Dos paços seculares às quintas onde apaixonados pelo vinho trabalham o potencial das castas tradicionais, passando por restaurantes e lugares de prova, há todo um mundo em Ponte de Lima. Nesta nação de casta loureiro, onde nasce o vinho verde com alma de Minho, cruzamo-nos com pessoas e com lugares, sentamo-nos à mesa com as inesquecíveis comidas regionais. Aquelas que casam surpreendentemente bem com este vinho singular.

Texto de Alfredo Teixeira
Fotografias de Igor Martins/Global Imagens

Comer e beber

José Gomes ainda esteve numa outra casa especializada em peixes e mariscos antes de, aos 23 anos, se estabelecer por conta própria. Fundou o restaurante A Carvalheira, em 1995, na freguesia de Arcozelo. Logo o local se tornou paragem obrigatória para residentes e visitantes do Alto Minho. O sucesso, diz, «está em gostar de hotelaria». Mas só isso não chega. «O segredo é ser um bom chef e ter um bom cozinheiro», defende.

Em 2014, o empresário transferiu A Carvalheira para novo espaço com melhores condições, jardins e parque automóvel. O ambiente do restaurante, agora localizado em Eido-Velho, Fornelos, é mais acolhedor e requintado. Os pratos continuam a traduzir o que de melhor a cozinha tradicional minhota tem para oferecer. O sarrabulho de Ponte de Lima, o bacalhau com broa (foi a primeira casa a fazer a iguaria há 25 anos, sendo hoje um prato confeccionado um pouco por todo o país), o pernil de porco assado no forno, o cabrito assado e as deliciosas sobremesas: leite-creme, pera borrachona e o impagável pudim abade de Priscos.

Na cozinha quem manda é Maria Teresa, a irmã. Na sala o filho, Ricardo, divide o atendimento e começa a tomar as rédeas da gestão. Uma das mais-valias é a garrafeira com 300 a 400 referências de vinhos, com destaque para os verdes da região.

A Taverna Vaca das Cordas existe desde 2005 e é uma referência em Ponte de Lima. O bacalhau à casa e o misto de carnes (da certificada raça minhota) destacam-se na carta onde se aposta em receitas como polvo grelhado, costela de vitela minhota, gambas grelhadas e medalhão. A garrafeira é vasta com destaque para as oito referências de vinho verde.

Fernando Lima nunca foi «muito dado a estudar» e relembra o ultimato dado pelo pai assim que fez 21 anos. «Ou estudas ou então tentas montar um negócio», recorda. Ao longo de três salas, o visitante é convidado a entrar numa homenagem à tauromaquia, às feiras de cavalos e às festas da Vaca das Cordas, uma secular tradição que remonta ao século XV e que todos os anos, pelo mês de junho, atrai milhares de visitantes a Ponte de Lima.

Um dos espaços de petiscos mais recentes da vila é a Casa da Terra, junto à ponte medieval. «Apenas temos um vinho para quem não aprecia ou não pode beber do nosso verde», diz Cristina Lima, a responsável. Nas prateleiras domina o vinho verde, desde as referências da adega cooperativa local até aos vinhos de autor produzidos nas diferentes quintas agrícolas do concelho. Para os mais novos há sumos naturais e limonadas.

O verde acompanha chouriço de carne assada, chouriço de cebola com broa e puré de maçã, alheira com amêndoas torradas, ovos mexidos ou cogumelos recheados. E ainda tábuas de enchidos e de queijo. Para quem preferir algo mais leve, a Casa da Terra, pertencente à empresa Minhofumeiro, tem ainda variadas saladas e sandes. E artesanato, para levar uma recordação para casa.

Comprar

Após um passeio à beira-rio nada melhor do que uma paragem na Gaipa Winebox, loja que abriu em dezembro mas que já conquistou o seu lugar no comércio local de Ponte de Lima. A loja pertence a uma marca distribuidora e tem vinhos de várias proveniências. O vinho verde ocupa lugar de destaque nesta pequena e agradável garrafeira. A localização não podia ser mais central, com espaço para albergar mais de 190 referências de vinho. As de verde esgotam-se facilmente. Teresa Peres recebe com simpatia. «Aqui aprende-se imenso, constantemente, porque é um setor em evolução. Sabemos tudo, dos locais de produção, da forma como são feitas as colheitas e o tratamento», refere. Pelas prateleiras, para além das garrafas, dispostas de forma original e na horizontal, há ainda compotas e geleias, chocolates e doces, tudo feito com vinho.

Outro espaço comercial é a Garrafeira Martins. Tem 80 anos de negócio e desde 1986 é uma das garrafeiras mais conhecidas de Ponte de Lima. Era uma mercearia que pertencia à família mas quando João Sá herdou a loja teve outra ideia. «Na altura não havia nenhuma garrafeira na vila e arrisquei», conta. Hoje é paragem obrigatória de turistas e romeiros de Santiago.

