Andar de mochila às costas nas Seychelles? Sim, é possível. O arquipélago das luas-de-mel, hotéis de luxo e praias premiadas também tem opções para quem viaja com um orçamento mais apertado. Fora dos grandes resorts, há uma pequena nação onde um português se sente em casa.

Texto de Ricardo Santos

Há um caril de morcego à espera no Marie Antoinette, o restaurante crioulo a 15 minutos a pé, a subir bem, desde o centro de Victoria, capital das Seychelles. Parece-se com frango, como quase todas as carnes exóticas que temos oportunidade de provar pelo mundo. Vem acompanhado de arroz, claro, e na malga do caril sobressaem os longos ossos e cartilagens das asas dos morcegos da fruta que são prato tradicional nestas ilhas ao largo de África, a norte de Madagáscar. É um dos petiscos mais procurados da casa colonial que funciona como restaurante desde a década de 1970, e que mantém praticamente inalterada a sua ementa desde então. Por cerca de 20 euros (bebidas não incluídas), esta é uma das experiências gastronómicas mais interessantes para ser ter num país de 115 ilhas, em que três concentram a maioria da população (95 mil pessoas) e as restantes funcionam como ilhas-resort, santuários da natureza protegida ou pecados privados de milionários internacionais. O menu oferece um pouco de tudo o que se pode comer nas Seychelles: peixe fumado, marisco, vegetais, carnes, massas, arroz, tudo condimentado com o melhor da fusão que existe nestas terras africanas de coração europeu e alma índica.

Andar de mochila às costas nas Seychelles? Sim, é possível. O arquipélago das luas-de-mel, hotéis de luxo e praias premiadas também tem opções para quem viaja com um orçamento mais apertado. Fora dos grandes resorts, há uma pequena nação onde um português se sente em casa.

Mahé é a principal das ilhas e a mais populosa. É o ponto de entrada para o país, com o seu pequeno e funcional aeroporto a pouco mais de meia hora de carro desde Victoria, a capital que é tida como uma das mais pequenas do mundo. A zona central da cidade concentra todos os motivos de interesse: o mercado Sir Selwyn Selwyn-Carter, o pequeno Big Ben, o templo hindu e a área comercial. No primeiro está exposta a riqueza destes mares, com peixes de todos os tamanhos e cores. Também poderá lá encontrar legumes e fruta, mas a produção nacional é baixa, logo a maioria é importada e a preços acima da média, pelo menos para a realidade portuguesa. Nas pequenas ruas que levam ao mercado há comércio variado, seja ambulante seja em estabelecimentos certificados. Este é o coração de Victoria, em especial durante a parte da manhã, e essa é uma lição a aprender para os dias seguintes nas Seychelles: a vida acontece cedo e quase termina com o pôr do Sol.

O pequeno Big Ben é uma réplica do imenso relógio londrino e funciona aqui como rotunda para escoar o trânsito. É o local mais propício a engarrafamentos ao fim da tarde, pequenos congestionamentos no paraíso. Foi instalado em 1903, homenagem à rainha Victoria (morta em 1901 em Inglaterra), e continua a ser o monumento icónico da cidade. Como em todas as viagens, atenção para não se elevar demasiado as expetativas em relação a esta torre de relógio… Ali bem perto está o templo hindu que, a cada sete anos, é reconstruído pela comunidade local. O templo pode ser visitado e é um bom exemplo da tolerância religiosa de um país onde católicos, muçulmanos e hindus convivem pacificamente, à beira-mar e a um ritmo de chinelo no pé que só pode causar inveja. Mas inveja boa.

Dar a volta à ilha de Mahé (a maior, com 148 km2) é simples e rápido. Em duas horas, de carro alugado (cerca de 60 euros/dia), e ao ritmo aconselhado pelos limites de velocidade, a coisa faz-se. Mas só se conseguirmos resistir às muitas paragens que podem ser feitas nas pequenas aldeias de pescadores e enseadas que se vão encontrando pelo caminho. Anse Royale é uma das opções de praia, na parte sul da ilha. Beau Valon, na costa norte, é outra. Se a primeira é mais calma e silenciosa, já na segunda acontece toda a animação. Beau Valon é uma das praias públicas mais bonitas e badaladas da ilha de Mahé. O dia grande é a quarta-feira, quando ao fim da tarde se inicia um mercado que se estende até por volta das 23h. Comida, bebida e música local com o pé na areia são os condimentos. Nos outros dias da semana também há a possibilidade de provar pratos típicos a preços modestos (cerca de 12 euros para duas pessoas). É uma excelente alternativa aos restaurantes mais requintados das proximidades.

