Fomos ao Belize seguindo o ritmo de uma canção, a meio de uma aventura em busca da herança maia, com a The Wanderlust. Houve praia, fundo mar, sol, noite, lagosta e o desejo de voltar.

Texto de Ricardo Santos

Madonna foi uma das autoras desta letra, mas em inglês. É do quinto e último single do álbum True Blue, lançado em 1987. La Isla Bonita tornou-se o primeiro tema da rainha da pop a incluir elementos latino-americanos, piscando o olho a uma cultura e a um mercado impossíveis de resistir. Fala de uma ilha, de um paraíso, do pôr do Sol, do amor de um rapaz e de uma rapariga. E de um sonho – “Na última noite, sonhei com San Pedro”.

Logo no final da década de 1980 os fãs e os jornalistas tentaram perceber onde seria esta ilha especial. Que San Pedro estaria Madonna a cantar, partindo do princípio de que não se referia ao imaginário católico ou a um cato andino com propriedades alucinogénicas? E surgiu a hipótese Belize. Tudo parecia bater certo: praias de areia branca, música a tocar, palmeiras, água turquesa, calor e um local chamado San Pedro… estava lá tudo, numa pequena nação da América Central com aura de mistério e de paraíso. E agora estávamos mesmo a chegar.

A meio da aventura Ao Encontro dos Maias (ver guia), organizada pela The Wanderlust, com a líder de viagens Liliana Ascensão, chegava o momento de cruzar a fronteira entre a Guatemala e o Belize, em Melchor de Mencos, principal ponto de passagem entre os dois países. A cidade de fronteira leva o nome do sargento-mor que, a meio do século XVIII, se estabeleceu na região para combater piratas ingleses e acabou por formar uma comunidade com governo próprio.

O processo de controlo de passaportes é tranquilo. Basta ficar na fila e esperar, juntamente com os habitantes locais que todos os dias circulam entre os dois territórios. Trabalham e estudam num lado e vivem no outro, vão às compras, passando todos os dias pela terra de ninguém. Um carimbo de saída e outro de entrada depois, voltamos ao autocarro que nos irá levar à principal cidade destas antigas Honduras Britânicas. Teve essa designação durante o período colonial, de 1862 a 1973, ano em que foi aprovada a mudança para a atual denominação, Belize. A independência só foi oficializada em 1981.

«Tropical, a brisa da ilha/ toda a natureza selvagem e livre/ é aqui que desejo estar/ a ilha bonita.»

Antes do século XIX e do domínio inglês, já os espanhóis (no século XVI) tinham aqui chegado em busca de madeira, água doce e um porto de abrigo. E muito antes destes, os maias (há cerca de 3500 anos) tinham estendido o seu império, mantendo-se na região durante cerca de 500 anos. Tiveram tempo para deixar algumas das demonstrações mais impressionantes do avanço da sua civilização, como as ruínas de Caracol ou de Cahal Pech. Com a partida dos maias a selva tomou conta destas antigas cidades e só no século XX o véu arqueológico começou a ser levantado. E ainda há tanto por descobrir nestes quase 23 mil quilómetros quadrados (290 quilómetros de comprimento por 110 de largura) habitados por cerca de 390 mil pessoas.

A Cidade do Belize já não é a capital do país – essa honra cabe desde 1970 a Belmopan –, mas é a mais populosa, com pouco mais de 60 mil residentes. Num domingo à tarde, o centro está quase deserto, com todas as lojas, bancos e serviços fechados. Da estação de autocarro ao porto cruza-se uma ponte metálica, veem-se os barcos alinhados na marina e os sem-abrigo que se abrigam encostados às fachadas dos edifícios. Também a fugir da chuva estão as vendedoras ambulantes que servem refeições a sete dólares belizenhos, exatamente o dobro do dólar americano. Três euros e dez cêntimos por uma refeição de arroz crioulo, caril e legumes, servidos numa caixa de esferovite, ideal para a viagem de ferry que se segue, até Caye Caulker, o nosso destino para estes dias no Belize. Outra hipótese seria Cayo Ambergris, onde fica San Pedro, um dos pontos mais turísticos do país, graças à ligação à canção e ao recife que protege a ilha. Lá iremos tirar as dúvidas. Ou talvez não.

