Montanhas, grutas, património, gastronomia, história, praia, desporto ou arquitetura. As Astúrias têm tudo. Escolhemos 13 sugestões para ficar a conhecer esta região espanhola, descubra-as na fotogaleria acima.

«Se queres compreender as Astúrias, tens de entender os três M: Mar, Montanha e Maçã». Quem o diz é David, guia turístico em Oviedo, a capital desta região espanhola. Estamos encostados a um dos varandins da praça principal da cidade, frente à Catedral de São Salvador. Pergunto-lhe como se podem definir então os habitantes de Oviedo e que diferenças têm para os seus vizinhos das outras cidades asturianas. Ri-se, baixa a cabeça e olha para o lado, naquele jeito de quem quer responder, mas tem receio de ser demasiado cru. Volta a fitar-me: «Escuta, não é fácil.» E continua a explicar-me a importância da catedral de Oviedo para os Caminhos de Santiago. Quando se pensa em Astúrias, temos duas hipóteses: reconquista cristã da Península Ibérica e/ou Picos da Europa.

Começamos pela segunda. Pela montanha. Afinal, trata-se do primeiro Parque Nacional espanhol e, em 2018, comemora 100 anos desde a fundação. Instalado em terras das Astúrias, mas também de Cantábria e Leão, é um ponto de orgulho para todos. E com legitimidade. Três maciços (Cornión, Urrieles e Ándara) com picos acima dos 2600 metros de altitude tornaram ainda mais perfeita a imagem que se tem desde os dois lagos de Covadonga Enol e Ercina. E no meio de ambos, o ponto de vista ideal: La Picota, um miradouro para o manto verde, para as montanhas nevadas e para as vacas que por ali pastam.

As curvas apertadas, montanha acima, são passerelle para a elite do ciclismo mundial desde 1983, quando a Volta à Espanha aqui terminou pela primeira vez. Fazer o caminho inverso é bem mais fácil. E de carro, num instante se chega à gruta de Covadonga, local histórico e religioso. Terá sido aqui que Dom Pelayo, primeiro rei das Astúrias, se refugiou com os seus homens na Batalha de Covadonga, o primeiro passo para a reconquista cristã da Península Ibérica no século VIII. A Virgem Maria tê-lo-á ajudado e hoje visitar a gruta – La Santa Cueva – é tradição. Para os asturianos, principalmente, mas também para todos os turistas que aqui chegam. Fica o conselho: 08h30 da manhã, se quiser deslumbrar-se com a construção e com a natureza sem ninguém por perto.

Não faltam grutas nos Picos da Europa. Nem ursos, são quase trezentos. Lobos também os há, mas os seres vivos mais famosos da região são os queijos. Só podem estar vivos, tais são as mutações por que passam até chegar ao ponto de consumo. O Cabrales, por exemplo, feito com leite de cabra e de vaca, que passa quatro a dez meses numa gruta húmida até se transformar num produto de denominação protegida. Jessica Lopez Fernandez é queijeira mais o marido. Uma vez por semana sobe às grutas à volta de Sotres para limpar, controlar, pegar ou largar mais queijos que serão vendidos entre os 16 e os 30 euros por quilo na Quesería Maín. Dá-nos três a provar, com níveis diferentes de cura. O mais antigo é verde, em pasta. O mais recente, branco. O do meio é o melhor dos dois mundos. Ao lado, o copo de sidra. «E então, qual é o mais forte?» Este. A resposta dada está certa e seguimos em frente. Na memória, aquela gruta escura, forrada a prateleiras de queijos a absorver o que a montanha lhe dá. Mais direto do produtor é quase impossível.

Felizmente não é apenas bolor que as grutas das Astúrias criam. Também há estalactites, estalagmites, galerias, túneis e um segredo com 45 mil anos. Pablo Solanes é espeleólogo e, com o paleontólogo Adrian Alvarez, leva-nos à Cueva La Peruyal. Foi descoberta em 1970, por académicos britânicos que desceram os 12 metros verticais para se surpreenderem com uma gruta de seiscentos metros de extensão, trinta de profundidade e um fóssil de um animal. Ali, no interior da terra, longe da luz. Um urso, disseram. Estudos recentes provaram o contrário – é um fóssil de rinoceronte com cerca de 45 mil anos. Sim, havia rinocerontes na Península Ibérica nessa altura. Sentamo-nos à beira da poça de água que o submerge e, provavelmente, tem protegido ao longo dos séculos. É perfeitamente visível (com lanterna…) e as teorias sobre como o animal ali terá ido parar prendem-nos por duas horas.

