Somos um olhar que avança pela cidade, detendo-se em nada, como se estivéssemos desligados das imagens do mundo, como se existíssemos fora delas e, aparente paradoxo, levando-as dentro de nós. Dependendo da resistência de cada um, a corrida permite que, de forma relativamente rápida, se percorra distâncias que, caminhando, parando em montras, entrando em lojas, poderiam demorar tardes inteiras. Acredito que há poucas formas mais envolventes de descobrir uma cidade do que através da corrida.

Toda a gente já viu algum filme com personagens a correr no Central Park. Essa é uma das cenas marcantes da cidade. É assim mesmo que nos sentimos, dentro de um filme. Ao correr no Central Park, passamos por muita América. A grande dimensão e a quantidade de percursos permitem inúmeras combinações, mas o percurso mais tradicional é à volta do reservatório de água Jaqueline Kennedy Onassis. Nesse caminho circular, a qualquer hora do dia, há gente de todas as formas a correr a todas as velocidades, com todos os estilos possíveis. Assistir a essa diversidade é estranhamente viciante.

E correr na cidade do tango? Sim, claro. Puerto Madero é um dos lugares preferidos para muitos. Os longos passeios são partilhados com ciclistas e patinadores, sobretudo no fim de semana. Toda a zona é nova, renovada, oferece bom piso. Oferece também a tranquilidade das margens do rio de la Plata, com as suas águas opacas.

Há poucas formas mais envolventes de descobrir uma cidade do que através da corrida. Nova Iorque, Buenos Aires, Paris, Cairo, Pequim…

O rio Sena dispensa grandes apresentações. Não é preciso ser um casal de corredores em lua-de-mel para se interessar pela ideia. Paris é uma cidade especial, moldada por uma história de grande importância para toda a cultura ocidental, para toda a humanidade. No entanto, não seria a mesma, não teria o mesmo charme, sem o rio Sena, sem as suas margens e pontes. Junto às águas, há caminhos que estão vários metros abaixo do nível das ruas. É por aí que se deve seguir, fazendo corridas imaginárias com os barcos, passando por baixo de pontes que foram atravessadas pelo próprio Napoleão.

No meio do rio Nilo, a pequena ilha de Zamalek talvez seja um dos melhores lugares para correr no Cairo. Para além de toda animação, que vai crescendo ao longo da manhã, trata-se de um bairro relativamente tranquilo e que, ao longo do rio, apresenta lindos cenários. No início do dia, começa a escutar-se o chamamento matinal para a oração. Estende-se a partir de altifalantes nos minaretes das mesquitas. Ao mesmo tempo, vindas de muitas direções, escutam-se vogais arrastadas.

Na China atual, tudo é sempre novo. Correr em Pequim é uma oportunidade. As ruas são imensas, têm passeios amplos, próprios para muita gente, e são extensas, sem fim, quilómetros e quilómetros. As grandes diferenças culturais permitem imagens incríveis: trabalhadores fazem ginástica sincronizada na porta das empresas, grupos de estudantes de uniforme, vendedores ambulantes de tofu.

Sem medo. Vale a pena levar um cartão com o endereço do hotel e sair a correr. As ruas esperam-nos.

Leia aqui todas as crónicas de José Luís Peixoto.


Crónica publicada originalmente na edição de outubro de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 300.


 

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