Uma cidade para todas as estações. Protegida do turismo de massas, apesar de todos os trunfos patrimoniais, culturais e gastronómicos que tem na manga, a capital da região de Emilia Romagna é uma das mais estimulantes cidades italianas. E o inverno não é necessariamente a pior altura para lhe tomar o pulso. Aqui está um roteiro de quatro dias para descobrir Bolonha.

Texto e fotografias José Sérgio

Prolongando-se em trompe l’oeil até ao infinito, os intermináveis pórticos de Bolonha são a primeira mas também a mais duradoura impressão com que se confronta o recém-chegado a Bolonha. Desde o efervescente período medieval, foi esta peculiar artimanha arquitetónica – cuja classificação como Património da Humanidade pela UNESCO está aliás na calha – que permitiu à cidade crescer e multiplicar-se, fazendo o edificado avançar sobre a rua, ao nível do primeiro andar e demais pisos superiores, sem prejudicar a circulação de pessoas e transportes cá em baixo. Hoje, esta rede de arcadas prolonga-se por 38 quilómetros, abrigando habitantes e visitantes dos excessos da chuva e do sol e impondo-se como labiríntico fio condutor a uma exploração da cidade.
Sem querer tomar o lugar dos pórticos de Bolonha como bússola (as arcadas são sem dúvida as coordenadas ideais para uma navegação diletante), a Volta ao Mundo propõe-lhe uma lista de endereços, mais e menos óbvios, para quatro dias de deambulação pelas ruas da capital da Emilia Romagna. Passo a passo, estas escalas não tardarão a dar-lhe pistas sobre as razões pelas quais Bolonha é conhecida não apenas por um mas por três epítetos: La Grassa (A Gorda), La Dotta (A Erudita) e La Rossa (A Vermelha).

Dia 1

Estrategicamente implantada num dos pontos mais centrais da cidade, a Fonte de Neptuno, na praça com o mesmo nome, é aquele lugar onde os bolonheses marcam encontro de manhã, à tarde e à noite. Para quem está apenas de passagem, a fonte, com o seu imponente conjunto escultórico, é a selfie-opportunity ideal e também um ótimo ponto de referência para encontrar a belíssima Biblioteca Salaborsa (Piazza del Nettuno, 3). Em tempos o centro cívico da Bolonha romana (as ruínas da antiquíssima basílica pré-cristã da então Bononia ainda são visíveis), depois palácio e fortaleza medieval, mais tarde jardim botânico, convertida já no século XIX em bolsa de valores e no século XX em agência bancária, a atual biblioteca é uma sala de visitas, acolhedora e confortável – tanto para quem vem ler os jornais do dia ou consultar os infindáveis volumes do seu acervo, como para quem chega apenas à procura de um retemperador pequeno-almoço sob a icónica cobertura de vidro e ferro do edifício.

O Teatro Comunale recebeu as principais figuras da música do seu tempo, incluindo os compositores Rossini e Bellini. Bolonha é uma cidade com cerca de 400 mil habitantes, conhecida pela universidade, pela história e pela arte. E pelo esparguete, já agora…

Repostos os níveis de cafeína, é hora de começar a explorar alguns dos mais vistosos tesouros patrimoniais do centro histórico. Vizinho da biblioteca (que aliás é uma sua extensão), o Palazzo Comunale, ou Palazzo d’Accursio (Piazza Maggiore, 6), abriga atualmente a administração da cidade mas também as Coleções Municipais de Arte e excelentes exposições temporárias de entrada gratuita. Sem desprimor para as obras, a vista dos aposentos do primeiro andar para a atmosférica Piazza Maggiore justificam o esforço de vencer a larga escadaria (junto à qual vale a pena parar para explorar as fascinantes fotografias a preto e branco da Bolonha do pré e do pós-Segunda Guerra Mundial). Noutra frente da praça, a Basílica de São Petrónio (Piazza Galvani, 5), uma das maiores igrejas da Europa, começa por impressionar pela originalidade da sua fachada para sempre inacabada: a delicada metade inferior, revestida a mármore vermelho e branco, corresponde ao plano original, mas a metade superior, de tijolo, parece ter ficado em carne viva.

