Já se chamou Astana, mas agora a cidade tem o nome do pai da independência cazaque. Os seus edifícios, obras de grandes arquitetos, sobressaem nessa estepe onde o cavalo foi pela primeira vez domesticado.

Texto de Leonídio Paulo Ferreira

O Cazaquistão encomendou ao britânico Norman Foster a maior tenda do mundo e a verdade é que a imaginação do arquiteto, somada às modernas técnicas e à inspiração dada pela antiga vida nómada dos povos da estepe, resultou numa construção fabulosa que rende homenagem às iurtas, as cabanas desmontáveis cobertas de feltro feito de lã de ovelha. Chama-se Khan Shatyr e é de tom bege, quase branco, como as verdadeiras iurtas ou as pequenas réplicas que encantam os turistas.

Ora bem, imaginar turistas em Nursultan, cidade completamente moderna (e também a capital mais a norte na Ásia), faz sentido, perguntarão alguns, bem conscientes dos atrativos de Almaty, com um centro histórico e rodeada de belas montanhas? A resposta tem de ser sim, claro que faz sentido. Nursultan, até há alguns meses chamada Astana, simboliza o Cazaquistão independente e visitá-la é essencial para perceber o destino que este país busca. O Khan Shatyr, que não é única obra de Foster na cidade, encarna bem esse destino: a busca da modernidade mas sem esquecer a tradição. E tem sido graças aos rendimentos do petróleo e do gás que a liderança cazaque – desde logo o pai da independência, Nursultan Nazarbaiev – acumula sucessos, a começar pela prosperidade do povo e pela coexistência entre mais de uma centena de comunidades, que vão dos polacos aos coreanos. É preciso não esquecer que no tempo soviético, o imenso Cazaquistão (hoje nono maior país do mundo) servia para desterrar gente.

Essa prosperidade vê-se no interior do Khan Shatyr, um centro comercial com lojas e restaurantes de marcas internacionais como o Starbucks, mas também nomes desconhecidos no Ocidente e que servem comida deliciosa. Imagine que as suas 48 horas em Nursultan começam com uma visita à iurta gigante: recomenda-se que almoce na Izbusha, que serve comida russa e que quer dizer «pequena cabana». Servem uma sopa de beterraba ótima, também um guisado de borrego delicioso.

A presença russa é mais evidente noutras cidades, como Semei (antiga Semipalatinsk) igualmente no norte, mas os dois séculos de domínio pelo Kremlin, primeiro pelos czares depois pelos comunistas, também se sentem em Nursultan (antiga Akmola e Tselinogrado), ou não fosse a numerosa comunidade russa e também o uso do russo como língua de comunicação. As autoridades, porém, além de promoverem a língua nacional também incentivam a aprendizagem do inglês e para facilitar a ligação ao resto do mundo está previsto que o próprio idioma cazaque troque o cirílico pelo alfabeto latino.

Saindo do Khan Shatyr, preparado, tal como as iurtas, para isolar quem está lá dentro do frio ou do calor extremos da estepe, veem-se as letras Nursultan a anunciar a entrada na parte monumental da cidade, que em 2019 recebeu o primeiro nome de Nazarbaev depois de este ter saído por vontade própria da presidência, cargo que ocupava desde 1991, sendo antes disso o governante soviético da república.

Foi de Nazarbaev a ideia de levar a capital de Almaty para o norte do país. E o resultado foi a construção, após 1997, de uma cidade única, exuberante, que se exibe sobretudo ao longo da Avenida Nurzhol.

Foi de Nazarbaev a ideia de levar a capital de Almaty para o norte do país. E o resultado foi a construção, após 1997, de uma cidade única, exuberante, que se exibe sobretudo ao longo da Avenida Nurzhol, entre o Khan Shatyr e o Ak Orda, o palácio presidencial com a sua cúpula azul. A avenida tem ao meio uma agradável zona pedonal, com jardins e esculturas, sobretudo de animais, como que a relembrar a ligação do povo cazaque à natureza. Os edifícios vizinhos são sedes de grandes empresas e centros comerciais. Mas a estrela da avenida é a Torre Bayterek, que simboliza a árvore da vida com o ovo dourado de Samruk, ave sagrada da mitologia dos cazaques, povo túrquico islamizado que manteve crenças xamanistas. Subindo, tem-se uma vista completa da cidade projetada pelo arquiteto japonês Kisho Kurokawa, hoje com um milhão de habitantes (o país conta com 18 milhões). E pode beber-se um café. Há também uma loja, quando se regressa ao piso térreo, com ourivesaria tradicional, e ainda chapéus típicos e chicotes, ou não fosse o Cazaquistão a terra onde primeiro se domesticou o cavalo (e também onde primeiro surgiu a tulipa e a maçã – que se diz alma). Na rua, famílias passeiam com os carrinhos de bebé. E grupos de jovens passam acelerados a caminho do centro comercial Keuren, onde há um Imax. Com cada mulher a ter três filhos, a demografia cazaque mostra vitalidade e, ao contrário do que acontecia na era soviética, os cazaques étnicos são hoje a maioria.

