É bem verdade que imaginar não é o mesmo que ir. Tal como ir não se dá bem com impossível. Mas é precisamente de viagens irrealizáveis, impossíveis, que trata este artigo. Lembramos a edição de maio de 2020 e um dos sítios que jamais poderá visitar, por muito que seja essa a sua determinação: já não existem. Pelo menos da forma como agora os recuperamos.
Sai uma sandes?
Comecemos, então, por Sandwich. Abalar para as Sandwich será, por certo, a viagem mais concorrida nestes tempos de confinamento generalizado. Uma rigorosa medição perímetro abdominal, quando tudo isto acabar, poderá ser útil para confirmar tamanha evidência. Enquanto não, é bom que se recorde que o capitão James Cook, para além de pirata encartado, era também um jogador compulsivo. Era viciado em whist que, mal comparado, é uma espécie de sueca à inglesa. Adictos à jogatana, como Cook o era, havia muitos, mas nenhum tão agarrado como um tal John Montagu, que nem para comer abandonava a mesa de jogo: pedia ao garçon dois pedaços de pão entremeados com rodelas de linguiça ou, em último recurso, quaisquer outras carnes sobrantes do cozido do almoço. Uma ideia genial. Tão genial que quando Cook avistou em 1778 um arquipélago perdido no meio do Pacífico não teve dúvidas, deu-lhe o nome do seu camarada de batota. Montagu? Não, Sandwich. Que era o título nobiliárquico do duque que popularizou a nível planetário a sandes. É provável que nenhum linguista se tenha dedicado com atenção ao tema da sandes, mas o engenho da língua portuguesa produziu, e isso é irrefutável, a mais completa e complexa das designações. Um substantivo plural que nomeia uma entidade singular. Dois nacos de pão recheados com o que mais houver à mão, transformam-se numa coisa una e apenas divisível à dentada: a sandes.
Viajar tem destas coisas. E, como dizem alguns poetas, não há viajante como o idioma português. Que terá aportado às Sandwich precisamente um século após James Cook as ter batizado. É, por certo, impróprio chamar “viajantes” aos primeiros lusíadas, na maioria ilhéus, que se “instalaram” no Reino de Sandwich no último quartel do século XIX. Sim, provavelmente Sandwich terá sido a única monarquia ao jeito europeu em toda a história da chamada área de influência do subcontinente norte-americano. Mas assim o entendeu e melhor o fez o grande monarca fundador Kamehameha I. É complicada, a onomástica sandwichenha. Começando em Barack Obama. E acabando em Lilioukalani.
Que foi a última rainha de Sandwich, antes de o governo federal americano ter percebido que as ilhas eram… rentáveis. Principalmente à força de trabalho escravo nas roças de cana- de-açúcar e de ananases, onde o tal “viajante” português era então rei e senhor sob a esclarecedora distinção de “preto”. Não deixa de ser irónica, a História.
Mas também não se pense que tudo aquilo era triste, nem que tudo aquilo era fado para os nossos patrícios. Basta fechar os olhos e imaginar os cavaquinhos a desafiar as ondas na cintura das dançarinas indígenas. Numa bela praia paradisíaca. Numa bela noite de luar. Tudo isto existe…
Reino de Sandwich
1810-1894
Capital: Honolulu
Línguas oficiais: inglês e havaiano
Atual estado norte-americano do Havai.
Embora existam registos mais antigos deste arquipélago vulcânico do Pacífico, nomeadamente portugueses, a história oficial atribui a descoberta das ilhas Sandwich a James Cook, em 1778. Originalmente povoadas por diferentes povos da polinésia, em especial do Taiti, o território passou a integrar os EUA em agosto de 1959, como estado autónomo.