A sudoeste do paraíso

Com muito Alentejo à vista, há um refúgio campestre que se autointitula paraíso. É precisa muita força de vontade para se sair de lá à descoberta de uma costa única. Roteiro de praias e de restaurantes para apreciar durante todo o ano em Odemira.

Texto de João Mestre

Barranco do Inferno. Na beira da estrada que vem de São Teotónio, corridos uns cinco quilómetros, surge esta placa de letras negras sobre fundo branco, é difícil não reparar nela, de tão sugestivo o nome. Refere-se a um lugar no sopé do monte, meia dúzia de casas e pouco mais. Por baixo dessa placa, uma tabuleta colorida, que, apesar de apontar na mesma direção, dá uma indicação oposta: Paraíso Escondido.

Quando deram com o sítio, Berny Serrão e Glenn Cullen, com esta imensa panorâmica de serra alentejana diante dos olhos, decidiram chamar lhe «paraíso». Nasceu como casa de férias do casal, ela portuguesa nascida em Moçambique, ele australiano de ascendência inglesa. Na altura, andavam pelo mundo, viveram em vários sítios, de África do Sul a Singapura. Entretanto, cansaram se, quiseram assentar, e o refúgio de férias virou projeto de vida.

Em 2014, abriram as portas da sua casa para que o mundo viesse ter com eles. Começaram com quatro quartos e uma suite na casa principal, de traço alentejano. Entretanto, construíram um segundo edifício, de linhas modernas, embutido na encosta, onde fizeram a sua residência e o spa, bem como duas novas suites que estão em vias de finalização.

Novidades já estreadas, também as há: a suite independente Amarula, de inspiração africana, com cama de dossel, ventoinha de teto e um convidativo alpendre para admirar o pôr-do-sol, e, um pouco afastados da casa, dois bungalows sobre estacas, um rodeado de árvores, com feeling de casa no bosque, o outro destacado da encosta, quase como uma torre de vigia sobre a várzea que se estende a nordeste da propriedade. Em todos eles, o mesmo silêncio. Tal como à sombra do alpendre da casa ou à beira da piscina. Aqui vem‑se para encontrar paz.

Mergulhos e petiscada

O mar fica a 12 quilómetros em linha reta. Por linhas tortas, num raio de 15 a 30 quilómetros tem‑se uma dúzia de praias à disposição, metade delas com bandeira azul. E todas, sem exceção, bonitas de se admirar. Pergunta armadilhada: há prazer maior do que um mergulho de mar quando o calor aperta? Claro que sim. O prazer de saber que, logo de seguida, sem necessidade de mudar de roupa ou sequer de tirar o sal do corpo, há petiscada à espera. Portanto, ninguém levará a mal que na escolha da praia pese o fator estômago.

Quem se faz à estrada rumo a Odeceixe, por exemplo, pode saber que vai encontrar o conforto da Taberna do Gabão. Nesta casa de paredes brancas e faixa azul, pratica‑se cozinha de confluência, entre a matriz alentejana, a matéria‑prima da costa trabalhada sem grandes artifícios além da grelha, e especialidades que juntam os dois mundos, entre elas arroz de tamboril e feijoada de búzios.

A Zambujeira do Mar é outro desses paraísos. O Barca Tranquitanas é um dos notáveis, para quem vem com o sentido no peixe fresco. Fica fora da aldeia, na Entrada das Barcas. Em não havendo vontade de pegar no carro, basta seguir a rua pedonal até ao fim, para encontrar uma petiscaria de espírito mais contemporâneo. No Vicentino, mandam os hambúrgueres, cervejas artesanais, mas também os «frutos» do Atlântico, trabalhados em técnicas importadas. Além de um tártaro de peixe do dia, servem de exemplo o tataki de sarrajão, o ceviche de mexilhão, o carpaccio de polvo.

Vila Nova de Milfontes mantém o charme do passado. E o rio Mira sempre
presente.