Outro ponto de visita obrigatório nesta volta a Mahé em carro alugado é o Jardim Botânico (entrada por cerca de dez euros. Aberto das 08h às 17h), melhor local para ver as espécies de flora do arquipélago. O destaque é dado ao famoso coco-de-mer, imagem de marca de um país que usa o desenho destes cocos como carimbo no passaporte de cada estrangeiro que entra nas Seychelles. No jardim, há que não perder a oportunidade de ver bem de perto as tartarugas terrestres, outro dos ícones do arquipélago. Em caso de dúvida, evite falar da ousadia do antigo Presidente da República português Mário Soares, que se sentou no dorso de uma quando aqui esteve em visita oficial em novembro de 1995. É totalmente proibido e desadequado.

Dada a voltinha, é tempo de mudar de ilha e apanhar o ferry para Praslin e La Digue, pouco menos de uma hora de viagem para a primeira, 15 minutos suplementares para a segunda. Para atrás ficam as primeiras impressões das Seychelles, o misto de história, religião, boa vida e descontração e uma refeição à base de tubarão preparada pela nossa anfitriã do Airbnb, num alojamento medíocre nos arredores de Victoria (55 euros/noite) que nem vale a pena mencionar. Há que procurar bem, fica a dica.

A escolha é entre ficar deitado na espreguiçadeira ou dar a volta a uma das ilhas em busca da melhor praia. As Seychelles são um destino completo para casais, famílias ou grupos de amigos. E com opções para várias carteiras, basta dar-se ao trabalho de planear a viagem.

O navegador Vasco da Gama, em 1502, aquando da segunda viagem para a Índia, passou por aqui. Chamou Almirantes a estas ilhas de coral e 15 anos depois uma nova frota portuguesa identificou toda a região, acabando por não reclamar o território para a coroa portuguesa.

Pode até parecer um exagero, mas com os olhos e o corpo neste mar e nesta paisagem, parece mesmo ter sido um dos maiores erros da nossa história. E não somos os únicos a pensar assim, já que nas escolas das Seychelles, até há bem pouco tempo, era ensinada às crianças uma canção tradicional sobre o homem do caminho marítimo para a Índia. A letra deixa no ar a questão: mas porque não quiseste ficar aqui, Vasco da Gama? Temos aqui tudo, praia, mulheres, paisagem, tranquilidade… Sim, Vasco, porquê? Os ingleses chegaram quase um século depois (1609), quando um navio perdeu o rumo e foi dar à ilha do Norte, hoje um resort privado que se avista da ilha principal, Mahé, onde William e Kate de Cambridge passaram a lua-de-mel. Apesar de ali terem encontrado madeira, água fresca, peixe e um porto de abrigo, também os ingleses não reclamaram o território. E durante o século e meio que se seguiu, só os piratas por aqui ancoraram. Outras potências europeias foram tomando conta de ilhas da região, como os franceses, que ficaram com a Maurícia.

Em 1744, uma expedição dirigida pelo explorador Lazare Picault, ordenada pelas autoridades mauricianas, marcou Mahé no mapa. Uma dúzia de anos depois, o conjunto de ilhas foi oficialmente reclamado com o nome de Séchelles, em homenagem ao ministro das Finanças do rei Luís XV, Jean Moreau de Séchelles. E em 1770 chegaram os primeiros colonos: 15 brancos, sete escravos e cinco indianos. Com a Revolução Francesa (1789), os colonos decidiram que queriam ser independentes da Maurícia e de França. E durante 20 anos assim se mantiveram, abastecendo navios franceses, ingleses e árabes, nomeadamente os que transportavam escravos. Os britânicos voltaram em 1811, e em força. Capturaram os navios que transportavam escravos, libertaram-nos e estes acabaram por se estabelecer nas Seychelles, contribuindo para a atual população arco-íris que povoa o país. No início do século xx, as Seychelles tornaram-se oficialmente colónia da coroa britânica e até ao início da Segunda Guerra Mundial todo o país foi dominado por um pequeno grupo de famílias de origem francesa, proprietárias de plantações.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) alimentou os desejos de independência por parte da população. No último ano da década surgiu o primeiro partido político, composto por cerca de dois mil proprietários bem servidos de dinheiro. Nos anos 1960 surgiram mais forças políticas, algumas defendendo o socialismo ou o sistema já vigente. E em 1976 veio a independência, a 29 de junho. Um ano depois, um golpe de Estado transformou as Seychelles num arquipélago de partido único de inspiração quase maoísta. Durou oficialmente 16 anos esse período do qual ainda restam campos de aprendizagem e reeducação, por exemplo, em St. Anne, ilha em frente a Mahé onde agora funciona uma unidade do Club Med.