Por agora, o céu está cada vez mais escuro. A meio da tarde, os relâmpagos são cicatrizes que iluminam a viagem de 45 minutos até ao pequeno porto de Caye Caulker. A chuva apanhada no caminho já não se sente nas roupas, secas pelo vento e pela temperatura a rondar os 30 graus. As ruas são de alcatrão e areia, a praia é visível em ambos os lados da estrada. Anda-se a pé, com as mochilas às costas, passando por pousadas, restaurantes, bares, cafés, lojas de conveniência, vendedores de rua, hotéis e sorrisos. Cheira a erva. Há música a tocar ao longe. Dizem-nos que a noite de domingo é animada por aqui. É só tempo de deixar tudo nos quartos do hotel Tropical Paradise, vestir uns calções de banho e ir em busca do pôr do Sol com direito a bebida fresca.

Não é difícil encontrar. A viajante Liliana conhece os seus caminhos e leva o grupo de dez portugueses ao Iguana Reef, um bar e hotel junto ao mar. Há cerveja gelada, cocktails e um bando de pelicanos habituados a humanos. São os primeiros mergulhos nas águas quentes, transparentes, revigorantes do Belize.

Não há certeza de que fosse amor o que se passava na pista do Sports Bar, o ponto de encontro noturno domingueiro de Caye Caulker, mas não faltavam rituais de acasalamento entre jovens adultos. Vai lá toda a gente: a polícia e o bandido, o turista em busca de sexo, o habitante local à espera do mesmo, bandos de universitários norte-americanos em férias, a tribo do mergulho, casais em lua-de-mel e grupos de amigos e amigas que só querem beber um copo e divertir-se. Tudo ao som do ritmo afrocaribe.

Esta é uma ilha de festa e de excessos. E hoje vivem-se dias bem mais tranquilos do que noutras décadas. Dos anos 1980 até hoje, os números não mentem, com o Belize a ser presença nas listas dos dez países do mundo com a maior taxa de homicídios. Na sua imensa maioria relacionados com o tráfico. De droga e de seres humanos. Afastando-se destes universos, a vivência do viajante tem tudo para ser tranquila, desde que se tomem os cuidados básicos necessários, como não andar com muito dinheiro (nem mostrá-lo), estar atento a carteiristas, levar fotocópias dos documentos e não caminhar sem companhia à noite. Quase dois milhões de pessoas visitam o país todos os anos, provando que o turismo é uma das atividades principais para a economia local, a par dos serviços inerentes à realidade das empresas offshore.

«Quero estar onde o sol aquece o céu/ quando é tempo de sesta, podes vê-las passar/ caras lindas, sem preocupações no mundo/ onde uma rapariga ama um rapaz, e um rapaz ama uma rapariga.»

Encantos não faltam. Cerca de 60 por cento do território está coberto por florestas, há 450 ilhas ao largo para explorar e no subsolo encontra-se o maior sistema de grutas da América Central. E a estrela da companhia é a barreira de coral, a maior do hemisfério norte e a segunda maior do mundo, depois da existente na Austrália. De 2009 a 2018, a barreira do Belize esteve na Lista de Património Mundial em Perigo, criada pela UNESCO. No ano passado, fruto das ações governamentais (limite à exploração de petróleo e regulamentação florestal mais forte), saiu desse rol de locais ameaçados. E ainda bem, como pudemos confirmar às primeiras horas da manhã do dia seguinte.