Último mergulho

Há vários pretextos para passar por Milfontes: a parelha de praias que guardam a foz do Mira, os passeios de barco que dão a descobrir todo um outro Alentejo rio acima, a própria vila, agradável de se passear. Mas nenhum, porventura, tão mobilizador como a Tasca do Celso. Já não constitui segredo, daí que seja boa altura para alargar a base de apostas.

No Tasco do Largo regala se o estômago com um desfile de petiscos: amêijoas à Bulhão Pato, polvo à Largo (à galega), carapaus alimados… Caso a vista para o mar seja fator determinante na escolha de mesa, então o melhor é rumar ao Porto das Barcas. Fica no cimo da falésia, sobre o porto de pesca que lhe dá o nome, com vistas desafogadas sobre o Atlântico – e várias espreguiçadeiras perfiladas, como lugares de camarote para o espetáculo que o pôr-do-sol ali dá diariamente.

À mesa serve-se o mar, pratos tradicionais com toques autorais e alguns de cozinha internacional. Um expositor à entrada exibe a safra do dia e a lista dos «especiais», que pode muito bem incluir uma rica raia alhada a não perder de vista. Na lista dos fixos, gambas à Brás, polvo na frigideira com batata‑doce ou arroz de limão com robalo e amêijoa. E, sublinhe‑se, uma boa carta de vinhos, com o Alentejo em primeiro plano.

Doze praias, aldeias, vilas, mercados, restaurantes, campo e mar. Tudo existe
num raio de 15 quilómetros à volta do Paraíso Escondido.

Depois da caminhada, o descanso

É natural que o almoço peça um passeio digestivo. Junto ao Porto das Barcas passa um dos trilhos da Rota Vicentina, a ligar Milfontes a Almograve. A etapa completa leva 15 quilómetros e o percurso é de respeitável dificuldade, mas o bom das caminhadas é poder voltar‑se atrás quando se achar que já chega. A seis quilómetros fica a praia do Malhão e, de caminho, sempre pela orla costeira, há diversas praias selvagens para admirar. Por vezes, ganha a zona de conforto do Paraíso Escondido.

Os tratamentos de spa de massagem tailandesa e ayurveda indiana. A espreguiçadeira à beira da piscina com vista para as serras em redor. Os sofás do alpendre, ótimos para dar bom uso ao silêncio com um livro por companhia – sabendo-se de antemão que todas as tardes Berny e Glenn têm um bolo caseiro a sair do forno. E depois ainda há o restaurante, com pratos pensados para o perfil de cada hóspede. E isto, para um amante de boa mesa, o que é senão o paraíso?


Guia de viagem

Ficar
PARAÍSO ESCONDIDO
Quarto duplo a partir de 135 euros por noite (inclui pequeno-almoço)
Preço restaurante: 35 euros (sem vinhos; só hóspedes, por reserva)
CASA NOVA DA CRUZ, SÃO TEOTÓNIO
GPS: 37.4955, -8.6543
TEL.: 912470206
paraisoescondido.pt

Comer
TABERNA DO GABÃO
Das 12h00 às 15h00 e das 18h00 às 22h00. Encerra à terça.
Preço médio: 20 euros
RUA DO GABÃO, 9, ODECEIXE (ALJEZUR)
TEL.: 282947549

VICENTINO
Das 12h30 às 15h00 e das 19h30 às 22h30. Não encerra.
Preço médio: 20 euros
RUA MIRA-MAR, 64, ZAMBUJEIRA DO MAR
TEL.: 914516282

TASCO DO LARGO
Das 17h00 às 01h00; fim de semana, das 12h00 às 01h00. Encerra à quarta.
Preço médio: 18 euros
LARGO DO ALMADA, VILA NOVA DE MILFONTES

PORTO DAS BARCAS
Das 12h00 às 15h00 e das 18h00 às 23h00. Encerra à terça.
Preço médio: 35 euros
ESTRADO DO CANAL, VILA NOVA DE MILFONTES
TEL.: 283997160

Fazer
ROTA VICENTINA
pt.rotavicentina.com


Reportagem publicada originalmente na edição de novembro de 2017 da revista Volta ao Mundo, número 277.

Partilhar