Patrícia Campos saiu de Portugal para fazer voluntariado em Angola e, quando regressou, só queria voltar. Foi abafando a vontade com pequenas viagens, mas, uma década depois, deixou casa e trabalho por um sonho: viajar enquanto a vontade durar.

Texto de Bárbara Cruz

Não foi de pequenina que Patrícia Campos, de 34 anos, começou a viajar. Bem pelo contrário, só na juventude, já depois de ter entrado para o curso de Cardiopneumologia e apenas porque lhe propuseram fazer uma missão em Angola, no âmbito de um projeto de voluntariado. Tinha então 20 e poucos anos, colaborava com a Cruz Vermelha na vila de Sobreira, em Paredes, distrito do Porto, de onde é natural. «Acho que a minha aventura começou aí.»

Foi para Angola durante dois meses, trabalhar para um centro de acolhimento de crianças de rua e ajudar num hospital de Luanda, «mais a nível social». Regressou a Portugal, terminou o curso e começou a trabalhar. Quando teve oportunidade, voltou a Angola para mais um projeto, e usava o dinheiro que sobrou para viajar, sozinha ou com amigos, alimentando o bichinho recente do gosto pelas viagens, que lhe ficara das experiências de voluntariado internacional.

As primeiras vezes que saiu do país sem companhia foram para viagens muito curtas, normalmente dentro da Europa. Até que, por acaso, se viu sozinha a caminho da Tailândia, do Camboja e do Vietname, para ficar quase um mês. A amiga com quem tinha planeado tudo teve de desistir à última hora e Patrícia não quis dar o investimento por perdido. «Era tudo novo», conta a rir-se. A mãe dizia-lhe que era loucura ir para a Ásia naquelas condições, mas rematou a conversa com um «tenho tudo marcado».

Aterrou em Banguecoque e diz que fez amigos assim que pôs um pé no chão. «Apercebi-me de que havia muita mais gente a viajar como eu, de mochila às costas. E basta sentares-te à mesa num hostel, onde toda a gente se junta, para conheceres pessoas. É muito fácil», garante.

Sustos não teve. Talvez o facto de ser mulher e estar sozinha a tenha deixado «mais alerta», com mais atenção ao que estava a acontecer. «É mais difícil enganarem-te. Mas isso pode acontecer em qualquer parte do mundo», alvitra.

Depois da grande viagem, deixou-se ficar e começou a criar raízes. Ainda foi ao Egito com um grupo de turistas de todo o mundo, pouco depois da Primavera Árabe, mas deixou-se absorver pelo trabalho e acabou por sair cada vez menos da concha. No entanto, uma ideia não lhe saía da cabeça: como seria viajar pelo mundo sem data prevista de regresso? «O sonho manteve-se ali alguns anos, sem o conseguir concretizar», admite. «Mas, ao fim de algum tempo, percebes que vais perdendo amigos à tua volta, que há situações que te deixam vulnerável, e dizes: caramba, a vida é mais do que isto, é mais do que o trabalho. É preciso viver mais.» Deu o murro imaginário na mesa e, em 2014, começou a organizar-se.

«Apercebi-me de que havia muita mais gente a viajar como eu, de mochila às costas. E basta sentares-te à mesa num hostel, onde toda a gente se junta, para conheceres pessoas. É muito fácil», garante.

Decidiu pôr duas das suas grandes paixões, a escrita e a fotografia, ao serviço de um blogue de viagens. Nascia assim o lookingaround.me, onde continua a relatar e mostrar os trajetos que vai percorrendo pelo mundo. Poupou, investiu num negócio de T-shirts com fotografias que tirava e, já perto da partida, pôs a casa onde vivia, no centro do Porto, a arrendar no Airbnb. Passou a pasta ao irmão e, em março de 2016, foi para a Holanda, onde vive uma irmã. O plano inicial, que saiu gorado – como quase todos – era andar três meses pela América Latina, regressar à Holanda e fazer de bicicleta o percurso até Portugal, metendo pelo caminho francês até Santiago de Compostela.

Chegou à Guatemala às três da manhã, depois de sucessivos atrasos no voo. O taxista que a levou à casa da jovem que lhe tinha oferecido sofá, através do couchsurfing, perdeu-se inúmeras vezes. Mas a anfitriã abriu-lhe a porta da casa, «uma belíssima casa», com um enorme sorriso no rosto. «A partir daí, perdi todos os receios e comecei a viagem com a maior tranquilidade», confessa.

Antes de partir, tinha-se inscrito num site em que se disponibilizava para trabalhar em troca da alojamento e alimentação. Foi assim que foi parar a um eco-hotel junto do lago de Atitlán, nas terras altas da Guatemala, «um sítio paradisíaco» onde só tinha de ajudar na receção e orientar turistas. «Achava que era sorte a mais», reflete. Ficou durante um mês e depois cruzou o México para chegar a Cuba, onde esteve 15 dias, dos quais três a dormir no veleiro de uma alemã que andava a viajar sozinha. Vai desfiando os países por onde passou, pontuando com as histórias de que não se esquece: como andou à boleia pelo México com uma argentina, a viagem de 18 horas de Antígua para a Nicarágua numa carrinha com mais 15 pessoas – «e só eu é que sabia falar espanhol» – ou de como, na Costa Rica, passou uma semana a viajar de carro com italianos que conheceu à chegada. «Depois de três meses comecei a pensar: isto é viável, sinto-me bem, porque não fico? Vou até onde conseguir, até onde tiver vontade, e depois regresso a casa.» E foi o que fez.

Ainda regressou ao eco-hotel da Guatemala, fez projetos e voluntariado na Nicarágua, visitou a cidade do Panamá, a Bolívia, a Colômbia e entrou no Peru de barco, através da Amazónia. Foi para São Paulo de autocarro, uma viagem de 21 horas que a levou de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, até ao Brasil. «Pensava que ia dar em louca, mas a paisagem era deslumbrante», conta.

Ainda passou pelo Rio de Janeiro antes de voltar à Holanda, para ver a família, e depois a Portugal. Aterrou a 3 de janeiro deste ano, nove meses depois de ter partido e no dia em que fazia 34 anos, ciente da «reviravolta» que tinha dado à vida. Entretanto, já foi convidada para ser líder de viagens na América Central e está a delinear projetos, entre os quais um livro, que lhe permitam continuar a desfrutar do melhor de dois mundos: ter uma base em Portugal e fazer vida no estrangeiro. «Estou a reestruturar a minha vida com mais liberdade. É uma coisa nova, não sei como vai correr. Mas não tenho ânsia de voltar ao mesmo.»

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