Praslin é a segunda maior ilha das Seychelles, em tamanho e em população – são 7500 habitantes para quase 40 km2 de área. Os 50 minutos de ferry (seyferry.com) desde Mahé passam rapidamente. A embarcação é confortável, segura, com sistema de entretenimento e convém fazer a reserva da viagem com 48 horas de antecedência. Há sempre a hipótese de chegar em cima da hora, Esta é a terra das tartarugas terrestres, dos coqueiros e das praias de sonho, mas também de uma população arco-íris que combina influências de África, Ásia e Europa. Sempre com uma brisa do Índico a acompanhar. mas fica-se dependente do número de passageiros para saber se há lugar. E nos meses de dezembro, janeiro, julho e agosto, as temporadas altas, a frequência de turistas é assinalável. Em especial ao fim de semana. Cada viagem ronda os 50 euros por pessoa. Praslin é a terra dos já falados cocos-de-mer. São cocos machos e cocos fêmea originários destas florestas e podem ser vistos na reserva natural de Vallée du Mai, desde 1985 considerada Património da Humanidade pela UNESCO. Também por aqui anda o papagaio-negro, a ave nacional. O acesso à reserva ronda os 20 euros por pessoa, mas vale bem a pena. Outra hipótese para conhecer o interior da ilha e a sua diversidade internacional é informar-se sobre as frequentes ações de reflorestação levadas a cabo pela população e organizações locais. Na guesthouse escolhida para passar uma semana em Praslin – Tourterelle Holiday Home –, a família responsável pela unidade tratou de tudo para os que os hóspedes fizessem parte do momento. Foi uma manhã bem passada com mais de 300 árvores plantadas. O resto do dia foi dedicado à praia. E aí há muito por onde escolher.

Praslin não desilude. Escolhemos o autocarro público. São menos de 50 cêntimos de euro a viagem que dá a volta à ilha. A cada curva do caminho é muito provável que se encontre a praia de sonho de uma vida. Como a Anse Lazio, mar quente, palmeiras até ao areal e as inconfundíveis rochas arrendondadas e gigantescas plantadas à beira-mar. Não faltam enseadas para snorkelling, carrinhas de fast food onde se compram caixas de caril para comer na praia. Ou peixe assado, acompanhado por uma cerveja fresca (cerca de dois euros uma mini). Presume-se que, ao custo da insularidade, os comerciantes locais (na sua maioria de origem indiana ou paquistanesa) acrescentem o imposto pela vista deslumbrante. E para os mais afortunados que escolham um alojamento onde possam cozinhar, como foi o caso, fica o conselho: dois quilos de peixe comprados diretamente ao pescador em Grand Anse (uma das localidades da ilha), já devidamente amanhado e limpo, fica por cerca de seis euros. Nas praias há que ter atenção às famigeradas sandflies, flebotomíneos, em português. São uma subfamília de pequenos insetos que picam como gente grande. A solução é óleo de coco espalhado pelo corpo após o protetor solar. O processo pode levar alguns minutos, mas compensa. Os bichinhos não se aproximam com o óleo de coco e isso torna a viagem muito mais agradável. E se tiver a sorte de estar a um domingo em Praslin, procure as animadas festas de família no areal, com comes e bebes, jogos, música e muitos mergulhos no mar.

La Digue é a mais pequena das três povoadas e onde encontramos aquela que é considerada a mais bela praia do mundo: Anse Source d’Argent. Para cá chegar são mais 15 a 20 minutos de ferry desde Praslin. A badalada praia é a face mais visível de um pequeno paraíso. Está localizada numa propriedade privada, uma antiga plantação familiar, onde se cobra pouco mais de sete euros por pessoa pelo acesso de um dia com várias reentradas. Vale cada cêntimo, em especial se chegar bem cedo. É que, sendo uma praia capa de revista, é o local mais visitado. Em especial pelos passageiros dos navios de cruzeiro que todos os dias aportam em Victoria. Antes das 10h é a calma e tranquilidade. Daí até às 15h é um pouco mais caótico, mas nada que uma cerveja gelada local (Sey Brew) e um hamburguer não ajudem a suportar. Em todo o caso, não estenda a toalha logo nas primeiras enseadas (as mais concorridas) e arrisque mais cinco a dez minutos a pé. Vale por tudo: silêncio, beleza e exercício físico. Depois, é pôr a máscara e o tubo de snorkelling e deixar as horas passar, nadando entre peixes e cães vadios que pescam o que lhes é possível.

