Fizemos 200 quilómetros pela costa do Uruguai, de Punta del Este a Punta del Diablo. Tudo para lhe dar a conhecer cinco pontos de um país inesquecível. Entre pescadores, surfistas, hippies e algumas das praias mais espetaculares da América Latina. Descubra-os na fotogaleria acima.
José Ignacio
A primeira paragem depois de sair de Punta del Este está muito próxima, a somente 20 quilómetros de distância. José Ignacio é o refúgio de quem procura a qualidade longe do cimento. Tem um ambiente decididamente boho-chic [boémio e chique] com as suas lojas de decoração e cozinha de autor nos seus restaurantes, objetos de peregrinação diária de gourmands e apreciadores de Punta del Este. Famílias numerosas com filhos louríssimos, peles de cor caramelo bronzeadas por gerações de férias, olhos claros protegidos por óculos de marca. Não é por acaso que aqui se encontram três dos melhores hotéis-boutique do país: a estância Vik, a Playa Vik e o Bahia Vik. Uma trindade com sobrenome norueguês herdado de um bilionário nascido no frio com mãe uruguaia e que, de regresso à terra materna, transformou San Ignacio num enclave onde a arte, a praia, a cultura gaúcha e o bon vivir dormem juntas nestas estâncias que são autênticas galerias de arte com obras de Zaha Hadid e James Turrel a adornar os corredores.
Rocha
No caminho para Leste pela Estrada 10, deixa-se para trás o distrito de Maldonado e entra-se no de Rocha, famoso pelas suas costas impolutas e pela natureza virgem. Chegamos ao balneário de La Pedrera, construído sobre uma formação rochosa e rodeado por duas espetaculares praias, a de Desplayado, para leste, e a praia do Barco, para oeste. Não se pode deixar de pensar que aqui a beleza natural do lugar pagou a portagem sob forma de hotéis e lojas de recordações até se ter convertido num local de férias que se afasta do Uruguai que persigo. Continuamos o caminho e alimentamos a alma com as surpresas que se deparam pela estrada, como esse impossível bosque de palmeiras que se eleva de ambos lados da estrada. Como se fosse uma miragem que esconde um oásis próprio de outras latitudes.
Um desvio por uma pista de terra leva-nos em direção a Oceanía del Polonio em busca de alimento num lugar mágico – Chez Silvia. Aqui se começou a cozinhar slow-food antes de o conceito ter chegado ao país. Como tantos outros, os seus proprietários, uma arquiteta e um veterinário argentinos, chegaram aqui de férias e apaixonaram-se pelo mar. Aqui é normal que as sobremesas se prolonguem no alpendre de madeira, em redor da requintada comida com ar francês, dos produtos da terra e do bom vinho. Afortunadamente, quando a noite nos surpreende, a cabana tem dois elegantes quartos de onde se contempla o escuro iluminado por milhares de estrelas. Há que continuar o caminho para leste em direção da Punta del Diablo. Junto à ponte sobre o ribeiro Valizas há uma pequena comunidade de pescadores tratando dos seus barcos de madeira e desembaraçando as redes. É aqui, nas noites finais do verão, que estes pescadores e suas famílias irão cobrir a superfície do riacho com centenas de luzes flutuantes durante a pesca de encadeamento, apanhando os camarões que, embriagados pela luz, acabarão dentro das redes.
Esses mesmos barcos irão levar-nos rio acima, num trajeto de quatro quilómetros, provocando à sua passagem o voo das garças e de outras aves, até chegar ao bosque de umbuzeiros, nas zonas húmidas do leste, um capricho da natureza único no mundo. Normalmente solitários, os umbuzeiros crescem aqui em redor de um bosque envolvente de árvores gigantescas que alcançam vários metros de altura. Como se fossem mãos gigantes apoiadas sobre as pontas dos dedos, os troncos destas árvores centenários expandem-se criando um espaço vazio no seu interior para lá se encontrar a sombra que nos dá o seu abraço.
Cabo Polonio
A obscuridade total da noite é interrompida por um clarão que cega a vista. Um relâmpago que se repete a cada 12 segundos e que supõe a diferença entre a vida e a morte para as embarcações que se aproximam da costa. Barcos espanhóis, portugueses e britânicos encontraram o seu fim nestes recifes e alimentaram a lenda, entre os marinheiros, de lugar maldito onde as bússolas não param de girar incapazes de encontrar o seu norte.
Com 26 metros de altura, o farol de Cabo Polonio ergue-se como um bispo do xadrez protegendo a reserva natural onde está localizado. Imortalizado nos versos do cantor uruguaio Jorge Drexler no tema 12 Segundos de Oscuridad, hoje é o promontório ideal para avistar leões marinhos com os seus imensos corpos castanhos disfarçados pelo tom das rochas dos baixios. É certo que estes leões já não estão sozinhos, acompanhados unicamente por um punhado de hippies que viviam neste enclave natural sem estradas nem luz elétrica. Hoje, os camiões todo-o-terreno que transportam viajantes pelas dunas e pela madressilva do Parque Nacional de Cabo Polonio multiplicaram-se. A chegada ao átrio de areia que faz as vezes de centro do lugar é um apeadeiro de anticlímax de turistas que vêm passar o dia para contemplar, com igual fascínio, os exemplares de leões-marinhos e de hippies agarrados aqui ao seu último reduto como se fossem peles vermelhas numa reserva e com a implacável sensação de que o seu estilo de vida tem os dias contados.