Nas imediações da avenida principal fia o Nazarbaiev Center, outro prodígio arquitetónico, e para os mais apaixonados pela ciência a área onde se realizou a Expo’2017, dedicada à energia do futuro, é obrigatória.

Caminha-se bem por Nursultan, cem por cento plana, mas os táxis têm preços acessíveis e os transportes públicos – autocarro – são eficientes. Explicam-me que a moeda local, o tenge, está desvalorizada por causa do rublo russo. A ligação económica à Rússia ainda é estreita, apesar dos laços com os EUA, a União Europeia e também com a China.

Há muita oferta de restaurantes na capital cazaque, desde os de fast-food até alguns de alta-cozinha. O Qazaq Gourmet, com uma bela oferta de gastronomia local, incluindo o beshbarmak, carne e enchidos de cavalo acompanhados por massa, é de experimentar. Aproveito para provar kumis, leite de égua fermentado, desafiante para os paladares menos habituados a estes hábitos da estepe asiática (90% do Cazaquistão situa-se na Ásia, mas o pedaço europeu é tão grande como a Polónia).

Aos nómadas cazaques, nação formada no século XV quando Janibek e Kerei lideraram a migração de tribos descontentes com o caos nas terras usbeques, vieram somar-se outros povos que se instalaram nestas estepes.

O alojamento foi no hotel Radisson, junto ao rio Ishin, que tem barcos que permitem ver a cidade de outra forma e cujas margens cuidadas são excelentes para passear. Apanho um táxi para perto do palácio presidencial, onde agora reside Kassim-Jomart Tokayev, eleito em junho de 2019. Dizem os cazaques que é quando a cidade está coberta de neve que o Ak Orda mais brilha.

Contorna-se o edifício e cruza-se uma ponte. Não muito longe, uma pirâmide que foi batizada como Palácio da Paz e da Reconciliação, realçando a tolerância religiosa. Em Nursultan há mesquitas, como a Hazrat Sultan, uma das maiores da Ásia Central, mas também catedrais, ortodoxa e católica. Aos nómadas cazaques, nação formada no século XV quando Janibek e Kerei lideraram a migração de tribos descontentes com o caos nas terras usbeques, vieram somar-se outros povos, sobretudo os russos, que se instalaram nestas estepes em fiais do século XVIII. Pouco antes, os cazaques tinham derrotado com grandes sacrifícios uma invasão do dzungares, vindos da China.

Nenhum sítio de Nursultan revela tanto a antiguidade destas terras, que já foram domínio de Gengis Khan e também escala da Rota da Seda, como o Museu Nacional do Cazaquistão. E ali a estrela é o Homem de Ouro, a reconstituição da vestimenta de um príncipe que viveu há 2400 anos, juntando os quatro mil ornamentos em ouro. Ao longo das várias salas deste museu moderno e bem organizado descobre-se mais da alma cazaque, como a grande importância que este povo dá à Segunda Guerra Mundial, em que forneceram numerosos soldados ao Exército Vermelho.

O almoço já é bastante tarde, num mercado improvisado junto ao Khan Shatyr, onde se vendem legumes e fruta, também queijo e kumis, e carne de cavalo. Em vez de almoço deve-se antes dizer lanche, já que a ementa foi chá e um bolo que lembra o mil-folhas.

Estava planeado assistir a um espetáculo na Ópera de Astana, não muito longe da tenda gigante, mas calhou fora da época. Alteram-se assim os planos e segue-se a busca por uma espécie de Cazaquistão dos pequenitos. Acaba-se a visitar o Centro de Diversões Duman, onde há um oceanário com esturjões como os do mar Cáspio, que banha o país. A vontade de um jantar a sério faz que se regresse ao hotel. São sugeridos alguns restaurantes ao longo do rio. Um deles, o Turfan, promete gastronomia da Ásia Central, e turca também, desses primos que os cazaques têm no Ocidente. A escolha recai num pernil de borrego.

Com ida para o aeroporto durante a madrugada, há tempo para um último salto ao Khan Shatyr para presentes: conhaque cazaque que foi recomendado, o Kakharman, e a compra de um CD de Dimash, o cantor do momento (vá ao YouTube, vale mesmo a pena).


Cinco dicas para uma ida ao Cazaquistão

1.

Voos da Lufthansa via Frankfurt têm os melhores horários e encontram-se a partir dos 500 euros. Na Turkish Airlines, via Istambul, há tarifas de 600 euros. E a polaca Lot também tem bons preços via Varsóvia.

2.

Um cidadão português pode entrar no Cazaquistão só com o passaporte, sem necessitar de visto, se a estada for no máximo de 30 dias.

3.

Maio a setembro é a melhor época para visitar Nursultan.

4.

Conjugar uma visita à capital com outra a Almaty e ainda uma ida a Turquistão, cidade com grande património.

5.

O Cazaquistão renunciou a ser potência nuclear, mas tem o único antigo sítio de testes visitáveis no mundo. Fica na região de Semei e atrai turistas muito especiais, fascinados pelo Polígono de Semipalatinsk. Nas terras cazaques fica também o cosmódromo de Baikonur, que oferece visitas guiadas.


Reportagem publicada originalmente na edição de janeiro da revista Volta ao Mundo, número 303.

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