O barco encosta junto ao pontão de madeira do Tropical Paradise, a umas dezenas de metros das villas coloridas onde foi passada a noite. Estava planeado para as 09h00, mas já passa das 10h00 e não há qualquer pressa. «É o ritmo da ilha», diz com um sorriso o mestre da embarcação. Antes de iniciar a manhã de snorkelling na barreira de coral do Belize, ainda falta uma curta viagem para a praia ao lado, onde o equipamento espera para ser levantado. Entre a temperatura do ar e do mar há pouca diferença – estão cerca de 30 graus dentro e fora de água. Os fatos de neoprene são mais por precaução contra alforrecas do que por medo de hipotermia.

E é já depois das 11h30 que nos atiramos para um tipo de mar sempre difícil de descrever, tal é a eterna discussão: verde ou azul? Azulado ou esverdeado? Turquesa ou jade? Temos direito a três paragens durante a viagem. Primeiro junto à barreira de coral, sempre com o cuidado de não tocar em nada, seja com as mãos ou com as barbatanas. Este organismo vivo com uma idade entre os 10 e os 20 mil anos é a grande atração da ilha, a par do Great Blue Hole, um poço localizado 70 quilómetros ao largo da costa do Belize. Tem mais de 300 metros de largura, mais de 120 de profundidade e estima-se que tenha começado a ser formado há 150 mil anos. Para mergulhar neste local Património da Humanidade há que reservar um dia de atividade e cerca de 250 euros por pessoa. Como o tempo escasseia (boa desculpa…) continuamos a atividade de snorkelling não muito afastados da costa de Caye Caulker. E não desilude.

O segundo ponto de paragem coloca-nos em contacto direto, na água, com tubarões e raias. Não há qualquer perigo, mas os níveis de adrenalina vão subindo à medida que estes seres se aproximam, tocam nas pernas e nas costas. A experiência é daquelas difíceis de esquecer, tal como quando ficamos a nadar, em mar aberto, sob uma rocha onde uma moreia é alimentada à mão. Este fundo do mar parece surpreender-nos a cada segundo.

E continua a deixar boas memórias a meio do dia, quando regressamos a terra para ver de perto o trabalho que tem sido feito para a preservação dos cavalos-marinhos. E mesmo ao lado há enormes peixes que saltam fora de água para alegria dos turistas em busca da melhor foto para o Instagram. O dia não termina sem que os pássaros – uma espécie de mergulhões – também apresentem o seu espetáculo, voando a pique para as mãos dos mais corajosos que seguram um pequeno peixe que lhes servirá de alimento. Mais um shot de adrenalina.

A noite tem tudo para ser mais calma, depois de um dia passado no mar. Há que apostar na gastronomia local e a lagosta é quase obrigatória. Happy Lobster é um dos restaurantes onde se pode matar o desejo por cerca de 25 euros. Vale pela experiência e por perceber que há quase 30 anos a mesma família está à frente do negócio. Entre outras opções, a custos mais baixos (três a quatro euros), está a comida de rua na artéria principal, com tortilhas para todos os gostos. E procurando, como fizemos, até pode ser possível encontrar aquele que poderia ser, provavelmente, o melhor falafel do mundo. Parece exagero – e sabemos que a fome é o melhor tempero –, mas o israelita Mendel e a sua mulher oferecem, no Falafel Bar, um caso único de comida de Médio Oriente à beira do mar das Caraíbas.

«E quando o samba tocou/ o sol pôs-se tão alto.»