Antes de entrar (e convém que o faça uns minutos antes do meio-dia), não deixe de admirar as esculturas sobre o pórtico central, do escultor Jacopo della Quercia, um dos mestres do jovem Miguel Ângelo (de que voltaremos a falar mais à frente). Lá dentro, à hora certa, baixe o olhar para ver o sol a encaixar-se no imenso meridiano que o astrónomo Giovanni Domenico Cassini implantou no chão da basílica e que até hoje permanece exato. Antes de parar para petiscar, dê mais uns passos até ao Palazzo dell’Archiginnasio (Piazza Galvani, 1). Encomendado por um dos cérebros da Contra-Reforma, o cardeal Carlos Borromeu, foi neste edifício que pela primeira vez as escolas dos Legisti (Direito Civil e Canónico) e dos Artisti (Filosofia, Medicina, Matemática, Ciências Naturais e Física), até aí dispersas pela cidade, se abrigaram sob o mesmo teto. Sede da Universidade de Bolonha até 1803, o palácio é um tratado de história académica e de heráldica (os brasões dos ilustres estudantes que por aqui passaram cobrem literalmente toda a superfície de parede e de teto disponível), mas deve a sua fama atual sobretudo ao fabuloso Teatro Anatómico construído em 1636 e impecavelmente reconstruído após os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial, e à igualmente impressionante Sala do Stabat Mater, assim denominada por ter acolhido, a 18 de março de 1842, a estreia do Stabat Mater, de Rossini, dirigido por Donizetti.

Por esta hora, o sortido transbordante de fruta e legumes das bancas do mercado de rua do Quadrilatero e das lojas de enchidos, queijos e vinhos do bairro homónimo serão seguramente uma visão do paraíso. Abasteça-se entre a Salumeria Simoni (Via Drapperie, 5/2), as charcutarias/queijarias La Vecchia Malga (Via Pescherie Vecchie, 3) e Tamburini (Via Caprarie, 1), e a histórica Paolo Atti & Figli (Via Caprarie, 7, e Via Drapperie, 6), onde encontrará os melhores biscoitos e as melhores massas frescas da cidade, e depois sente-se na popularíssima Osteria del Sole (Vicolo Ranocchi, 1). É mesmo esse o protocolo: embora esta animada tasca também sirva comida, é habitual os clientes levarem o seu próprio farnel e acompanharem-no com um dos excelentes vinhos da casa.

Bolonha é uma cidade com cerca de 400 mil habitantes, conhecida pela universidade, pela história e pela arte. E pelo esparguete, já agora…

Após o banquete, nada como vencer os 498 degraus da Torre degli Asinelli (Piazza di Porta Ravegnana) para queimar calorias e colesterol. O topo da mais estável das duas torres inclinadas, falsas gémeas, que são imagem de marca de Bolonha (a outra, fechada ao público, é a Torre Garisenda), é naturalmente o melhor lugar para ter uma vista panorâmica da cidade e, mais genericamente, da planície do rio Pó a partir da qual ela se levanta. O Teatro Anatómico e a igualmente vetusta biblioteca são ex-líbris do Palazzo Dell’Archiginnasio, a antiga sede da primeira universidade europeia. Em baixo, a queijaria e charcutaria La Vecchia Malga.

De volta à terra, atravesse a rua para folhear as novidades editoriais numa das várias livrarias Feltrinelli (Piazza di Porta Ravegnana, 1) espalhadas por Bolonha ou na vetusta Libreria Nanni (Via de’ Musei, 8), que encontrará no primeiro centro comercial da cidade, a Galeria Cavour, inaugurada na década de 1950. Outra opção, já em modo aperitivo, é a descontraída livraria, café e wine bar La Confraternita dell’Uva (Via Cartoleria, 20), onde a atmosfera convivial o preparará para o jantar na impagável Drogheria della Rosa (Via Cartoleria, 10). Além da cozinha, fundada no respeito pelos ingredientes locais e pelos produtos frescos da época, sobressai a simpatia do carismático e ruidoso anfitrião, Emanuele Adone, sempre pronto a evitar que os copos dos seus comensais fiquem desgraçadamente vazios.

Dia 2

A luz a nascer do dia sobre os telhados vermelhos e as fachadas amarelas e ocres de Bolonha é uma das mais democráticas atrações da cidade; outra, cujo impacto também beneficia do sol da manhã, é a labiríntica Basílica de Santo Estêvão (Via Santo Stefano, 24), na verdade um complexo constituído por uma série de igrejas justapostas (daí a sua alcunha, Sette Chiese). Lá dentro, o percurso acompanha a evolução da arquitetura religiosa ao longo dos séculos, cruzando elementos romanescos e lombardos. Afortunadamente, os gatos, mais do que os turistas, são os verdadeiros apreciadores do tranquilo Pátio de Pilatos: é vulgar encontrá-los a tomar banhos de sol junto à pia onde se diz que Pôncio Pilatos terá lavado as suas mãos da condenação de Cristo (e que na verdade é uma peça lombarda do século VIII…). Antes de sair, e caso ande à caça de souvenirs, visite a pequena loja da basílica, onde encontrará, a preços bem amistosos, mel, compotas, licores, chocolates, rebuçados, sabonetes e outros produtos artesanais confecionados em mosteiros e conventos da região.