Cangas de Onís, a cidade dos Picos, está a apenas 14 quilómetros. É terra de ponte romana sobre o rio Sella, lojas de recordações e de roupa quente – pode ser sempre útil em qualquer altura do ano. E de Ramon Celorio, chef da terra e do restaurante Los Arcos. «Têm fome?» é o início de conversa. Seguem-se argumentos de peso como polvo com alho-francês, lavagante cantábrico com espargos laminados crus, favada com enchidos e pescada com leite de ovelha e manga. Ainda ensaiamos rebater com as favas, que em Portugal são diferentes e que aquilo é quase uma feijoca, mas Ramon está rei e senhor da discussão. Três troços de carne de vaca maturada grelhada na chapa e dá-se o braço a torcer. A natureza é a principal razão de descobrir as Astúrias, mas a gastronomia é o que pode também fazer regressar.

«O cliente não pode, não deve e não quer servir a sidra», responde Sabino Perez, maestro escanciador com mais de trinta anos de experiência. Aí está a justificação para, nas Astúrias, a bebida alcoólica tradicional à base de maçã obedecer a um cerimonial quase religioso em que o cliente não deve pegar na garrafa para encher o copo. Noite de semana, no centro de Oviedo, capital do Principado e a sidrería Tierra Astur, na Rua da Sidra, está a começar a ficar lotada. Sabino descobre espaço entre as mesas e começa a servir copos, bem lá do alto, com o braço esticado. Não mais do que um dedo de sidra no copo: «Bebe-a já, enquanto está oxigenada, enquanto tem espuma. Senão, não faz sentido estar a servi-la.” Há que obedecer. Uma e outra vez. E mais uma, enquanto o mestre nos fala do processo de fabrico, de ser um produto democrático de baixo custo (aproximadamente 2,80 euros cada garrafa para partilhar com os amigos) e de estar na moda. Olha-se à volta e confirma-se. Asturianos e estrangeiros aderiram à tradição e deixam-se servir enquanto pedem mais uma dose de croquetas de jamon iberico. É um acompanhamento acertado, mas nem só de cozinha local vive a movida gastronómica de Oviedo.

Célia Pinto é uma das novas estrelas da cozinha nas Astúrias, com o seu restaurante homónimo. Foi de camião de Portugal para Oviedo há 16 anos, depois da morte da mãe. Tem dois filhos, casou com um natural de Gijón e deixou oito irmãos e o pai a cinco horas de carro, no Porto. O seu restaurante está entre os dez mais das Astúrias: «Em Portugal quase ninguém deve fazer ideia disso.» Não foi fácil, mas o trabalho compensou. E o bacalhau triunfou, tornou-se rei da casa em várias receitas. Também tem francesinhas, cervejas nacionais, só serve vinhos portugueses e tem mais um pormenor interessante no currículo: quase um mês de espera para jantar.

Também com fila está a Rialto, bem perto do edifício do governo. Senhoras impecavelmente penteadas e senhores com fato domingueiro a meio da semana percorrem de forma apressada o passeio. Cumprimentam-se com um trejeito de cabeça ou uma saudação quase aristocrática. Há portas que se seguram para as senhoras passarem sem que isso seja um atentado à igualdade de género. A da confeitaria Rialto é uma delas, cofre-forte de carbayones, princesitas e moscovitas. Calma, é apenas uma cimeira dos bolos mais notáveis deste negócio com 90 anos de existência. Ótimos para o lanche a meio da manhã ou para uma pausa nas compras. Com um café.

Pelas ruas de Oviedo é fácil descobrir uma estátua. Há mais de cem exemplos de arte pública deste género. Homenageiam heróis locais, profissões, reis e até um oscarizado realizador de cinema nascido em Brooklyn em 1935, com queda para o humor e para relações difíceis – Woody Allen. Ali bem no meio da Rua Milicias Nacionales, em tamanho físico real, inversamente proporcional ao talento. Mesmo a pedir uma selfie.

