Lousada é um pequeno tesouro por descobrir. Há monumentos que nos contam a vida passada, quintas escondidas na paisagem e vinhas que marcam encontro com o cinema de animação. E, claro, não faltam bons sítios para aconchegar o estômago.

Texto de Ana Luísa Santos
Fotografias de Artur Machado/Global Imagens

Sete blocos de betão de diferentes tamanhos unidos por corredores de vidro. A arquitetura do recente Centro de Interpretação do Românico, um trabalho do ateliê Spaceworkers, aberto há cerca de um ano, pode não ser entendida logo no primeiro olhar, mas uma breve explicação rapidamente desfaz as dúvidas. «O edifício está carregado de simbolismo. A porta por onde se entra é um arco de volta perfeita, uma característica do românico, os blocos de betão parecem prontos a ser trabalhados, para dar origema um castelo ou a uma torre», partilha Joaquim Costa, guia interpretativo, explicando ainda a escolha do betão em detrimento do granito, «é o material da nossa época».

O equipamento está de portas abertas no centro de Lousada, desde 27 de setembro do ano passado, Dia Mundial do Turismo, e «é mais uma porta o território», afirma Joaquim, referindo-se à região do Tâmega e Sousa, que durante muito tempo foi associada apenas à indústria. Hoje, à gastronomia, à doçaria e aos vinhos verdes junta-se o equipamento, que promove a Rota do Românico, composta por 58 monumentos, como igrejas, pontes, mosteiros, torres, ermidas e memoriais, salpicados pelos vales do Sousa, do Tâmega e do Douro. Trata-se de edificações da Idade Média, caracterizadas pelo uso do granito, cujo centro ajuda a contextualizar nas suas seis salas temáticas, algumas interativas.

O Centro Interpretativo do Românico é um bom ponto de partida para quem quer conhecer os seis monumentos da rota em Lousada.

Desde a sala Território e Formação de Portugal, onde a romanização, os castros e os monumentos são projetados numa maqueta, com a ajuda de um ecrã tátil, até à sala Os Monumentos ao longo dos Tempos, onde se observam imagens antigas dos monumentos, ferramentas e materiais de obras, a visita ocupa cerca de uma hora e dá a bagagem necessária, como informações e mapas, para se partir à descoberta. «A Rota do Românico é um projeto-âncora do território. A ideia é que as pessoas vejam os monumentos, comam nos restaurantes e fiquem nos alojamentos», refere Joaquim Costa. E mesmo no centro da vila há duas novidades, boas opções para confortar o estômago antes, ou depois, de visitar alguns dos monumentos da rota.

A Hamburgueria da Praça, a única hamburgueria artesanal de Lousada é uma das novidades. Os 15 hambúrgueres de vitela, picanha, porco, frango e um vegetariano são servidos há dois anos numa casa restaurada quase bicentenária. «Tentamos recuperá-la sem alterar muito», explica Sérgio Machado, o proprietário, acrescentando que isso está à vista na casa de banho, que ainda mantém a banheira de pés. Ao todo, há duas salas para refeições e uma esplanada com vista para o Jardim do Monte do Senhor dos Aflitos, que abre no verão. A poucos metros do jardim, fica o Best Food, o café de comida saudável de Daniela Ferreira, nutricionista. Saladas, tapiocas, tostas, açaí e smoothie bowls fazem parte de uma carta com opções vegetarianas, sem glúten e com produtos locais, que atrai muita clientela, sobretudo ao almoço.

Dali até qualquer um dos seis monumentos românicos que se encontram em Lousada – Ponte da Veiga, Torre de Vilar, Igreja do Salvador de Aveleda, Ponte de Vilela, Igreja de Meinedo e Ponte de Espindo – não são mais de 15 minutos, de carro, numa viagem que dá lugar a ver vinhas, casas senhoriais e quintas. O percurso também pode ser feito a pé, sugerindo-se para isso reservar um dia inteiro. Todos merecem uma visita, mas destaca-se sobretudo a Ponte de Espindo, ainda hoje usada, e tão bonita que à distância parece tratar-se de um quadro, as duas igrejas, e a Torre de Vilar, inserida no Parque da Torre de Vilar, que ajuda a reforçar a sua beleza.