Continuando em direção ao centro, não precisa de avançar muito, apenas alguns passos, para dar de caras com um dos mais antigos pórticos da cidade. Aventure-se Corte Isolani (Piazza Santo Stefano, 18) adentro e encontrará, no outro extremo da passagem a que este palácio gótico-renascentista dá acesso, já na Strada Maggiore, a impressionante estrutura em vigas de carvalho que suporta, a nove metros de altura, o terceiro andar de uma casa medieval, construída em meados do século III.

Já em direção ao Bairro Judeu, será sensato fazer como os bolonheses, que a esta hora quebram a manhã com um café, e parar por uns minutos ao balcão do Bar Pasticceria Santo Stefano (Via Santo Stefano, 3), com as suas montras repletas de doces acabados de sair do forno, ou tentar uma das concorridas mesas do Pappare’ Bologna (Via de’ Giudei, 2), que começa a servir os seus divinais (mas equilibrados) pequenos-almoços a partir das 07h30 – talvez dê por si a comer um pudim de chia com mirtilos ou uma panqueca integral com creme de pistácio junto ao enorme retrato de José Saramago da vizinha Feltrinelli… O antigo gueto de Bolonha, oficialmente criado por ordem do Papa Paulo IV em 1566, tinha o seu epicentro precisamente na Via de’ Giudei, onde durante séculos a comunidade judaica vivera e trabalhara em paz, misturada com a população cristã numa das áreas mais vibrantes da cidade medieval. Os sinais da sua presença são hoje tristemente escassos (embora uma placa no número 16 da Via dell’Inferno assinale, por exemplo, o lugar onde em tempos funcionou a sinagoga), mas a exposição permanente do Museu Judaico de Bolonha (Via Valdonica 1/5) recapitula toda a história – incluindo a dos terríveis anos do fascismo, com as suas desumanas leis raciais (a limpeza étnica estendeu-se à toponímia, com a Via de’ Giudei a ver-se renomeada Via delle Due Torri), e da ocupação nazi, que culminaram na deportação de 114 judeus para Auschwitz.

A fabulosa Libreria Cinema Teatro Musica é uma arca do tesouro onde as novidades do mercado editorial convivem com pérolas bibliográficas raras

Outro tipo de histórias se contam não muito longe dali, na fabulosa Libreria di Cinema Teatro Musica (Via Mentana, 1/c), autêntica arca do tesouro onde as novidades do mercado editorial neste segmento convivem com pérolas bibliográficas raras. A prateleira dedicada ao cineasta Pier Paolo Pasolini, que nasceu em 1922 no mesmo Bairro de Santo Estêvão onde o passeio desta manhã teve início, é particularmente avantajada. Na porta ao lado, encontrará outra instituição de Bolonha, a Osteria dell’Orsa (Via Mentana, 1), popularíssimo restaurante onde os habitantes locais se acotovelam à hora do almoço. Não se aceitam reservas, mas a fila é rápida e, enquanto espera, pode entreter-se a ver como as massas, fresquíssimas, são confecionadas in loco: a cozinha é orgulhosamente regional (e o vinho, que vem das colinas de Imola, a 40 quilómetros de Bolonha, também). Se comer demais (as sobremesas também vêm recomendadas), atravesse a rua e tome um café, um chá ou um amaro (não confundir com amaretto) no icónico Caffè Rubik (Via Marsala, 31), onde encontrará, provavelmente, uma das maiores coleções de cassetes do mundo.