São centenas as referências, com destaque para os vinhos da terra. João Sá conta que sofreu com a concorrência das grandes superfícies comerciais, mas o turismo veio «dar outro alento» e hoje são muitos os curiosos pelos vinhos da região.

Ficar entre as vinhas

O Paço de Calheiros continua a ser ocupado pela família que o construiu, sendo o conde Francisco Calheiros a imagem de marca do espaço. Gere o negócio de agroturismo na quinta ao mais pequeno pormenor, foi pioneiro no turismo rural em Portugal e no enoturismo, produzindo vinho proveniente de algumas vinhas com mais de cem anos.

Em volta do imponente Paço de Calheiros foi plantada nova vinha para branco loureiro. Manteve-se uma pequena parcela de vinhão que já existia desde a fundação da casa. «Antigamente bebia-se mais tinto do que branco e foi o turismo que veio alterar os hábitos de consumo, nomeadamente através da popularização das castas do alvarinho e loureiro», explica Francisco Calheiros.

A quinta é visitada com regularidade por investigadores e alunos da Escola Superior Agrária que ali fazem a recolha de braços de videiras antigas. No paço, o conde tem uma «filha» da videira mais antiga do mundo e que é já uma das principais atrações. Veio da Eslovénia, país do qual Francisco Calheiros é cônsul honorário no Porto.

A Quinta do Ameal, em Refoios do Lima, vai muito além daquilo que se pode escrever sobre ela. Mal o visitante passa os portões de ferro, penetra num jardim encostado a uma mata virgem com as mais variadas espécies de árvores e plantas do Alto Minho. Situada entre o Gerês e Viana do Castelo, a quinta tem 800 metros de margem do rio Lima, trinta hectares, dos quais 15 de vinha e oito de mata.

O proprietário, Pedro Araújo, tem o vinho a correr no sangue. É bisneto de Adriano Ramos Pinto, que se notabilizou na produção de vinho do porto, mas atualmente é considerado um dos maiores produtores de vinho verde. A aposta foi na casta loureiro e o tiro não podia ser mais certeiro, apesar das muitas vozes contrárias. «Passados vinte anos de trabalho, os nossos vinhos são uma referência a nível nacional e internacional, reconhecidos pelos críticos e classificados como vinhos ímpares, atingindo as maiores notas em termos de pontuação nos eventos onde marcamos presença», afirma o empresário.

A Quinta do Luou é de Filipe Malheiro e Luísa Reymão, que ali se instalaram quando se casaram há mais de vinte anos. «Foi ali que tudo começou», diz Luísa apontando para a antiga habitação junto aos vários hectares de vinha. O alojamento e o enoturismo funcionam nas duas casas que compõem a quinta de turismo de habitação. Tem capacidade para 25 pessoas, por isso a preferência dos gerentes é a receção de grupos.

No lugar do Couto respira-se história. Rodeada pelo monte de Santo Ovídeo, pela serra da Senhora do Minho e pelo monte Antelas encontra-se a Quinta da Cuca, gerida pela família Amorim. Um projeto de alojamento no espaço rural que oferece experiências gastronómicas e enoturismo, uma vez que esta família produz e vende o vinho verde de Moreira do Lima. Carlos, o pai, foi professor de Eletricidade e Madalena, a mãe, explorava uma mercearia. Com os anos adquiriram terras e plantaram vinha.

A Casa da Cuca é um projeto de família, que tem pais e filhos envolvidos num espaço de turismo rural e de vinhos.

O legado foi entregue aos filhos, José Carlos e Sandra, ele fisioterapeuta, ela podologista, ambos apaixonados pelo projeto vinícola que, neste ano, vai para a sexta colheita. São quatro hectares de vinha a que se junta uma pequena percentagem de vinhão, o verde tinto que a família continua a produzir mais para manter a tradição. «Quem aqui pernoita tem à sua chegada a degustação do nosso loureiro mas também de vinho de algumas vinhas de Cainho e de Galeguinho», acrescenta José Carlos. O nome da casa vem de Cuca, a mulher que vendia leite e que percorria a aldeia de cântaro à cabeça.

Provar

A Adega Cooperativa limiana faz 60 anos e é a alma do vinho verde desta zona do vale do Lima, bem como uma das instituições vinícolas mais importantes do norte do país, com capacidade para produzir 1,5 milhões de litros de vinhos e trabalhando com um universo de 2200 associados.

Ricardo Silva, engenheiro agrónomo da instituição, refere o aconselhamento que é dado aos produtores no que diz respeito a tratamentos da vinha, formação para o uso de produtos fitofarmacêuticos, e tudo sem qualquer custo para o associado. «Os vinhos têm vindo a melhorar a qualidade com a adaptação da vinha a melhores formas de produção e tratamento. O que se conseguiu com este trabalho da adega foi uma estabilidade na qualidade em vez da oscilação que existia», acrescenta Ricardo.