Este é um país de expatriados. Afinal, é o único da América Central a ter o inglês como língua oficial, tem a mais baixa densidade populacional da América Latina e uma das mais baixas do planeta. São muitas as comunidades aqui residentes: asiáticos, indianos, africanos, britânicos e norte-americanos. Talvez o mais famoso que aqui viveu tenha sido John McAfee, britânico de nascimento e com nacionalidade dos EUA. É o criador de um dos mais famosos antivírus informáticos e teve uma fortuna avaliada em mais de cem milhões de dólares. Tanto dinheiro fez que se mudasse para o Belize, para San Pedro, curiosamente. Foi aí que viveu uma vida de sexo, droga e excessos até 2012, altura em que se tornou suspeito da morte do seu vizinho, encontrado com um tiro na cabeça. A vida deste tubarão da informática deu um filme: Gringo – The Dangerous Life of John McAfee. E o resultado não é meigo…

Nada disso, no entanto, vem à lembrança quando se está refastelado numa cadeira de madeira, à beira do mar, no The Split, o pequeno canal que separa a ilha de Caye Caulker em dois. É o ponto de encontro de quem não passa sem música, cerveja e marijuana. É também um dos locais mais instagramáveis da ilha, com as cadeiras coloridas, os barcos, os bares de madeira e os corpos que passam em biquíni ou calções de banho.

Nestes dias em Caye Caulker ainda passou pela cabeça ir a Cayo Ambergris e à musicável San Pedro. Há dez ligações de ferry por dia, uma viagem de trinta minutos, mas a ganância pode ser a mãe de todos os fracassos. E afinal parece que aquela San Pedro não é a da canção de Madonna.

«Não sei onde é San Pedro. Naquele momento, eu não era uma pessoa que fosse de férias para ilhas bonitas. Até podia ir a caminho do estúdio e ter visto na estrada uma saída para San Pedro», afirmou Madonna à revista Rolling Stone, anos depois do lançamento de La Isla Bonita. Está desfeito o mistério. Poupou-se uma viagem de ferry. Não é no Belize. Mas depois de lá se ter ido, bem que podia ter sido.


Guia de viagem

Ir
A The Wanderlust idealizou um pacote de viagem de duas semanas através de Guatemala, Belize e México – Ao Encontro dos Maias. Tem um custo de 1500 euros por pessoa e tem início na Cidade da Guatemala, terminando em Tulum, México. Não inclui voos (de Lisboa rondam os 700 euros por pessoa ida e volta).
Inclui: 13 noites de alojamento em hostel, hotel, eco-hotel e autocarro; transportes: shuttle bus, autocarro e barco; onze refeições: dez pequenos-almoços e um jantar; todas as atividades mencionadas no programa; guia local em Chichén Itzá e Tikal; seguro de viagem nas datas do programa; acompanhamento e orientação durante toda a viagem a cargo de Liliana Ascensão.
Não inclui: despesas de caráter pessoal, gorjetas e atividades suplementares.

Dormir
Hotel Paradise Island
Cabanas de madeira, na praia, ar condicionado e a curta distância a pé de bares e restaurantes.
Caye Caulker, Belize
tropicalparadisehotel.com

Itinerário completo
Dia 1
Chegada a Antigua,
Guatemala.
Dia 2
Guatemala, lago Atitlán
e vista às aldeias em redor.
Dia 3
Lago Atitlán, descoberta
de projetos locais.
Dia 4
Regresso a Antigua e visita
ao centro histórico.
Dia 5
Subida aos vulcões Pacaya
e Acatenango (este, opcional).
Dia 6
Antigua e viagem em
autocarro noturno para o lago Petén Itzá.
Dia 7
Visita às ruínas maias de Tikal, ainda na Guatemala.
Dia 8
Viagem para o Belize, ilha de Caye Caulker.
Dia 9
Snorkelling, mergulho, praia
e diversão em Caye Caulker.
Dia 10
Viagem para Bacalar,
México.
Dia 11
Visita à lagoa das Sete
Cores em Bacalar, mergulho em cenote.
Dia 12
Viagem para Tulum,
México, e visita às ruínas. Tarde de praia.
Dia 13
Visita das ruínas de
Chichén Itzá e da cidade de
Valladolid. Mergulho em cenotes.
Dia 14
Regresso a casa.

 

Mais informações em
thewanderlust.pt


Reportagem publicada originalmente na edição de outubro de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 300.

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