Felizmente, o pôr do Sol faz que regresse a ordem natural e com a saída do último camião – e com os os turistas apressando-se para não perdê-lo – Cabo Polonio volta a encontrar-se. Os seus habitantes reúnem-se em torno de fogueiras na praia com a viola e o chá-mate à mão e com o aroma da marijuana acabada de acender em cigarros que passam de mão em mão e cujas baforadas de fumo se iluminam a cada 12 segundos atravessadas pelo clarão do farol que marca o palpitar da noite.
Barra de Valizas
No limite do Parque Nacional Cabo Polonio encontra-se a zona balnear de Barra de Valizas. Este encantador povoado de casas de madeira plantadas na areia, sem luz elétrica nem água corrente – na maioria das habitações –, acorda cada manhã com a visão das impressionantes dunas de trinta metros de altura que o separam dos seus vizinhos de Cabo Polonio. Este inesperado horizonte de areia, mais próprio do deserto africano, estende-se por 42 quilómetros quadrados e constitui uma das paisagens naturais mais impressionantes da América do Sul. O ribeiro Valizas é o último obstáculo entre nós e essa colina de formas sinuosas e variáveis. Por alguns pesos cruzamos, numa pequena embarcação de um velho pescador reconvertido em barqueiro, este curto trajeto.
A ascensão à duna é lenta devido ao forte vento que a penteia e que sussurra ao ouvido com milhões de finíssimos grãos de areia sobrevoando a cabeça. No topo, um casal imortaliza o seu beijo com sabor a areia numa selfie. Um pouco mais à frente, o declive de granito totalmente coberto de areia do Cerro de Buena Vista converte-se na pista perfeita onde vários jovens se lançam com as suas pranchas praticando sandboard. É precisamente neste monte que se marcou o limite entre os territórios pertencentes às coroas de Portugal e de Espanha, no Tratado de Madrid de 1752. O monumento original já não está aqui, mas ainda é possível observar entre as pedras a base de onde se levantava essa barreira imaginária que repartia a América Latina entre os dois grandes senhores do mar de antigamente.
A convergência de ambas as faces da duna forma um estreito cume por onde caminho como se andasse sobre a espinha dorsal de um gigantesco animal pré-histórico. Desde aqui avista-se Cabo Polonio e até lá é possível chegar por um caminho de oito quilómetros a pé entre dunas ou no dorso de um cavalo, numa viagem com ecos de Lawrence da Arábia. De regresso ao povoado, a quase decadente placa da Praça de Leopoldina Rosa recorda-nos o passado de uma costa forjada a ferro pelos naufrágios. Muitos navios descansam no fundo de uma costa de onde saem tridentes de rocha dispostos a emboscar as embarcações. Em 1842, a fragata Leopoldina Rosa com 300 pessoas a bordo conheceu aqui o seu fim. Dos 79 sobreviventes que fizeram do naufrágio a sua casa, sobram famílias de descendentes que ainda receiam este mar de ondas furiosas.
La Punta del Diablo
Cai a tarde e já falta pouco para chegar ao último destino. Punta del Diablo recebe-nos como só ela sabe fazê-lo: com um espetacular entardecer desses que tingem o céu de um rosa intenso primeiro e que se vai transformando em laranja e depois anil. Envolto nesta paleta de cores, desenham-se as silhuetas das casas de madeira e os botes na praia dos Pescadores. Punta del Diablo, com as suas ruas de areia e as suas praias eternas, é hoje a meca dos mochileiros da Argentina e do Brasil e o seu fluxo transformou esta tranquila vila de pescadores numa localidade sem tréguas onde as noites correm nos bares de praia. Amanhece em Punta del Diablo. A roadtrip chega ao fim. Uma viagem curta, sossegada, onde a serenidade toma o lugar da epopeia e a aventura consiste tão-só em circular sem relógio, deixando-nos levar sempre para leste, como se os sentidos estivessem aguçados para nos deixarmos surpreender por alguma natureza ainda pura. Contemplando a espuma branca das ondas que rompem na, a esta hora deserta, praia da Viúva, dá-se conta de que o prémio desta viagem não era tanto o destino final mas sim o caminho. Um caminho que estará esperando novamente quando iniciarmos a viagem de regresso por essa mesma estrada que, agora com requintada simplicidade, me indicará «Para Oeste».
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Guia de viagem
Moeda: Peso uruguaio UYU – 1€ equivale a 31.60 UYU
Fuso Horário: GMT -3
Idioma: Castelhano
Quando ir: No verão, de dezembro a fevereiro, é quando se juntam mais turistas argentinos em busca das praias. Novembro e março são boas opções, com menos gente, mas em novembro a temperatura da água requer alguma coragem.
Ir
A companhia aérea Iberia voa para Montevideu via Madrid. Uma vez no aeroporto de Carrasco, alugue um automóvel numa das empresas aí localizadas e ponha-se a caminho para Leste pela Estrada 10 até chegar a Punta del Este, que fica apenas a 130 quilómetros de distância.