Na Casa-Museu de Vilar − A Imagem em Movimento percorre-se a história do pré-cinema e fala-se do cinema de animação.

A torre apresenta um pequeno centro interpretativo no rés-do-chão que pode ser visitado ao fim de semana. Durante os dias úteis, as portas abrem-se apenas por marcação. Vale a pena vencer os lances de escadas e apreciar a panorâmica, a 14 metros de altura, sobre as vinhas e o casario de Lousada e Felgueiras. Com atenção, encontra-se o Santuário da Senhora da Aparecida, palco de uma romaria em honra da Senhora da Aparecida, de 13 a 15 de agosto. No segundo dia é transportado o maior andor do país, com 22 metros, aos ombros de 80 homens, num momento de grande emoção. A folhagem das árvores não deixa perceber mas o Alpha Lounge está mesmo ali ao lado. Miguel Santos abriu há quatro anos este espaço que reúne bar, esplanada e restaurante, com a envolvente privilegiada do parque. Durante o inverno, o bar abre na sexta à noite e também à tarde durante o fim de semana, para servir tostas, francesinhas, crepes, gelados artesanais e uma trilogia de pregos de salmão, peito de frango e lombo de boi. As noites de sábado são embaladas por concertos ao vivo ou DJ, e cocktails na mão. No verão, o espaço abre durante a semana e o restaurante, que vai sofrer uma remodelação, vai acolher chefs convidados.

Uma outra possibilidade para comer em Lousada passa por um dos clássicos da vila, o Estrada Real, cujo nome abrange ainda uma adega, um snack-bar e um hotel com 16 quartos. Na sala do restaurante, que está a celebrar 34 anos, os almoços demoram-se à volta de travessas de cozido, tripas ou rojões, em diferentes dias da semana. O bacalhau à Real, coberto com cebolada e maionese, o cabrito assado e os tenros filetes de polvo com arroz de tomate são outras opções, mas sugere-se guardar algum espaço para os doces que ali perto começaram a ser feitos pela bisavó de Cláudio Carvalho, atual proprietário, ao lado da mãe, Rosa Babo. Crocantes beijinhos-d’amor e uma fatia fofa de pão-de-ló dão por terminado a repasto da melhor forma.

Quintas, cinema e vinho

Passados os portões verdes do número 921, da Rua Rui Feijó, surge uma casa oitocentista pintada de cor-de-rosa. Subindo-se meia dúzia de degraus de pedra, ocupadas por abóboras colossais, entra-se na Casa-Museu de Vilar – A Imagem em Movimento, onde o premiado realizador e produtor Abi Feijó, membro da Academia dos Óscares desde julho, nos guia pelo mundo do cinema de animação, em três salas distintas. É uma visita a fazer-se com vagar – no mínimo com uma hora e meia – para dar tempo a Abi de contar, na primeira sala, a história do pré-cinema. Abi recorre muitas vezes a exemplos práticos que enriquecem e animam a experiência. Ora mostra um fenaquistiscópio e um praxinoscópio em ação ora explica o que são os princípios de staging ou como funciona a técnica lenticular. Na segunda sala é destacada a obra de Abi Feijó e de Regina Pessoa, também uma premiada realizadora de filmes de animação. Na terceira e última sala dá-se a conhecer uma coleção de desenhos originais de filmes de animação estrangeiros, da coleção de Abi Feijó, Regina Pessoa, Normand Roger e Marcy Page, sobre os quais Abi fala um pouco, com um fascínio que resume em duas frases: «Uma curta está mais para um poema, e uma longa para um romance. É essa poesia que eu procuro.»

E é uma aura poética que envolve a Quinta da Tapada, onde até meados de janeiro tiveram lugar as gravações de um filme português. É «a maior quinta da região», segundo Pedro Amado, diretor de alojamento, e dela fazem parte 54 hectares ocupados por vinha, adega, uma queijaria e uma plantação de kiwis, jardins e um impressionante solar do século XVIII. Os seis quartos podem ser ocupados a partir de abril, altura pela qual o museu trifacetado sobre os setores agrícola, dos laticínios e administrativo estará terminado. Até lá, é sempre possível visitar a loja e comprar queijo Trevo e vinhos Casa do Carregal.

