-61 (cerca de 97 quilómetros, uma hora e dez minutos), embora seja mais mais bonito e agradável para quem tiver tempo seguir pela estrada que atravessa as montanhas (CL-601) em direção a La Granja (78 quilómetros e cerca de uma hora e 45). De Lisboa são seis horas de automóvel, menos uma se sair do Porto.

Ficar

Palacio San Facundo
Palácio do século XVI convertido em hotel moderno, no centro histórico. Quartos duplosde 80 a 90 euros.
PLAZA SAN FACUNDO, 4, SEGÓVIA
TEL.: +34 921463061
HOTELPALACIOSANFACUNDO.COM

Parador de la Granja
Central, simpático, com pátios acolhedores e excelente cozinha. Duplos desde 70 euros.
PUERTA DE LA REINA, 3, LA GRANJA
TEL.: +34 921010750 E
PARADOR.ES

Hotel de la Villa
Três estrelas rústico, simples e correto, com preços algo inflacionados certamente devido à excelente localização em Pedraza. Duplos desde os 100 euros.
CALLE CALZADA, 5, PEDRAZA
TEL.: +34 921 50 86 51

Vado del Duratón
Hotel com ambiente de pensão, salão de clube de férias, jogos de tabuleiro e biscoitos gratuitos. Duplos desde 59 euros.
SAN JUSTO Y PASTOR, SEPÚLVEDA
TEL.: +34 921 540813

Comer e Beber

Villena
Ocupa o antigo Convento dos Capuchinhos e tem uma estrela Michelin, a única na cidade. O mérito vai para o jovem chef Rubén Arnanz e a sua cozinha artesanal com produtos da estação. Menu de degustação a 60 euros.
PLAZUELA DE LOS CAPUCHINOS, 2, SEGÓVIA
TEL.: 34 921 46 17 42

Meson de Candido
Instituição familiar, especializada nos clássicos da cozinha de Segóvia. Melhor lugar para comer leitão com vista para o aqueduto.
PLAZA DEL AZOGUEJO, 5, SEGÓVIA
TEL.: +34 921425911
MESONCANDIDO.ES

El Fogón Sefardí
Segóvia tem uma rica herança judaica e este restaurante faz-lhe justiça em termos de receitas gastronómicas.
CALLE DE LA JUDERÍA VIEJA, 17, SEGÓVIA
TEL.: +34 921 466 250

El Soportal
Especialidades locais, cozinha caseira e saborosa, excelente vista sobre a praça principal de Pedraza.
PLAZA MAYOR, 7, PEDRAZA
TEL.: +34 921 509826

El Fogón del Azongue
Restaurante de fraca decoração e nenhumas vistas, mas grande cozinha tradicional, esmerada e generosa.
CALLE DE SAN MILLÁN, 6, SEPÚLVEDA
TEL.: + 34 690 20 27 72

Comprar

Real Fábrica de Cristales de la Granja
Além de museu, a fábrica de vidro de La Granja tem loja com um nível de excelência equiparável à sua «prima» da Marinha Grande.
TEL.: +34 921010700 E
REALFABRICADECRISTALES.ES

Olivia the Shop
Loja de sabões, velas e produtos de cosmética artesanais, para já exclusiva de Segóvia.
PLAZA DOCTOR LAGUNA, 2, SEGÓVIA
TEL.: +34 921463068

Diablo Cojuelo
Além de loja gourmet, tem espaços de degustação de vinhos e tapas.
CALLE JUAN BRAVO, 23, SEGÓVIA
TEL.: + 34 921 462671 E
DIABLOCOJUELO.COM

La Pena e el Castillo
Duas pastelarias especializadas nas rosquillas de castrillo e outras especialidades da doçaria de Sepúlveda.
PLAZA DE ESPAÑA, SEPÚLVEDA

Mais Informações:
SEGOVIATURISMO.ES
DIPSEGOVIA.ES

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