La Digue tem cerca de três mil habitantes e meia dúzia de carros. O transporte mais popular é a bicicleta (aluguer de dez euros/dia) e tudo está a curta distância. A estrada pavimentada não cobre toda a ilha, por isso há espaço e tempo para caminhadas e pedaladas na natureza. Passe é a localidade principal, encostada ao porto, onde há mais lojas, cafés e restaurantes. Depois do desembarque, é aqui que estão os carrinhos elétricos à espera dos passageiros para os levar aos hotéis e guesthouses da pequena ilha com dez quilómetros quadrados. É difícil encontrar alojamento a menos de 60 euros/noite para duas pessoas. E com as bicicletas já incluídas, não se esqueça de regatear. Além da praia-modelo, La Digue tem mais alguns encantos, como a praia de Grand Anse e o caminho para lá chegar – beba um sumo natural no único bar de estrada, decorado com os melhores preceitos de reciclagem. Não há que enganar. E no topo das preferências, literalmente, está o Belle Vue, um bar quase no topo da serra que também funciona como restaurante (sob reserva) de onde se assiste ao pôr do Sol como em mais nenhum lugar da ilha. A pé, a caminhada chega facilmente a meia hora. De bicicleta, há momentos em que parece estarmos a ultrapassar uma contagem de montanha na Senhora da Graça. Num dos poucos táxis, é a facilidade extrema por cerca de 20 euros/pessoa.

Sim, é possível fazer mochilão nas Seychelles e perceber melhor o país por trás do paraíso das luas-de-mel. Não é um destino barato, uma vez que a maior parte dos produtos são importados e o custo de vida é elevado, mas é um destino completo. Tem algumas das melhores praias do mundo, é seguro, cultural e historicamente rico e permite a loucura de andar três semanas de calções e chinelos. Há lá coisa melhor?


Guia de viagem

Ir

Documentos: Passaporte
Moeda: Rupia (SCR). 1 euro equivale a 15 SCR
Fuso horário: GMT + 4 horas
Idioma: Inglês, Francês, Crioulo

Dormir

MAHÉ
Airbnb e Booking
Há diversas opções na ilha, em casas privadas ou guesthouses. No centro de Victoria a oferta é reduzida, nos arredores a qualidade não é a melhor. Recomenda-se #icar nas localidades mais pequenas. Procure as melhores referências antes de fechar negócio.

PRASLIN
Tourterelle Holiday Home
É só atravessar a estrada e estamos na praia. Este alojamento familiar tem as melhores condições de higiene, simpatia dos funcionários e proximidade a supermercados, praia e restaurantes.
Mínimo de 3 noites, em quarto duplo com kitchenette desde 264 euros
St Joseph Road Grand-Anse
booking.com

LA DIGUE
Airbnb e Booking
Tal como em Mahé, a aposta deverá ser em opções no interior da ilha. A praia está sempre por perto e a bicicleta faz milagres por aqui.

A não perder

MAHÉ
Jardim Botânico
Melhor local para ver as espécies de flora do arquipélago com destaque para o coco-de-mer. No entanto, o grande ponto de interesse são as tartarugas terrestres, que se tornaram imagem de marca do país. Em caso de dúvida, evite falar da aventura do antigo Presidente da República português que se sentou no dorso de uma. É totalmente proibido e desadequado. Entrada por cerca de dez euros. Aberto das 08h às 17h.

Praia de Beau Valon
É uma das praias públicas mais bonitas e badaladas da ilha de Mahé. Aproveite-a às quartas-feiras ao fim do dia, quando se inicia um mercado local que se estende até por volta das 23h. Comida, bebida e música local com o pé na areia. Pode aceder-se através de carro ou de barco e tem restaurantes e bares nas proximidades. Ideal para passar o dia.

LA DIGUE
Anse Source D’Argent
É a praia. Aquela que nos ficará para sempre na memória. Poucas palavras servirão para a caraterizar. Custo de entrada na propriedade a rondar os sete euros. Chegar lá de bicicleta aumenta a riqueza da experiência (aluguer da bicicleta por cerca de dez euros ao dia).

Belle Vue
É o ponto mais alto da ilha, a vista ideal para o pôr do Sol. Cocktails e refeições com reserva prévia.

PRASLIN

Anse Lazio
Praia de revista, água quente, alguma rebentação mas sem perigosidade. Pode aceder-se através de carro ou de barco e tem restaurantes e bares nas proximidades. Ideal para passar o dia.

Vallée de Mai
Reserva lorestal onde crescem os famosos cocos-de-mer em estado selvagem. O preço do bilhete ronda os 20 euros por pessoa e pode ser considerado demasiado elevado para a oferta, mas estará a contribuir para a preservação de um local considerado Património da Humanidade pela UNESCO.


Reportagem publicada originalmente na edição de fevereiro de 2020 da revista Volta ao Mundo, número 304.

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