Um rápido passeio pelas redes sociais revela uma tendência crescente de viajantes que se fazem acompanhar dos animais de estimação, em aviões, numa bicicleta, às costas, num caravana, a pé. Faz-lhes bem? Sim, se forem cães, quase sempre. Se forem gatos, precisam de hábito. No final, é uma alegria.
Juliana Ferreira passeava numa praia da Albânia com Sansa, a cadela preta arraçada de labrador que leva para todo o lado, e uma bola. Acabara de celebrar o aniversário. Quando deu por ela, a bola de Sansa estava na boca de uma cadelinha preta como ela, só mais pequena. “Veio passar o aniversário connosco”, brincou Juliana para João, o companheiro de vida de Juliana e, sempre que a profissão deixa, companheiro de viagem também. Se ela não fosse embora, disse, levá-la-ia a uma clínica veterinária “para tratar de vacinas, desparasitante e passaporte”.
“Assim foi.” Porque entrar na vida de Juliana é entrar num registo de viandança, é subir a bordo da Catmobil que ela restaurou com João para estar em casa quando não está em casa. É literalmente ter passaporte em dia. E a cadelinha pareceu dar um ar de Sushi, assim se passou a chamar. Subiu à Catmobil e conheceu o resto da família, She-ra e Saori, as gatas que acompanham Juliana e João desde que decidiram comprar um cave na região de Lisboa e fazer dela casa. A Catcave. Porque havia as gatas e porque havia também “um tapete de entrada com o símbolo do Batman e a frase ‘Welcome to the batcave’”, o nome só podia ser esse.

A Catmobil veio mais tarde, depois de o casal descobrir o fascínio pelo mundo das autocaravanas numa viagem pelo sul de Espanha. Pelo caminho da vida juntou-se Sansa, a quase labrador preta, e, agora, Sushi. E embarcou nesta viagem que começou no dia 19 de setembro de 2022. Primeiro só Juliana e Sansa, depois, em dezembro desse ano, juntaram-se as gatas. Passaram dois anos e cinco meses e os tripulantes da autocaravana são agora cinco, às vezes seis, a somar países. “Espanha, França, Suíça, Alemanha, Áustria, Itália, Croácia, Bósnia, Montenegro, Albânia e Grécia.”
Viajar com os nossos animais é uma sensação de casa, de lar. É viajar com os nossos melhores amigos. O bom ambiente é garantido”, revela-nos Juliana, ciente de que nada disto é tão fácil quanto parece. “Arriscaria dizer que é mais desafiante do que viajar com crianças!” Porque “os animais não são aceites em todos os espaços como as crianças e tão pouco reagem a todos os nossos pedidos como aos comandos básicos de sentar, ficar ou dar a pata”.
Isto para lá de toda a burocracia e de toda a questão sanitária em jogo. E se viajar com animais de companhia dentro da União Europeia deve constituir pouco problema, passar as fronteiras de Schengen pode ser mais exigente. Ir para longe, então, será um quebra-cabeças legal, muito para além de um passaporte e de vacinas.

Um cão não é um gato
A médica-veterinária Sónia Miranda atenta na importância de se preparar bem a viagem, procurando “junto das embaixadas” dos países de travessia e destino e no site da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) “as exigências específicas”. Porque se a vacina antirrábica e certificados emitidos pelas autoridades são comummente exigidos, juntos com passaporte e microchip, há destinos que pedem, por exemplo, análise de anticorpos contra a raiva, ou declaração do médico-veterinário.
Depois vem a parte mais específica da saúde. “Há cuidados em que se deve pensar previamente e é importante perceber se há doenças endémicas no local para onde se vai e se há lá proteção adequada para animais de companhia.” Falamos em zoonoses como a leptospirose (através do contacto com urina de animais, sobretudo ratos) ou a leishmaniose (transmitida por melgas), para falar das mais conhecidas. Isto para lá do básico que deve acompanhar a vida de um animal de companhia, como a vacinação e a desparasitação.
Há uma consulta do animal viajante? “Não se denomina assim, mas tem de existir sempre uma consulta pré-viagem. E há muita procura”, explica a médica-veterinária, que sugere que se leve uma espécie de “kit de primeiros socorros”. Terá de conter o necessário para tratar alguma lesão, porque nunca se sabe que tipo de acesso a atendimento médico-veterinário haverá no país de destino, razão pela qual se deverá também contar com a medicação necessária a toda a duração da viagem em caso de um animal com doença crónica. Um analgésico também é importante, bem como alguma medicação para o enjoo do movimento, a que os animais são mais achacados.
Sónia Miranda recomenda, por isso, algum tipo de jejum de sólidos antes das viagens propriamente ditas e a garantia de acesso a água, porque “eles têm necessidade diferentes das nossas. Podem ter mais sede”. Por outro lado, a ansiedade gerada pela deslocação pode ser combatida com a própria medicação contra o enjoo.
Mais uma vez, a especialista alerta para a necessidade de procurar conselho médico, até porque um cão é diferente de um gato e um buldogue é diferente de um labrador. Os braquicéfalos (de focinho achatado) “têm mais dificuldades respiratórias em situações de stresse”. E podemos achar que o nosso gato “vai ser muito mais feliz se for connosco de férias”, mas às vezes “não é bem assim”, a “acomodação é mais difícil”. O que “não quer dizer que não esteja adaptado e não goste”, tudo dependerá sempre de cada bicho. Levá-lo ao consultório veterinário é um bom teste para a transportadora e uma boa habituação. Mas um cão, em princípio, “apreciará o facto de acompanhar os donos”.

