A Volta ao Mundo esteve em Sortelha em 1994 para descobrir os encantos – e os desencantos – de uma das aldeias mais bonitas de Portugal. Um quarto de século depois, regressámos ao «reino do silêncio», como lhe chamam, para ver o que (não) mudou.

Texto de Rita Aleixo
Fotografias de Leonardo Negrão e Gerardo Santos/Global Imagens

Sentado num banco de ferro junto à Casa da Câmara, antiga Câmara Municipal, Raul Augusto Clara olha atentamente para quem passa nas vielas da aldeia amuralhada que o viu nascer. Pouco passa das quatro da tarde e a pedra das casas ainda reflete os raios dourados de um dia em que o sol não se fez tímido. Raul foi dono do Alboroque, o único restaurante dentro da aldeia histórica de Sortelha, entre 1974 e 1998. «Lembro-me de que o meu restaurante saiu na revista Volta ao Mundo em 1994», recorda. «Há 25 anos, Sortelha tinha mais movimento, mas menos turistas», acrescenta Raul. O Alboroque encerrou ao final de 24 anos de serviço, mas o negócio de família continua: a irmã de Raul é dona do Boas Vindas, um dos poucos bares típicos que ainda resistem ao passar do tempo dentro das muralhas desta pequena aldeia do concelho do Sabugal, distrito da Guarda.

Sortelha é terra de emigrantes. As casas de granito talhado – ora abandonadas ora compradas ou alugadas e entretanto esquecidas – contam a história de uma aldeia com aura medieval repleta de lendas. Há cada vez menos moradores em Sortelha. «Nenhum jovem quer vir para aqui porque não há trabalho», afirma uma ex-moradora, emigrada em França desde os 20 anos de idade, enquanto desce a Rua Direita, que leva à Igreja de Nossa Senhora das Neves (ou Igreja Matriz), a santa padroeira de Sortelha. Atualmente, só vive uma pessoa dentro das muralhas: o dono do Bar do Forno, outro dos locais ainda abertos no centro histórico. Antigo forno comunitário da aldeia, só abre ao público nas épocas altas.

O número de habitantes é cada vez menor, mas o turismo cresce a olhos vistos, também graças à divulgação que este tesouro nacional tem conquistado por fazer parte da rede das Aldeias Históricas de Portugal. Os negócios de alojamento local que crescem quer na zona histórica de Sortelha quer no arrabalde (fora das muralhas) ajudam ao desenvolvimento da região, mas existem ainda muitas casas à espera de ganhar uma nova vida. Ana Oliveira, ex-professora de Desenho e Trabalhos Manuais, atual proprietária do turismo local O Cantinho da Ana, negócio com cerca de dois anos, confessa que gostaria de «abraçar um projeto maior, como pegar nas casas lá de cima [centro histórico de Sortelha] e rentabilizá-las para turismo».

É uma das aldeias históricas de Portugal, sendo freguesia do concelho do Sabugal. Tem cerca de 450 habitantes, um décimo do que tinha no início do século XIX.

«Ninguém imagina o património que temos aqui.» Os habitantes desta antiga aldeia, conhecidos como «lagartixos», não escondem o orgulho que têm das suas tradições e monumentos históricos. Localizada num monte com cerca de 760 metros de altitude, Sortelha encontra-se cercada por um anel defensivo e vigiada por um imponente castelo do século XIII, reconhecido como monumento nacional. Esta construção foi mandada erigir por D. Sancho I e, anos mais tarde, teve um papel estratégico nas operações militares da Guerra da Restauração e nas Guerras Peninsulares oitocentistas. Somente os mais aventureiros arriscarão subir até à torre de menagem, uma vez que para lá chegar é preciso escalar pedra por pedra. Aqui, os visitantes podem ver também as chamadas Portas da Traição. Do cimo desta fortificação, avistam-se todos os contornos da aldeia, assim como alguns dos locais de passagem obrigatória. Ao passar a Porta da Vila, a principal entrada para a aldeia, o Largo do Corro inaugura a visita. É neste local que se encontra o único restaurante ainda em funcionamento dentro das muralhas de Sortelha, o Dom Sancho, e ainda a casa número um, a mais antiga casa deste aglomerado.

Cenário de diversos filmes de época, Sortelha tem recantos únicos: o pelourinho de traça manuelina do início do século XVI, que se ergue no sopé do castelo; a antiga câmara e prisão de Sortelha; ou o recente Jardim do Anel, repleto de estátuas de pedra e de flores coloridas. Também a torre sineira, situada em frente ao Bar Campanário, o Passo da Via Sacra e as casas mais famosas da aldeia – como a do Governador, a dos Falcões e a Árabe – são locais de visita obrigatória.

Sylvie Fernandes, a guia que nos acompanha, nasceu e viveu em França. Os pais eram emigrantes. Decidiu regressar à terra que a faz feliz para mostrar aos turistas que este lugar é um verdadeiro «museu a céu aberto» e que a palavra que deu origem ao nome da terra («sorte») não é um mero acaso. Tal como Sylvie, também a dona Arminda Esteves não larga as tradições da aldeia. É uma das poucas pessoas que dominam a arte de tecelagem do bracejo, uma planta abundante na região. «Apanho o bracejo no campo e faço estas cestas sozinha», explica, sem tirar os olhos da agulha. Rodeada de expositores com produtos da zona, como doces, licores ou mel, esta artesã passa a maior parte do dia a tecer dentro da única loja de artesanato típico existente dentro das muralhas desta aldeia da Beira Interior.