Onde também se produz vinho é na Quinta de Lourosa, a cerca de cinco quilómetros. Nesta casa de campo, onde a produtora e enóloga Joana Castro e os pais vivem, há sete quartos, uns rústicos, outros mais modernos, com nomes de castas, prontos a receber enófilos ou quem procura um lugar sossegado para desligar. E, a isso, tudo ajuda – a piscina, o campo de ténis, o baloiço e a sala com lareira onde apetece ficar toda a noite. Durante o dia, há que aproveitar as atividades disponíveis, gratuitas para hóspedes. Duas delas são o passeio pelas vinhas, onde Joana fala do LYS, o sistema de condução da vinha que o pai, Rogério Castro, criou, e visita à adega com prova comentada. Apesar de Joana admitir que está «sempre a pensar em coisas novas à volta do enoturismo», o número de quarto é para se manter. «Não queremos massificar.»

Da mesma forma pensa Célia Morais, que não pensa aumentar o Distinto, um restaurante pequeno e quase sempre lotado. Instalado na garagem de uma moradia amarela, a fachada não deixa adivinhar a espécie de taberna que ocupa o seu interior, com mesas de madeira, bancos corridos e uma salamandra que agora se começa a acender. A especialidade é só uma e é por ela que a casa enche nos três dias em que abre, de sexta a domingo. A francesinha folhada, recheada com bife de vaca, frango, porco ou vegetais, e acompanhada por cerveja belga La Trappe, atrai comensais de perto, mas também do Porto, de Vila Nova de Gaia e até lisboetas já lá param. Um dos vários segredos que Lousada guarda.


Guia de viagem

Ficar
Quinta da Tapada
R. do Barroco, 11
Tel.: 255820920
Web: quintadatapada.pt

Quinta da Lourosa
Estr. Santa Maria de Sousela, 1913
Tel.: 963213655
Web: quintadelourosa.com
Quarto a partir de 60 euros por noite (inclui pequenoalmoço)

Comer Hamburgueria da Praça
Praça da República, 159
Tel.: 916108772
Web: facebook.com/hamburgueradapracalousada
Das 12h00 às 15h00 e das 18h00 às 23h00; sexta e sábado até à 01h00. Encerra domingo ao almoço.
Preço médio. 8 euros.

Best Food
R. São Sebastião, 110
Tel.: 255165889
Web: facebook.com/bestfoodcomidasaudavel
Das 09h30 às 19h. Encerra ao domingo.
Preço médio: 8 euros.

Alpha Lounge
Parque da Torre de Vilar, Vilar do Torno e Alentém
Tel.: 914993754
Web: facebook.com/alphalounge.pt
Sexta das 21h00 às 02h00; sábado das 14h00 às 02h00; domingo das 14h00 às 20h00.

Estrada Real
Avenida Estrada Real, 414
Tel.: 255733154
Web: estradareal.pt
Preço médio: 20 euros

Distinto
Estr. da Boavista, 365
Tel.: 917720597
Web: facebook.com/francesinhafolhada
De sexta a domingo das 19h00 às 23h00.
Preço médio: 10 euros.

Conhecer
Centro de Interpretação do Românico
Praça das Pocinhas, 107
Tel.: 918116488
Web: rotadoromanico.pt
Das 10h00 às 18h00. Encerra à segunda.
Preço: 3 euros.

Casa Museu de Vilar – A Imagem em Movimento
Rua Rui Feijó, 921
Tel.: 936275674
Web: casamuseudevilar.org
Visitas por marcação.
Preço sob consulta.


A revista Evasões integra a edição de sexta-feira do Jornal de Notícias, sendo vendida separadamente a partir de sábado.


Reportagem publicada originalmente na edição de fevereiro de 2020 da revista Volta ao Mundo, número 304.

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