Tânia Neves é fotojornalista e tem trabalhado pelo mundo inteiro, mas em viagem é contra o «turismo de Instagram». Sozinha, já explorou vários continentes e até se aventurou na Coreia do Norte. Traz sempre fotos e histórias novas para contar.

Texto de Bárbara Cruz

Dos 365 dias do ano, Tânia Neves passa mais de 200 fora do país. A fotojornalista de 34 anos faz as contas por alto, mas a conclusão seria sempre a mesma: para pouco tempo no mesmo lugar. Nascida em Lisboa, tem da capital as primeiras e mais doces memórias de viagens: ia de autocarro com o avô de Marvila até ao Terreiro do Paço, apanhavam o barco para atravessar o Tejo e não regressavam a casa sem irem de elétrico até à Graça. «Dávamos a volta a Lisboa nos transportes todos», conta a sorrir.

Tinha 18 anos quando começou a viajar «a sério», e muitas vezes sozinha porque não tinha quem lhe fizesse companhia. Primeiro viagens mais curtas, para destinos mais próximos, do Reino Unido a Marrocos. Aos 23 anos foi para Inglaterra estudar. Escolheu Bristol para se licenciar em Fotografia, depois de uma experiência na Católica do Porto que não lhe encheu as medidas.

Mas viver numa ilha criava-lhe dificuldades: «Nunca fui grande fã de voar», admite. Abraçou o desafio e com uma professora sueca que não tinha carta de condução, mas tirara o brevet, aprendeu a pilotar um avião, um «Cessna pequenino» que a sueca usava nas deslocações entre casa e trabalho. «O meu plano era atirar-me do avião, aprender a pilotá-lo e fazer um voo longo sozinha.» Cumpriu as três alíneas estipuladas e para a viagem de avião escolheu o Brasil, onde tinha família que ainda não conhecia. De Inglaterra para São Paulo fez escala em Amesterdão e ficou encantada. Quando teve oportunidade, candidatou-se a uma bolsa da União Europeia e mudou-se para lá, onde acabou o curso e fez uma pós-graduação. «Foi quando comecei a viajar mesmo: estava no centro da Europa com comboios para todo o lado.» Nessa altura começou também «uma espécie de blogue», o Travelling With Tânia. «Como fazia muitas viagens sozinha, tinha uma espécie de subconsciência de partilha.» Escrevia e fotografava para mostrar aos leitores. Nada de «turismo de Instagram», afiança: o objetivo nunca foi tirar fotografias nos locais turísticos, mas procurar a história por trás das pessoas. «Sou pró-globalização, mas sem perdermos a identidade. Não concordo com as pizarias no Nepal, por exemplo», explica.

Tira especial prazer da viagem quando consegue passar as fronteiras de comboio. Fê-lo na Finlândia e na Rússia antes de se dedicar a outros continentes, de onde trouxe histórias mirabolantes. «Nos EUA, vi um serial killer com os meus próprios olhos.» Estava na cidade de Alexandria, a visitar uma prima, e andava na rua a passear-lhe o cão. Um polícia gritou-lhe «lockdown», ordem para recolher imediatamente porque há uma ameaça. «E eu não sei o que é, portanto fico feita parva a olhar para ele. Até que o agente me diz que tenho de ir para casa.» Veio a descobrir que o senhor bem vestido que avistara tinha estado preso quarenta anos por furto e, no dia em que saiu da cadeia por bom comportamento, matou a filha do juiz que o condenara e quem estava em casa com ela. «Fiz o resto da viagem sempre a olhar para as pessoas e a adivinhar se tinham segundas intenções.»

Por isso desvaloriza os tão falados perigos de viajar sozinha. Em 2015, estava numa zona remota da Colômbia quando soube do atentado em Paris. «Tens preconceitos com certos destinos e tudo muda tão rapidamente», reflete. Em solo colombiano, porém, não escapou a uma aventura: na ilha de San Andres, entre a Nicarágua e a Jamaica, esteve 36 horas sem voo, sem malas e praticamente sem comer nem beber, por negligência da única companhia aérea colombiana que voava para o destino.

«Fui à Coreia do Norte e gostei. Não me identifico com a política mas é enriquecedor valorizar as nossas liberdades.»

Em setembro de 2016 partiu para aquela que foi a mais longa viagem que fez até hoje, pela Ásia. Foram cerca de oito meses, só interrompidos porque o avô ficou doente. «O meu coração já estava cá», afirma. No começo, limitou-se a marcar um voo para Moscovo e deixou o resto acontecer. Estava na Mongólia quando descobriu que um italiano com quem travara amizade ia para a Coreia do Norte numa excursão de cinco dias organizada por uma agência de viagens britânica. «Aquilo ficou a moer-me», confessa. Decidiu ir também, apesar de ter carteira de fotojornalista e noção das barreiras impostas por Pyongyang. Escreveu uma carta de intenções de viagem, que foi aprovada. No comboio para entrar no país, os oficiais que pediam passaportes e passavam revista aos passageiros tiveram de saltar das carruagens em andamento. Aparentemente, o maquinista esquecera-se de que ainda ali estavam a trabalhar.

Foi com mais 37 pessoas, o mais velho com 78 anos. Entre indianos em lua-de-mel e o viúvo que tinha perdido o amor da vida dele, encontrou até outro português, um madeirense emigrante no Reino Unido que vinha com amigos britânicos. Os turistas são tratados como reis num país em que a cerveja é fortíssima, «a comida é horrorosa», os únicos carros que passam na estrada são do governo e os cartazes na rua são todos de propaganda ao regime. Entrou em pânico quando, no metro, ficou para trás sem querer, com mais alguns companheiros de viagem. «Só me lembrava do estudante americano que tinha sido preso e pensava que não ia correr bem. Ainda por cima eu tinha uma câmara.» Mas esperaram pelos guias, que voltaram para trás para os encaminhar, e nada aconteceu. Também foi ao mausoléu ver o corpo do fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung, e do filho que lhe sucedeu, Kim Jong-il. Numa sala reservada aos pertences de Kim Il-sung, um guia chama-a com renovado entusiasmo para lhe mostrar medalhas que teriam sido entregues ao «querido líder» por Portugal. Uma era a medalha comemorativa de um aniversário de Cascais; a outra, do grupo gimnodesportivo da Escola Secundária Padre Alberto Neto, de Queluz. «E eu não me podia rir», recorda entre gargalhadas.

Diz que foi «crucificada» por ter mostrado no blogue imagens bonitas da Coreia do Norte. «No geral, fui à Coreia e gostei muito, não porque me identifique com a política mas porque é uma experiência enriquecedora para nós, para valorizarmos as nossas liberdades», refere. «Podermos escolher é muito gratificante. Assim como perceber que por trás das políticas de um país há um povo que merece oportunidades, mesmo que tenha tido a pouca sorte de nascer ali», esclarece. «Quando falo da Coreia do Norte não minto nem omito. Falo da experiência que tive.»

Tânia Neves tirou o maior partido do frio e da paisagem impressionante na Islândia.

Depois de Pyongyang, seguiu para China, Índia, Nepal, Camboja e Vietname, onde comprou uma moto – «a acelera Dora, a encantadora» – e fez 3400 quilómetros de norte a sul. Entretanto, já foi à Islândia (veja a fotografia acima) e nas próximas viagens vai conhecer Chernobyl e a Transnístria, na Moldávia. E até já tem um esboço para explorar África. Quem sabe, numa Renault 4L com uma amiga francesa, diz a rir-se.

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Artigo publicado originalmente na edição de maio de 2018 da revista Volta ao Mundo, número 283.

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