Dali até uma das principais salas de exposições da cidade são apenas sete minutos de caminhada, mas recomendamos que, pelo caminho, faça o minúsculo desvio até à Catedral Metropolitana de São Pedro (Via dell’Indipendenza, 7) para ficar a conhecer o seu interior «enfaticamente barroco», como justamente aponta a Wikipédia. Já no Palazzo Fava (Via Manzoni, 2), e caso a exposição temporária não o entusiasme (a última, que encerrou as suas portas no início de novembro, era uma excelente introdução à vida e à obra de Vivaldi), espreite pelo menos o primeiro grande ciclo de frescos dos famosos irmãos Carracci. Apenas mais dois minutos a pé e estará à porta do complexo San Colombano – Collezione Tagliavini (Via Parigi, 5), uma pequena joia patrimonial de Bolonha: restaurado já no início deste século, este edifício que foi propriedade de sucessivas ordens religiosas (e que inclui uma igreja principal de três naves, uma capela, um oratório e uma cripta recentemente descoberta) alberga hoje a coleção de instrumentos antigos do músico Luigi Ferdinando Tagliavini. É difícil decidir o que é mais fascinante, se os velhos instrumentos de cordas, todos funcionais, que ali encontraram casa (e que é possível escutar de outubro a junho nos concertos da temporada musical de San Colombano), se a delicadeza dos frescos originais primorosamente conservados (e terrivelmente fotogénicos): em todo o caso, a visita é obrigatória.

Como o jantar ainda terá de esperar, a Volta ao Mundo aconselha vivamente uma paragem estratégica no Mercato delle Erbe (Via Ugo Bassi, 25), em funcionamento desde 1910. As bancas de fruta rivalizam de igual para igual com os petiscos dos bares e restaurantes gourmet que ali se instalaram nos últimos anos, mas é difícil não cair em tentação logo à entrada, no estaminé da Oggi – Officina Gelato Gusto Italiano, onde os funcionários se desdobram em conselhos sobre a proveniência dos ingredientes, muitos dos quais são quilómetro zero. Com o açúcar a dar corda às pernas, siga até outra das mais prestigiadas instituições da cidade, a Cinemateca de Bolonha (Piazzetta Pier Paolo Pasolini, 2). Além do seu excelente programa mensal de sessões e de exposições temporárias, esta instituição exemplar, responsável pelo famoso Festival Il Cinema Ritrovato que no verão enche a Piazza Maggiore com as suas projeções ao ar livre (anote já as datas da próxima edição: 20 a 28 de junho de 2020), desenvolve há anos uma intensa atividade de restauro filmográfico que já devolveu ao mundo uma série de obras-primas perdidas. Para quem está só de passagem, a Biblioteca Renzo Renzi, sempre cheia de estudantes e estudiosos, é uma boa introdução.

Com ou sem um filme no papo, precisará de comer e as zonas do Mercato delle Erbe ou da Via Pratello, ambas especialmente animadas, são boas coordenadas para o efeito. O ideal é uma solução dois-em-um que combine mesa para jantar nas imediações do Mercado delle Erbe e copo pós-jantar num bar da Via Pratello. Com tanta oferta, pode ser difícil escolher, mas ficará muitíssimo bem servido no restaurante Via con Me (Via San Gervasio, 5), que se abastece no mercado vizinho (o menu varia sazonalmente, mas é o tipo de lugar onde pode encontrar beterraba assada com queijo de cabra, anchovas marinadas com burrata e pimentos vermelhos, gnocchi com lagostins ou tagliatelle com coelho e azeitonas); já sobre o bar onde estacionar a seguir, o melhor é seguir o instinto.

Dia 3

A história musical de Bolonha, declarada Cidade da Música pela UNESCO em 2006, é todo um capítulo à parte, e esta manhã servirá para aprofundar um pouco mais essa riquíssima tradição, que nos levará também ao bairro universitário, o verdadeiro coração da cidade. A primeira paragem do dia será no Oratório de Santa Cecília (Via Zamboni, 15), onde o martírio da padroeira dos músicos, entre os anos 176 e 180, aparece retratado num extraordinário conjunto de frescos encomendados pela então todo-poderosa família Bentivoglio aos maiores artistas da Bolonha quinhentista. Ao lado, a imponente Basílica de São João Maior (Piazza Rossini) também merece uma espreitadela.