Mas um gato até pode ser um cão
Juliana poderá dizer que She-ra e Saori andam pela Europa a provar que os gatos gostam de viajar, felizes na Catmobil com vistas para cenários infinitos da Grécia, da Albânia, de Espanha, do fim da Europa, enfim. “É extremamente tranquilo. E podem ficar várias horas sozinhas na Catmobil, mesmo em pleno verão, porque a autocaravana está equipada com climatizador e o ambiente está sempre fresco”, realça, alertando apenas para o facto de a atenção ter de ser redobrada “na abertura de janelas e portas em locais com bastante trânsito”.
Juntemos à história o pequeno Darya. As francesas Clémence Legreau, de 27 anos, e Daphné Masse, 37, andaram de maio a outubro nas bicicletas Gary e Birgitt, a atravessar a Ásia Central de quatro “istões” – Uzbequistão, Tajiquistão, Quirguistão e Cazaquistão. A meio do caminho, passaram a ser três: adotaram um gato.

Encontraram-no pouco mais do que nascituro no deserto uzbeque, entre Nurata e Zarafshan, perdido no meio dos irmãos, todos mortos na estrada. Clémence e Daphné não conseguiram perceber se a ninhada fora atirada janela fora dentro de um saco, se atropelada em lote, se o que fora. Ele estava ali, sozinho na vida, a miar. Não foram capazes de o deixar à sua sorte. Apanharam-no e levaram-no na bolsa dianteira de uma das bicicletas.
Tentaram encontrar-lhe um lar, perceberam que aquela região do Globo tem uma relação diferente com os animais domésticos, não apareceu nenhuma alma caridosa, renderam-se à sua companhia e batizaram-no de Darya. Significa rio nos “istões”. O Amu-Darya e o Syr-Darya são os rios que alimentam (alimentavam) o defunto Mar de Aral, que foram ver já com ele, lá no interior do deserto uzbeque onde o gatinho estava. Fazia todo o sentido chamá-lo Darya. Compraram dois cestos de pão em plástico, uniram um dos lados e fizeram uma transportadora perfeita.
Em Bukhara, procuraram um veterinário que atribuísse um passaporte a Darya – “Um filme!” –, mas tiveram de suborná-lo para que colasse nele o selo de uma vacina que o bicho era demasiado novo para tomar. Colocaram-lhe uma pulseira das delas a fingir de coleira. E compraram comida seca. O resto foi acreditar na sorte.
Na fronteira para o Tajiquistão, ninguém deu por ele, escondido no conforto da sua caixa acomodada entre os alforges e o selim de Gary. As ciclistas fizeram-lhe uma bola com pelo de ovelha encontrado a esvoaçar para que pudesse brincar, ensinaram-no a portar-se bem, levaram-no numa viagem que tiveram de fazer de comboio, instalaram-no nos poucos hostéis onde pararam para descansar da tenda e viram-no aprender a subir árvores e a roubar-lhes comida.
Darya fez toda a viagem pelos “istões”, com algumas subidas a altitudes acima de 4500 metros, adoeceu levemente as vezes que teve de ser (são as normais dores de crescimento), ainda se esmurrou certa vez numa bulha e teve um dia em que resolveu ir dar uma volta, mas regressou. E cumpriu o sonho de tantos: a emigração para a Europa, para a França delas.

Guia de preparação do animal viajante
Exigências internacionais
O site da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária é extremamente completo quanto às exigências de cada país, mas não isenta da consulta de informações nas embaixadas dos destinos.
Doenças mais comuns
Leptospirose; leishmaniose (mesmo em deslocações nacionais é preciso ter noção dos sítios onde ocorre); dirofilariose (estas duas últimas são provocadas por mosquitos. Cuidado ao passear o animal ao final do dia nos lugares mais quentes, é altura deles)
Preparação
Para lá do kit de primeiros socorros incluindo analgésicos, medicação crónica e algo para o enjoo, importa conhecer as regras para o transporte de animais dentro de cada país, seja de carro, autocarro, comboio ou avião. Prever alimentação se o destino for mais “original” também pode ser uma boa ideia. E levar um brinquedo habitual é uma ajuda.
Pela estrada
No carro, um cinto de segurança para cães impõe-se em muitos países (incluindo Portugal) quando não houver transportadora. Importa que o animal esteja habituado para não se gerarem situações de stress. Se andar de carro desde muito novo, é meio caminho andando para tudo correr bem. Caso contrário, a preparação terá de passar pelo treino antes da viagem, com estadias dentro do automóvel. Elaborar um percurso com paragens recorrentes é fundamental, porque o animal precisa de acesso frequente a água e de sticar as pernas e gastar alguma energia contida. Também se pode treinar a estadia prolongada numa transportadora, mesmo em casa, para que uma viagem seja mais fácil de aguentar.
Pelo ar
Essa premissa é tanto mais evidente no transporte aéreo no caso de animais que têm de seguir no porão. Estarem preparados é fundamental. No caso da transportadora aérea portuguesa, só se pode levar um animal de estimação (cão ou gato, os restantes vão na TAP Cargo) em cabine se o peso combinado com a caixa de transporte, obrigatoriamente flexível, for até 8 kg, Daí para cima, a viagem tem que ser no porão, com um máximo de peso acumulado de 45 kg. A marcação, com indicação do tipo de caixa que se usa, deve ser feita até 48 horas antes do voo. Os braquicéfalos não podem viajar no porão. Os preços variam em função da rota e do peso e arrancam nos 40 euros. Quanto à idade, só a partir de 12 semanas (dez em cabine e no caso de voos dentro de Portugal e para Espanha). Atenção com escalas e trocas de companhias. Mais informação na página da TAP.
Estadias
Em caso de recurso a hotéis e outros alojamentos, clarificar previamente se aceitam animais. Apesar de ser cada vez mais comum, não é generalizado. A preparação de uma viagem por estrada implica a habituação dos animais ao movimento, ao qual são mais sensíveis do que o ser humano.