Nunca, como hoje, se falou e escreveu tanto sobre Angola e sobre os angolanos. E ainda assim poucos viram ou têm noção real das grandes transformações por que passa este gigante africano de expressão portuguesa. Uma década de paz permitiu a Angola entrar num ciclo de prosperidade que começa agora a estender-se também ao turismo. Em 2013 a Volta ao Mundo elaborou um roteiro inédito em Luanda e por terras do Lubango. Aqui fica uma primeira parte.
Texto de Rafael Estefania
Fotografias de Paulo Barata
São cinco e meia da tarde. Acompanhado pelos últimos raios de sol, o avião inicia a descida para o aeroporto de Luanda. O horizonte esconde-se rapidamente entre a névoa e a noite que avança, enquanto em terra se adivinham milhares de casinhas iluminadas por luzes solitárias e dispersas brilhando como se fossem isqueiros acesos no ar durante um concerto. E, apesar de ser uma urbe com cinco milhões de habitantes, Luanda não emite a contaminação de luz de outras cidades desta magnitude. Misteriosa e discreta, vai aumentando a sua intensidade até que aparece no horizonte a visão dos grandes edifícios do centro, com o avião prestes a tocar o solo no pequeno aeroporto Quatro de Fevereiro.
Ao contrário de outros aeroportos africanos, respira-se aqui um ar de calma; na saída não há centenas de cartazes com nomes de viajantes escritos nem bagageiros a arrebatarem-nos as malas, nem taxistas a abrirem-nos as portas de veículos atamancados para nos transportarem. Uma sensação de ordem e tranquilidade motivada, sem dúvida, pelo limitado número de turistas que viajam para Angola. Neste próspero país de imensos recursos naturais, o turismo (ainda) não é uma prioridade e, no entanto, todo o seu território – em especial a capital – embarcou num processo frenético de modernização que procura reparar as feridas do passado e situar Angola no lugar que o seu presente, e mais ainda o seu futuro, reclama. Não é um lavar de cara para servir de publicidade aos de fora; antes uma renovação integral para os próprios angolanos, nação orgulhosa do seu território como nenhuma outra em África. Luanda é a bandeira deste desenvolvimento, com projetos urbanísticos e de renovação que incluem um novo porto e um novo aeroporto, a recuperação do centro histórico, uma rede ferroviária, a construção de milhares de habitações dignas que substituam as favelas, a modernização das infraestruturas de gás, água e eletricidade, a construção de resplandecentes espaços públicos e centros de negócios e, como não, a construção de uma estrada de circunvalação que acabe com um dos problemas, o trânsito, que estrangula o dinamismo da cidade. Atualmente, as bandeiras que ondulam na capital são as enormes gruas erguidas para o céu, que trabalham sem descanso em cada canto da cidade.
E enquanto todos estes planos para a Luanda do futuro próximo tomam forma, em diferentes partes da cidade veem-se os resultados num presente que se antecipa imparável. Nenhum exemplo ilustra as ambições de Luanda como o recém-inaugurado passeio marítimo da Marginal. Uma belíssima ferradura ladeada por palmeiras e relva, com a manicura perfeitamente feita, onde os luandenses desligam da voragem da cidade e relaxam num passeio ao entardecer ou queimam calorias a fazer jogging com o impressionante skyline da cidade.
Momentos de ócio com sabor tropical são também os que os luandenses podem experimentar tão-somente a uma distância de 15 minutos de lancha até à idílica ilha de Mussulo. Um democrático paraíso de praias de areia fina e águas verdes onde os resorts de luxo e os locais de praias mais populares partilham uma costa privilegiada, sendo que as ofertas da natureza não são património de apenas uns poucos afortunados mas estão, isso sim, ao alcance de todos.
Se a proximidade de Mussulo não for suficiente para libertar a mente do eco da cidade, a apenas uma hora de avião, Lubango oferece-nos a possibilidade de sermos transportados a um lugar mágico no qual mergulhamos em pleno no coração de África. Desfiladeiros insondáveis, vistas que se estendem até ao horizonte, fragmentos rurais de um país que, apesar de estar em constante evolução, é ainda capaz de conservar o apego pelas suas tradições intactas e pela majestade da sua natureza em estado puro sem nunca perder de vista as suas raízes.
MUSSULO
Poucas cidades no mundo contam com um paraíso ao virar da esquina. Mussulo é o paraíso de Luanda, uma ilha de intermináveis praias de areia fina, águas verdes e frondosa vegetação de palmeiras. A sua proximidade faz dela o destino ideal de fim de semana para luandenses e expatriados, que para aqui chegarem, e desligarem da voragem da cidade grande, apenas precisam de um curto trajeto de lancha. E é uma ilha para todos. Os modestos bares de praia e assadores de peixe que convivem ao longo do areal confirmam isso mesmo, esta é uma ilha democrática para a qual todos estão convidados. Mas claro que são os excelentes restaurantes e marisqueiras que mais contribuem para a experiência de um fim de semana inesquecível.
LUBANGO
Falar do Lubango é falar de Tundavala, local de visita obrigatória por ser justamente considerado uma das maravilhas naturais de Angola. Separam uma e outra não mais do que 18 quilómetros, mas a segunda está a anos-luz do ritmo frenético da primeira e do seu trânsito pesado. A fenda de Tundavala é uma impressionante fissura vulcânica, a uma altitude superior a dois mil metros acima do nível do mar, que, pelo seu sossego e panorama a perder de vista, tem em nós quase um efeito hipnótico. E os seus desfiladeiros conseguem ser ainda mais impactantes do que os do Grand Canyon, no Colorado. Para lá chegar é preciso atravessar a serra de Leba por uma estrada quase impossível, que de tão curvilínea mais parece uma serpente a ziguezaguear pelas rochas, e desviar-nos a toda a hora dos desajeitados camiões que por aqui circulam, desafiando a gravidade, em direção a Namibe. Não admira que seja das atrações mais fotografadas de Angola.
Reportagem publicada na edição de agosto de 2013 da revista Volta ao Mundo (número 226).
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