O controlo de qualidade está a cargo de Rita Araújo, que descreve estes vinhos com gosto: «O vinho da adega é excelente em termos de caracaterísticas sensoriais, em resultado de uma casta floral, muito citrina e com uma acidez equilibrada».

O centro instalado numa casa torreada, convida a conhecer a história do vinho verde ao longo dos tempos.

Encontrar um local para toda uma região promover e divulgar um vinho não é fácil mas, no caso do vinho verde, a decisão acabou por ser consensual e o Centro de Interpretação e Promoção do Vinho Verde instalou-se em pleno coração da região. Quem visita este espaço na vila fica a saber como a região se encontra dividida em nove sub-regiões: Monção/Melgaço, Lima, Cávado, Ave, Basto, Sousa, Amarante, Baião e Paiva. O centro é «um equipamento de grande qualidade com toda a história da vinha e do vinho, ao longo dos séculos, e onde é também apresentada a identidade cultural de um povo e de toda uma região e da importância que esta produção tem para a economia», refere Victor Mendes, presidente da Câmara de Ponte de Lima, que acrescenta: «O enoturismo é um dos produtos com maior incremento nos últimos anos e permite ao visitante e turista um conjunto de experiências, de vivências e uma paixão pelo território.»

A Quinta das Fontes é uma casa senhorial que pertenceu ao poeta António Vieira Lisboa. Distingue-se pelas dezenas de fontes, quedas-d’água, tanques e lagos e em qualquer um desses recantos é possível degustar a produção local desta quinta que está a preparar-se para ser uma unidade de turismo rural.

Quem provar os seus vinhos, feitos a partir da casta loureiro, encontra o enólogo José Domingues a fazer as honras da casa. É ele quem dirige e a produção. «Todo este enquadramento, da ramada, dos socalcos, faz-nos abrir as portas a todos os que quiserem visitar e comungar connosco deste ambiente descontraído e tranquilo», diz.


Guia de viagem

Ficar entre vinhas

Paço de Calheiros
Rua de Calheiros, 1174 Calheiros
Tel.: 258947164
Web: pacodecalheiros.com
Mail: [email protected]
Preço: quarto duplo a partir de 125 euros, com pequeno-almoço incluído.
Degustação com petiscos: 10 euros/pessoa

Quinta do Ameal
Refoios do Lima
Tel.: 258947172/916907016
Web: quintadoameal.com
Preço: quarto duplo a partir de 230 euros (estada mínima de duas noites) com pequeno-almoço incluído
Provas de vinhos: a partir de 20 euros (dois vinhos)

Quinta do Luou
Rua da Tanquinha, 50 Gandra, Santa Cruz do Lima
Tel.: 962749457
Web: luou.pt
Casa: 25 a 35 euros/pessoa na época baixa e 30 a 40 euros/pessoa na época alta
Refeições com degustação entre 25 e 35 euros/pessoa

Casa da Cuca
Rua do Couto, 239 Cabração/Moreira do Lima
Tel.: 966654982
Web: casadacuca.com
Casa da Cuca por 180 euros/ /dia, Casa da Cuquinha por 150 euros/dia.
Com degustação e um cesto de enchidos, queijos, pão e compota à chegada.

Comer e beber

A Carvalheira
Rua do Eido-Velho, Eido Velho, Fornelos
Tel.: 258742316
Web: acarvalheira.com
Ao fim de semana por marcação
Preço médio: 30 euros

Taverna Vaca das Cordas
Rua Padre Francisco Pacheco, 39 a 41 Ponte de Lima
Tel: 258741167
Web: tavernavacadascordas.com
Preço médio: 30/35 euros

Casa da Terra
Passeio 25 de Abril Antiga Cadeia das Mulheres Ponte de Lima
Tel.: 258941040
Web: casadaterra.pt
Preço médio: 12 euros

Comprar

Garrafeira Gaipa Winebox
Passeio 25 de Abril, 36 Ponte de Lima
Tel.: 961419148
Facebook: gaipawinebox

Garrafeira Martins
Largo Dr. António Magalhães, 5 Ponte de Lima
Mail: [email protected]
Facebook: Garrafeira-Martins

Provar

Adega Cooperativa de Ponte de Lima
Rua do Conde de Bertiandos, Ponte de Lima
Tel: 258909700.
Web: adegapontelima.com

Centro de Interpretação e Promoção do Vinho Verde
Rua da Fonte da Vila,38, Ponte de Lima
Tel: 258 900 426
Web: cipvv.pt
Entrada: 3 euros (descontos para grupos e famílias), inclui prova de um vinho.
Gratuito para crianças até aos 12 anos

Quinta das Fontes
Rua das Fontes, 272, 4990-770 Rebordões/Souto
Tel: 919161832
Web: facebook.com/encontrodasfontes
Mail: [email protected]
Visita com prova: 10 euros/ pessoa


Reportagem publicada originalmente na edição de julho de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 297.

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