De regresso à Via Zamboni, siga atrás da corrente de estudantes, atraídos pela mais antiga universidade do mundo – foi estabelecida em 1088 –, e acabará por ir ter à Piazza Giuseppe Verdi. Aqui, o centro das atenções é o Teatro Comunale (Largo Respighi, 1), inaugurado a 14 de maio de 1763 com a estreia mundial de O Triunfo de Clélia, que o compositor Christoph Gluck compôs especialmente para a ocasião, e em pleno funcionamento até hoje, apesar do incêndio que o consumiu quase integralmente em 1931. Protagonista de alguns dos capítulos mais decisivos da história da ópera europeia (aqui se estrearam várias obras-primas de Wagner, incluindo as óperas Lohengrin, Tannhäuser, Tristão e Isolda e Parsifal, a primeira das quais contou, entre a assistência, com um Giuseppe Verdi mais ou menos enraivecido perante o triunfo do seu grande rival), o Teatro Comunale recebeu, ao longo do século XIX, as principais figuras da música do seu tempo, incluindo os compositores Rossini e Bellini, e, já mais recentemente, os maestros Arturo Toscanini, Wilhelm Furtwängler, Herbert von Karajan, Ricardo Mutti e Claudio Abbado. Foi nesta sala, que hoje se pode visitar de terça a sábado ao final da manhã em detalhadas visitas guiadas, que o primeiro desafiou abertamente o regime fascista de Mussolini (acabaria por refugiar-se nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial); e foi também em Bolonha que o último sediou, em 2004, a sua Orchestra Mozart, projeto a que se dedicou até morrer, uma década depois (a casa onde viveu os seus derradeiros anos, no último andar do Palazzo Isolani, é hoje um charmoso bed & breakfast).

Finda a visita ao teatro (onde, se tiver a sorte da Volta ao Mundo, poderá assistir discretamente aos ensaios de uma nova produção), bastará atravessar a rua para ficar a conhecer um dos inúmeros projetos vanguardistas da Universidade de Bolonha, o Scuderia – Future Food Urban Coolab (Piazza Giuseppe Verdi, 2), laboratório onde se testam soluções para um novo ecossistema alimentar baseado nos princípios da sustentabilidade e da economia circular. Decididamente comunitário, o espaço funciona também como sala de concertos e de conferências, lounge, café e cantina, com quatro restaurantes pop-up a servirem comida a preços de estudante entre as 08h00 e as 22h00 (das 09h00 às 19h00 aos domingos).

A poucos metros dali, os museus do Palazzo Poggi (Via Zamboni, 33), a atual sede da Universidade de Bolonha, são uma verdadeira caixinha de surpresas. Dos três que ali estão instalados, o mais imperdível é o Museu do Palazzo Poggi, que reúne as coleções do Instituto das Ciências e das Artes: espantosamente decoradas com frescos de Pellegrino Tibaldi, Nicolò dell’Abate e Prospero Fontana, as salas de geografia e náutica, arquitetura militar, física, história natural, química, anatomia e obstetrícia são uma verdadeira cápsula do tempo do século XIX, resistindo heroicamente à transformação tecnológica que descaracterizaria a originalidade do acervo e da museografia. Noutras alas do palácio, o Museu Europeu dos Estudantes, que atravessa oito séculos de história académica, e o Museu do Observatório, com a sua torre astronómica setecentista, também merecem atenção.

Mas o grande museu da cidade é, sem dúvida, a Pinacoteca Nacional de Bolonha (Via delle Belle Arti, 56), onde obras dos mais consagrados pintores locais, como Guido Reni e os irmãos Carracci, dialogam com importantes pinturas de mestres como Giotto (Políptico de Bolonha, c. 1330), Rafael (O Êxtase de Santa Cecília, c. 1518) e Tintoretto (A Visitação, c. 1549), mas também com uma das mais singulares figuras da arte italiana, a pintora Artemisia Gentileschi, finalmente redescoberta e revalorizada (a pinacoteca tem duas telas representativas dos seus temas bíblicos mais recorrentes, uma Susana e Os Velhos e uma Judite Decapitando Holofernes).

Antes de declarar encerrada mais uma jornada, e já a caminho de um bom prato e de um bom copo, recomenda-se um curto desvio até ao Postigo da Via Piella (Via Piella, 2), um dos únicos locais da cidade onde a água ainda corre a céu aberto: procure a janela com vista sobre o canal dos Moinhos, uma extensão do canal do Reno, que a certas horas do dia se reflete nas fachadas quentes de Bolonha.

Para jantar, agarre uma mesa no descontraído Camera a Sud (Via Valdonica, 5), onde a carta de vinhos é avantajada (280 títulos, e continua a crescer) e o menu de snacks, tapas e pratos frios e quentes está disponível até bem tarde. O que, bem vistas as coisas, e se ainda quiser fazer render um pouco mais o dia, até é compatível com uma ida ao muito recomendável Teatro Arena del Sole (Via Indipendenza, 44), um dos endereços culturais mais estimulantes de Bolonha – e a apenas oito minutos a pé.