O castelo de Sortelha foi construído no século XIII. Este monumento nacional combina elementos românticos, góticos e manuelinos.

A paisagem montanhosa que se avista fora do núcleo amuralhado, depois de passar pela Porta Nova, outra das entradas para a vila, é difícil de sair da memória. O silêncio (quase) absoluto, importunado somente pelo barulho dos disparos da câmara fotográfica, chega a ser inquietante até mesmo para os moradores. Neste local, os curiosos podem visitar o antigo Hospital da Misericórdia, as ruínas da Igreja da Misericórdia (também conhecida como Igreja da Santa Rita), os vestígios de sepulturas antropomórficas escavadas nas rochas e ainda a atração mais conhecida desta localidade: a Cabeça da Velha. Trata-se de uma curiosa formação granítica, que fica entre a Porta Nova e a terceira entrada para a vila de Sortelha, a Porta Falsa (ou da Traição). Diz-se que a «senhora idosa de pedra» está a olhar para a serra da Estrela, onde se encontra a Cabeça do Velho.

É tempo de regressar ao interior das muralhas desta povoação, que foi sede de concelho até 1855. Os mais corajosos (e atléticos) podem percorrer todo o anel de pedra que circunda a aldeia para contemplar – e fotografar – a vila de todas as perspetivas. Qualquer uma delas retratará uma aldeia bem conservada, que se encontra ainda sequestrada pelo despovoamento e que guarda narrativas e lições de vida à espera de serem (re)descobertas. Passados 25 anos, ainda não se soltou das amarras do isolamento e continua a lutar contra o esquecimento. Esta «aldeia que nasceu das rochas» quer mostrar-se ao mundo – a batalha não está perdida. Sortelha é uma verdadeira surpresa.


Guia de viagem

Ir

Se optar por ir de carro até Sortelha, apanhe a A1, caso parta de Lisboa ou do Porto. Posteriormente, deverá continuar pela A23 (para Abrantes/Castelo Branco) e, de seguida, tomar a N18 para Sabugal/Caria. Caso pretenda fugir às despesas com os pórticos eletrónicos de portagem da A23, pode optar também por ir de autocarro até Sabugal e depois seguir para Sortelha.
Mais informações em aldeiashistoricasdeportugal.com/planear-viagem/

Dormir

O Cantinho da Ana
Situado a poucos minutos do centro histórico de Sortelha, e a dez quilómetros do Sabugal, O Cantinho da Ana dispõe de três renovadas casas rústicas de pedra que podem acomodar até dez hóspedes. As habitações estão totalmente equipadas e têm acesso wi-fi gratuito. O pequeno-almoço está incluído no preço da estada. Este é o local ideal para quem procura umas férias longe das multidões.
Preços a partir de 65 euros por noite
Travessa dos Palmeiros n.º 1
E-mail: [email protected]
Telemóvel: 917853784
Facebook: O Cantinho da Ana
Instagram: @ocantinhodaana

Comer

Restaurante Dom Sancho
Situado no Largo do Corro, dentro das muralhas de Sortelha, este restaurante está instalado num antigo edifício da aldeia. Neste local, pode degustar diversos pratos de caça, típicos das terras de Riba Coa, como o veado guisado ou a caldeirada de borrego. Para sobremesa, sugerimos o tradicional leite-creme ou o pudim de ovos. O restaurante encerra à segunda-feira.
Preço médio: 18 euros
Largo do Corro
Telefone: 271388267

Restaurante O Celta
Com mais de 25 anos de experiência, este espaço de restauração encontra-se fora das muralhas da aldeia histórica de Sortelha. A sala das refeições, com capacidade para 75 pessoas, apresenta uma decoração rústica, alusiva aos trabalhos agrícolas. Algumas das especialidades beirãs servidas n’O Celta: pratos de caça, ensopado de borrego e bacalhau à Celta.
Preço médio: 15 euros
Rua Dr. Vítor Manuel Pereira Neves nº10
E-mail: [email protected]
Telefone: 271388291
Telemóvel: 933251240
Facebook: Restaurante O Celta

Visitar

A pé
Existem oito percursos pedestres para conhecer a região, perfeitos para os viajantes que gostam de fazer caminhadas pela natureza. A Rota dos Casteleiros, por exemplo, começa em Sortelha, mais precisamente, no Largo de Santo António, e termina junto da Capela de São Francisco, no núcleo primitivo da aldeia de Casteleiro. Pode optar também por fazer o percurso número 7, para descobrir todos os segredos de Sortelha, uma das mais bem conservadas aldeias históricas do país.
Mais informações em cm-sabugal.pt

Eventos
Muralhas com História. A feira medieval de Sortelha realiza-se no terceiro fim de semana de setembro, desde o ano de 2011. Este evento temático oferece muita animação aos visitantes.
Mais informações em cm-sabugal.pt

Mais Informações

>> aldeiashistoricasdeportugal.com/aldeia/sortelha/
>> sortelha.sabugal.pt
>> facebook.com/freguesiade.sortelha


Reportagem publicada originalmente na edição de novembro de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 301.

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