Está à vista que os asturianos não ficaram limitados pela fronteira com o mar Cantábrico nem pelas montanhas. Muitos saíram da região em ondas de migração, outros ficaram mas abriram os horizontes. E para isso também contribui a atribuição anual do Prémio Príncipe das Astúrias, com a denominação Princesa das Astúrias desde 2014. Comunicação e Humanidades, Ciências Sociais, Artes, Letras, Investigação Científica e Técnica, Cooperação Internacional, Concórdia e Desporto são as áreas. Woody Allen recebeu-o. Tal como Francis Ford Coppola, Leonard Cohen, Rafael Nadal ou o português António Damásio. E o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer em 1989. Diz a lenda urbana que Niemeyer chegou às Astúrias para receber o prémio e foi conhecer a pequena cidade de Avilés. O arquiteto de Brasília rendeu-se à paisagem, mas também à força rude da metalurgia, dos armazéns, da proximidade com o rio. Viu o centro histórico de Avilés e, à mesa de um restaurante, terá rabiscado aquilo que é hoje um centro cultural internacional, o Centro Niemeyer. É a única obra do arquiteto em Espanha e leva-nos à capital brasileira com as linhas da torre, do auditório, da cúpula, do espaço público. Nem falta a referência às linhas do corpo feminino, as curvas de Niemeyer. E a utopia, sempre ela.

A Legião Condor da Alemanha Nazi – a mesma que destruiu Guernica, no País Basco – bombardeou Gijón. E as forças franquistas da Guerra Civil Espanhola venceram a batalha do Norte de Espanha aqui, em outubro de 1937. Este foi o último bastião dos republicanos na região. O assunto não está fresco, mas ainda tem odor nesta cidade de contrastes, dividida entre estaleiros e praias, passado romano e futuro incerto. A meio da década de 1940 as minas eram o sustento da população e um acidente com vítimas mortais deitou muito a perder. Foi preciso ajudar as famílias, principalmente as crianças. O Estado comprou e expropriou terrenos nos arredores de Gijón para construir um orfanato. O projeto cresceu, passou também a centro de formação profissional, chegou a Universidade Laboral, esteve ao abandono e, de 2001 a 2007, foi reabilitado. Continua a ser o maior edifício de Espanha (270 mil metros quadrados), tem três vezes o tamanho do Escorial e é hoje um centro de inovação e de educação por onde passaram dezenas de milhares de alunos. Tem igreja, um dos teatros mais bem equipados da região, o edifício mais alto das Astúrias (torre com 129,5 metros) e marcas bem vincadas do franquismo – e de suas influências megalómanas – nas fachadas. «Isso pode causar desconforto em alguns visitantes», diz Sheila Pascual, guia nesta Laboral, Cidade da Cultura, que se apressa a apresentar a nova realidade. «Agora é diferente, o passado é passado e há muita coisa de valor que aqui é conseguida.»

O esqueleto em perfeito estado de conservação que se encontra no Museu das Termas Romanas também é passado. E ainda mais antigo. Um passado que já parece orgulhar os habitantes de Gijón. A cidade foi fundada no século I pelos romanos. No subsolo, em frente da Igreja de São Pedro, está a estrutura das antigas termas. Os mais altos terão de caminhar com cautela em algumas partes do percurso.

Lá fora está o mar, sempre presente. E a praia de São Lourenço com o seu quilómetro e meio de extensão e a famosa Escalerona, a escadaria de pedra que liga o areal à marginal e que já se tornou ponto de encontro. Há gente na água, a banhos e a surfar. Corre-se no paredão e joga-se à bola na areia. A camisola de listas vermelhas está em maioria, mas não são bons os ventos que correm em Gijón. O Sporting desceu de divisão. Já a equipa da Volta ao Mundo estava em Portugal quando o clube da terra falhou os seus objetivos. Na temporada seguinte, o mítico estádio El Molinón – o mais antigo de todo o país onde se pratica futebol profissional, desde 1908 – não recebeu Cristiano, Messi e as outras estrelas da Liga Espanhola.

O Sporting de Gijón jogou na segunda divisão, mas nem por isso com estádio vazio. Aqui, junto ao mar, entre a natureza e os estaleiros, vive uma das massas associativas mais empolgantes de Espanha. É feita de gente do dia-a-dia, que trabalha, paga, come, dorme e, ao fim de semana, quer uma vitória para poder sorrir e noventa minutos para gritar tudo cá para fora.

Na época que se seguiu, 2017/2018, o Sporting enfrentou o maior rival: o vizinho Real Oviedo. Também ele afastado dos dias de glória, o clube com sede na capital da comunidade é a imagem das gentes da sua sociedade: altivo, conservador, tradicional, nobre. Daí o real. A batalha destes dois mundos, separados por 33 quilómetros de estradas, 25 em linha reta, continua por estes dias de 2020. Ora aí está uma bela altura para visitar as Astúrias. Se não for antes.

Veja aqui todos os episódios da Volta ao Mundo nas Astúrias.
Leia a reportagem completa aqui.

Imagem de destaque:iStock/D.R

Reportagem publicada originalmente na edição de setembro de 2015 da revista Volta ao Mundo, número 263.

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