É difícil encontrar uma ordem para descrever Deli porque a forma como os elementos surgem é, ela própria, desordenada e aleatória. Escolho começar pelo trânsito. Para além dos carros, camiões, autocarros, carroças, enxames de motas e bicicletas existem também os riquexós (a pedais) e os autorriquexós (motorizados). A prioridade é definida pelo tamanho do veículo e pela oportunidade. Mão e contramão são conceitos subjetivos. É muito vulgar estarmos a deslocar-nos em qualquer um destes veículos e vir outro de frente, sem perspetiva de abrandar. Até em estradas com separadores centrais há veículos fora de mão, até nos passeios.

Carros, bicicletas e motorizadas buzinam permanentemente, noite e dia, como forma de assinalar a sua presença. Mais agudas ou mais graves, há buzinas com todo o tipo de sonoridade, há homens que vão a puxar riquexós e que, por falta de campainha na bicicleta, assobiam ou sopram apitos. No meio das estradas, multidões atravessam por onde podem. E também animais diversos, cães vadios e vacas sagradas. Por toda a Índia, as vacas deambulam pelas ruas ou escolhem postos no meio do caos para descansar. Há quem as alimente com cestos de cereais, mas não é invulgar encontrá-las a vasculhar em montes de lixo com o focinho. É inevitável referir o lixo. E porque haveria de excluí-lo desta descrição? Existe por toda a parte e sublinha a miséria. Em qualquer metro quadrado de espaço público da parte mais antiga de Deli, há lixo no chão.

«Há sempre muitas pessoas descalças, sobretudo crianças. Crianças lindas, que brincam, que vão para a escola de uniforme ou que estendem a mão a pedir dinheiro.»

E, no entanto, estando lá, há sempre alguma coisa que chama mais a atenção. Pessoas multiplicadas umas pelas outras, país de milhões e milhões. As mulheres podem passar com saris de qualquer cor, mas podem também passar de burqa ou com roupas ocidentais, excluindo saias reveladoras ou decotes. Os homens tanto podem ir de fatos e camisas com colarinhos bicudos dos anos sessenta, como com turbantes e espadas à cintura, como enrolados em panos, colares de flores frescas ao pescoço. Há sempre muitas pessoas descalças, sobretudo crianças. Crianças lindas, que brincam, que vão para a escola de uniforme ou que estendem a mão a pedir dinheiro. Há muitas crianças sozinhas, meninas de 4 ou 5 anos com bebés ao colo. Às vezes, as crianças estão ao lado das mães, enquanto estas trabalham nas obras das estradas, abrem buracos com enxadas ou carregam à cabeça baldes de terra e de pedras. Às vezes, são as próprias crianças que estão a trabalhar.

Nas ruas de Deli, é possível encontrar todo o tipo de profissões originais: homens que limpam ouvidos, que possuem uma balança e cobram uma rupia a quem se quiser pesar, barbeiros no passeio especializados em aparar bigodes, etc. Estas ocupações e centenas de outras cruzam-se com quem caminha pelas ruas. Em toda a parte se encontra a imensa variedade linguística, cultural e religiosa de Deli, em ruas onde se vende comida, roupas, objetos, em praças assombrosas, entre templos, mesquitas e santuários, entre o trânsito, entre a multidão quase impenetrável.

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