Dia 4

Deixar Bolonha sem fazer a peregrinação até à Basílica da Nossa Senhora de São Lucas (Via di San Luca, 36) seria imperdoável, pelo que este último dia deve começar por um pequeno-almoço reforçado (as pernas agradecerão). É possível encurtar a subida tomando um dos autocarros expresso que saem regularmente da Piazza Maggiore, mas compensa ganhar fôlego e percorrer os quase quatro quilómetros do maior pórtico da cidade, o Pórtico de São Lucas, entre a Porta Saragozza (uma das 12 que interrompiam a antiga muralha medieval) e a entrada da basílica. Situada no topo de uma colina, a quase 300 metros de altitude, o santuário deve a sua fama a um ícone bizantino da Virgem com o Menino, popularmente atribuído a um dos evangelistas, São Lucas, que de acordo com a tradição cristã terá sido o primeiro iconógrafo e por isso foi convertido no padroeiro dos pintores. Se ainda hoje muitos católicos, bolonheses ou forasteiros, cumprem a subida até à basílica para venerar a imagem, o certo é que o percurso, sobretudo ao fim de semana, se tornou um concorrido circuito de jogging, pelo que será improvável não ter companhia ao longo das 666 arcadas entre a partida e a chegada.

De regresso à parte baixa da cidade, os Jardins Margarida (Viale Massimo Meliconi, 1), não muito longe de outra das portas do burgo medieval, a Porta Castiglione, são ideais para recuperar do esforço. O maior e o mais frequentado dos parques de Bolonha abriu em 1879, inspirado nos jardins à inglesa, e não deixou de se renovar: em 2016, a cooperativa Kilowatt, startup alimentada por princípios de inovação social, economia circular e regeneração urbana, reconverteu as estufas num hub de projetos colaborativos que hoje oferece à cidade serviços de coworking e babysitting, oficinas para crianças e adolescentes, hortas urbanas comunitárias e uma intensa programação cultural de verão. Um delicioso e cuidado restaurante vegetariano, o Vetro (Via Castiglione, 134), completa a oferta.

A seguir ao almoço, mais uma peregrinação, desta vez até à Basílica de São Domingos (Piazza San Domenico, 13), a mais sumptuosa das igrejas da cidade. Construída em honra do fundador da Ordem dos Pregadores (ou dos Dominicanos), São Domingos de Gusmão, que se estabeleceu em Bolonha no início do século XIII, conserva os seus restos mortais na magnífica arca de mármore, ricamente esculpida por Nicola Pisano e outros artistas. Também o teto, em que Guido Reni pintou uma das suas obras-primas, a Glorificação de São Domingos, e o delicado candelabro em forma de anjo à direita do altar, testemunho da passagem do jovem Miguel Ângelo por Bolonha, merecem atenção. A história desta basílica regista ainda outras visitas ilustres, como a do jovem Mozart, que aperfeiçoou a sua técnica num dos órgãos da Capela do Rosário.

Antecipe o jantar para poder despedir-se de Bolonha com mais uma ida ao teatro. A Osteria al 15 (Via Mirasole, 13), que só abre à noite, começa a servir às 19h30 – mas é obrigatório reservar, porque este é daqueles restaurantes clássicos que os bolonheses procuram com avidez para matar saudades da verdadeira comida de conforto. Por esta hora, o néon vermelho da fachada do Teatro Duse (Via Cartoleria, 42) já estará aceso e as portas desta sala de espetáculos não tardarão a abrir-se. No final, haverá palmas, e Bolonha bem as merece.


Guia de Viagem

Ir

A partir de Lisboa, é possível voar diretamente para Bolonha com a TAP. As tarifas para os voos, diários, começam nos 120 euros por trajeto. Se viajar do Porto, a Ryanair é a melhor opção, com voos às quartas e aos sábados a partir dos 26 euros por trajeto.

Ficar

A oferta hoteleira em Bolonha é muitíssimo completa: há camas para todo o tipo de exigências e para todo o tipo de carteiras. Uma opção hipercentral e a preços simpáticos é o Albergo Garisenda, praticamente em cima das icónicas Duas Torres, onde um quarto duplo custa, na época baixa, 70 euros por noite, com pequeno-almoço incluído. Para uma experiência mais luxuosa, qual cereja no topo de um edifício histórico da cidade – o Palácio Isolani, construído no século XV, do qual lhe falámos nestas páginas a propósito de um certo maestro famoso… –, a Volta ao Mundo recomenda uma das «residências de época», a Casa Isolani, com preços a partir dos 130 euros por noite para um quarto duplo com pequeno-almoço e uma vista impagável.


Reportagem publicada originalmente na edição de janeiro de 2020 da revista Volta ao Mundo, número 303.

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